Há um ditado bastante popular na Irlanda do Norte que diz o seguinte: “Maradona good. Pelé better. George Best”.
Exagero? Não. Licença poética.
Existem atletas que driblam e espantam mesmo parados. Esse rótulo de excepcional é aplicado apenas para quem pratica a arte que, sabe-se lá quando, lhe foi determinada. Trata-se da linha divisória e definitiva do bom jogador para o craque. Não basta bater recorde de jogos, gols e assistências se você não tem o acréscimo visível e identificável de craque. Aquele tal diferenciado.
Para olhos bem treinados e céticos, basta um passe, domínio ou chute para entender que você está diante de um fora de série. Eles simplesmente falam com os pés. Peito aberto, cabeça erguida e passadas largas. Assim surgem e consagram-se os grandes jogadores. Ganham títulos, fama e dinheiro. Alguns, descartáveis. Outros, eternos. Quem? Os que possuem personalidade.
E ninguém na história do futebol uniu personalidade, capacidade e carisma como George Best.
Os diabos vermelhos
George Best era irlandês. Natural de Belfast, a maior cidade da Irlanda do Norte. Sempre apresentou-se como fã do Manchester United. Por sorte, foi o próprio Manchester que o descobriu em 1961, quando Bob Bishop, lendário olheiro do time inglês, acompanhou uma partida de amadores em Belfast. “Encontrei um gênio pra você”, dizia o telegrama de Bob enviado para o técnico Matt Busby logo após o jogo.
O contrato do jovem Best era de apenas duas semanas de testes em Old Trafford. Ele ficou dois dias. A saudade bateu mais forte e o instinto de adolescente o fez voltar para casa. Mas Busby já havia visto o suficiente e partiu para a Irlanda com a missão de buscar a promessa. Conseguiu. E construiu um trio de ataque que imortalizou os diabos vermelhos: Bobby Charlton, Denis Law e George Best.
Link YouTube | Em 1968 George Best foi Campeão Europeu marcando gol em todas as rodadas
A consagração com a camisa do Manchester veio cedo. Já em 1963 foi campeão da Copa da Inglaterra. O ponto de partida para Best surgir como o queridinho da imprensa. Seu estilo falastrão era muito popular entre os torcedores. Irônico, jamais comprometeu dentro de campo após os discursos exagerados e frases de impacto. Habilidoso, rápido, decisivo, líder e muito disciplinado, Best alcançou um nível de exibição que tolerava todas as extravagâncias extra-campo. Foi, durante a década de 60, o Pelé politicamente incorreto da Europa.
Era fácil ser George Best.
Afinal, ele era rico, famoso e bonito. A vida era dividida em festas, corridas com carros esportivos e muitas, muitas mulheres. Ele mesclava a marra de um Renato Gaúcho com o poder de mídia de um David Beckham. E todos amavam. As mulheres o queriam e os homens queriam ser ele. Mas é claro que há um limite. E Best chegou até ele, especialmente quando os exageros geraram conflitos com a carreira de jogador.
Era claro que o dom de Best vinha acompanhado de uma tendência destrutiva. Do mesmo modo que ele queria superar a todos dentro de campo, fazia o necessário para ser o melhor quando saia a noite. Os limites foram ficando cada vez mais escassos. De tão pop-star e polêmico, o ponta-direita que havia sido o primeiro jogador de futebol inglês a sair dos cadernos de esporte para ser capa de jornal ganhava um nome apelido: o quinto beatle.
O início da destruição
O futebol começou a encher o saco de Best.
Ele despertou um lado empresário e abriu diversas sociedades na Inglaterra. Investiu em casas noturnas, lojas de grife e até uma pequena empresa de aviões. Administrando de longe seus patrimônios e ainda jogando pelo Manchester, começou a exagerar nas noitadas e ausência de treinos. Ganhou fama de bebedor, mulherengo e apostador.
Apesar de Bobby Charlton manifestar publicamente diversas vezes que era contra as atitudes de Best, o irlandês tinha a proteção de Matt Busby — então diretor técnico do Manchester — e da própria torcida. Os poucos momentos que Best apresentava-se em campo compensavam os jogos perdidos. O brilhantismo do atleta era considerado um patrimônio público da cidade de Manchester.
Contudo, essas regalias acabaram com a chegada do novo treinador Tommy Docherty. A atitude da direção rendeu um pedido de dispensa de Best. Ele até ameaçou uma volta no ano seguinte, mas, com 27 anos, novamente se desentendeu com Docherty e anunciou o encerramento da carreira. Ou pelo menos o primeiro deles. A partir de 1975, Best teve passagens rápidas por times da Irlanda, África do Sul, Estados Unidos, Austrália e novamente na Inglaterra.
Seguiu jogando sem o mesmo brilho até 1984, quando fez seu último jogo oficial com a camisa do Tobermore United.
Abre aspas
Mesmo fora de campo, Best continuou sendo o maior símbolo do futebol da Irlanda do Norte. Uma campanha foi executada para que o técnico Billy Bingham levasse o veterano à Copa do Mundo de 1982. Sem sucesso. O ponta defendeu a Irlanda em 37 jogos, mas nunca teve a oportunidade de jogar uma Copa do Mundo.
Uma pena para a Copa.
Pois a Copa perdeu mais do que um nome. Perdeu um símbolo de mudança no perfil de jogador de futebol. Best transformou o grande jogador em craque. Elevou o patamar de esportista em celebridade. Sem referências, sem ídolos, sem imitações. Apenas fazendo o que fazia de melhor e falando o que achava mais propício.
Falar era uma especialidade de Best. Assim, imortalizou frases e comentários. Alguns recentes, como essa durante a Copa de 1998:
O David Beckham não sabe rematar com o pé esquerdo, não sabe cabecear, não sabe fazer faltas e não marca muitos gols. Fora isso, é um bom jogador.
Outros clássicos, até hoje relembrados por beberrões e playboys convictos :
Dizem que tentei dormir com sete Misses Mundo. Não é verdade. Foram apenas quatro. As outras três é que vieram atrás de mim.
Gastei muito dinheiro com bebidas, mulheres e carros rápidos. O resto, esbanjei.
Simply the best
Em 2002, destruído pela cirrose, Best teve que receber um transplante de fígado. A cirurgia foi um sucesso, mas o ex-jogador voltou a beber poucos meses depois. Em outubro de 2005 foi internado no hospital Cromwell, em Londres, com sérios problemas nos rins. O estado grave foi noticiado pela imprensa e logo jogadores de todo o mundo foram ao hospital se despedir do ídolo.
Inclusive Pelé.
O maior de todos esteve no início de novembro em Londres. Conversou com Best, relembrou das temporadas nos Estados Unidos, desejou-lhe força e deixou uma carta. Pediu que o envelope fosse aberto somente após a despedida.
Com Pelé já fora do hospital, Denis Law, amigo de Best, abriu o envelope. A carta continha uma mensagem de apoio com desejos de melhoras. E a seguinte assinatura:
Do segundo melhor jogador de todos os tempos, Pelé.
Best sorriu, olhou para o teto do hospital e ponderou:
Esse foi o último brinde da minha vida.
O ex-jogador morreu em 25 de novembro de 2005. Homenageado por multidões e políticos como grande estrela, foi enterrado com 59 anos ao lado da mãe na sua Belfast natal. Cindo dias antes, um gesto marcante. Deixou-se fotografar pela imprensa em seu estado lamentável e disse uma única frase. A frase da legenda.
Não fiquem como Best.
Mas aprendam com o que ele fez.
E inspirem-se no melhor.
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