As lembranças chegam rápidas. Foram incontáveis as vezes em que me vi sentado com meu pai e ele contando das mudanças do mundo, como as coisas aconteciam quando eu ainda não estava por aqui, mas ele sim. São diversas as memórias de como era difícil ir visitar a família em Marília, no interior de São Paulo, porque não tinha a estrada que tem hoje – a Rodovia Castelo Branco, SP-280, só foi inaugurada em 1968 -, o caminho se estendia por outras estradas, era mais tempo, mais perrengue, menos pistas.
A Anchieta, que leva São Paulo à praia de Santos, era uma tripinha só, não essa maravilha de hoje. “Lá, tá vendo aquelas casas todas ali? Era tudo mato”. Como se fazia para estudar, como funcionavam os motores das Caravans 1980, como foi ver, ao vivo, um show d’Os Mutantes e a tristeza sem fim quando recebeu a notícia da morte da pimentinha Elis.
Engraçado ler o Nu, de Botas, do Antônio Prata, poucos anos mais velho do que eu, e já reparar nas diferenças nas infâncias tão próximas, alguns brinquedos – que para ele era lançamento e, para mim, algo já minimamente datado – e programas de tevê e nomes das brincadeiras que se brincava quando ele tinha oito anos e eu, dois.
Sabe, aquela coisa de mundo tão perto e tão distante? Aqui, onde passa tudo, antes não passava nada e nada é mais como era antigamente.
Daquele tempo para os dias de hoje, o futurismo imaginado dos carros voando e robôs convivendo em harmonia com os humanos ficou ultrapassado, mas é engraçado reparar em pequenas mudanças que acontecerão e que pontuam bem esse avanço. Sim, nessa semana me peguei imaginando que uma dessas situações de encontro com o obsoleto acontecerá comigo.
Na minha cabeça encuquei que, quando eu tiver um filho e for deixá-lo em alguma festinha de amigos da escola, quando for avisá-lo do horário em que voltarei para buscá-lo, não terei mais o apoio do simples, porém potente, sinal de apontar para o pulso enquanto informo as horas.
O relógio de pulso tem uns duzentos anos de existência e, já apostando na não popularização dos smartwatches (ou cairão em desuso rapidinho), me peguei pensando que, daqui pouco tempo, o sinal será substituído por, sei lá, apontar para a palma da mão (mesmo usando relógio no braço, já estamos habituados em ver as horas na tela touchscreen dos aparelhos celulares).
E então eu vou contar pro meu pequeno que, lá nos tempos de antes, não tinha essa moleza não de ver as horas direto na maldita retina digital, mas que a gente tinha que fazer o esforço de levantar os braços e fazer a análise mental de que o ponteirozinho indicava as horas e o ponteiro grande, os minutos.
Uma dificuldade só.
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