Rajadas de vento, lagos de gelo, estradas desertas, o Batman. Praias de cristais, pedaços desmoronados do céu. Prepare-se amigo. É hora de nos acompanhar em mais uma aventura, outra vez, hasteando o bastião da sabedoria nas pilastras da galhofa. Hoje, com vocês:
Islândia: O Apocalipse Turístico
Há uns dias o PapodeHomem viu como foi incrível minha convivência com uma Lenda Viva. Pra quem ainda não viu, cola lá no meu texto e conheça a nova definição de “rôle cabuloso”.
Agora, hora de pegar estrada.
08/04/ – 14:50hrs – Aeroporto de Oslo
Estou há três meses longe de minha mulher, a primeira vez em oito anos com mais de uma semana sem vê-la. Em dez minutos, ela vai chegar aqui na Noruega. Estou em frente ao portão de desembarque, carregando três malas e um coração amassocado. Aterrizagem atrasada, como sempre, mas por detrás de uma tia que parecia o Steven Seagal de vestido, lá estava. Ela. Corro o que 40kg de malas sem rodinha me permitem, abraço-a, beijo-a e cheiro-a antes da nossa conversa enamorada:
— E aí?
— E aí e puta que pariu! Quase morro nesse avião! Tô quebrada. Tó, pega uma mala aqui. Seu cabelo tá engraçado.
— Cortei com a maquininha de barbear de novo. E a saudade, ô? Credo!
— Te amo. To morrendo de fome, ali é hambúrguer?”
Passamos o resto do dia em Oslo e, honestamente, se o seu foco for belas paisagens, pule a cidade. Embora esteja longe de ser feia, a capital é um cidade européia bem genérica.
Esteticamente, existem três boas exceções: Parque Vigeland, Museu Nacional de Arte e as pessoas (sobra homem bonito e, quanto às mulheres, a média não seria muito diferente daqui, porém, é certo que na ida ao supermercado pelo menos uma miss universo cruze seu caminho).
Ficamos em um hotel no centro onde tudo é automatizado (inclusive o preço que também não era humano), desde o check-in até utilizar o cartão para abrir o elevador.
Da estadia, duas coisas nos chamaram atenção: a privada tinha o assento ligeiramente mais alto do que o brasileiro. Então das duas uma, ou os noruegueses eram grandes demais ou eles tinham intestino solto, afinal você, assim como eu, muleque zika da ergonomia, sabe como faz diferença sentar direito na hora da obrada.
A segunda peculiaridade era que nossa porta tinha um furo(!) do tamanho do meu dedão bem abaixo da maçaneta. Se fosse no Brasil, muito provavelmente, a gente pediria para trocar o quarto. Mas como foi na Noruega, entalei umas folhas de anúncio do supermercado por lá e fomos dormir. Relativismo sórdido, eu concordo.
09/05 – 8:00 ( na verdade era quase 11hrs)
Fiorde do céu!
Link YouTube
Alugamos um carro e bora conhecer os lendários fiordes noruegueses. Eram Trezentos quilômetros até a famosa cidade de Flam. Na estrada, nosso veículo era o único a respeitar os limites de velocidade, o que nos fez chegar somente após cinco horas e duzentas mil buzinadas na traseira depois (aparentemente os noruegueses também não acham bacana a velocidade proposta pelo governo).
A verdade é que a Flam de raiz, a Flam moleque, era bem diferente do que se via na Internet. O lugar era minúsculo e mais parecia um bairro em construção no parque do Beto Carrero. Mas eis que seguimos por 15 minutos até Aurland, um pacato e nanico lugar incrustado no cenário mais bonito que uma cidade poderia abrigar. Tire suas próprias conclusões:
Sentamos à beira da água, de frente pros dois caras da foto. O vento era implacável e logo sentimos uma marofa norueguesa. E então os rapazes se levantam de saída, não sem antes nos oferecem um fardo com algumas cervejas. É amigo, a trutagem não tem nacionalidade.
Sacamos um pacotinho de amendoim (porque você sai da farofa, mas a farofa não sai de você) e esquecemos da vida por um bom tempo olhando o reflexo das rochas no espelho d’água à nossa frente.
O dia foi baixando lentamente e as montanhas se agigantaram cobrindo os raios de sol. Sentimos o calor nos abandonar e entendemos o recado, passamos num mercadinho rápido onde a moça nos diz o melhor lugar pra ver o fim da tarde chegar.
O Stegastein era uma espécie de mirante que se encontrava na ponta de cima da cidadela, há 650 metros do chão. Uma rampa que dava direto pro céu, apenas com um vidro pra barrar os avoados. Estar ali era indescritível. Aqueles paredões de pedra margeando a água e miniaturizando a cidade colocava nossa humanidade no lugar correto da natureza, meros espectadores. Era fantástico.
Depois deste cenário de filme, o retorno à Oslo. Boa parte da estrada seguia acompanhada pela neve que trocava de cor a cada curva, amarela, roxa, o que de algum modo estranho me dava uma sensação excitante de estar seguindo rumo a um improvável destino fantástico.
Já era noite quando voltamos pra Oslo. Nosso carro alugado seria devolvido no outro dia, direto no Aeroporto, rumo à Islândia. A missão era apenas encontrar um lugar para ele pernoitar e, meu irmão, que desafio! Mal sabia eu que o destino fantástico seria o de encontrar uma vaga para estacionar.
Uma hora e meia andando num raio de 3 quilômetros, aceitando qualquer lugar que fosse e nada, simplesmente não tinha onde estacionar no centro de Oslo. Para ajudar, a noite era difícil de entender a sinalização quase inexistente e tasquei o carro na contramão duas vezes, além de subir na calçada (sem guia) outras tantas.
É claro que eu só ficava sabendo depois (“bração” porque não foi você!), até que a polícia me parou pra tirar satisfação e, como a vida não é um GTA, expliquei toda minha desolação às autoridades que, sentindo minha impotência geográfica, cancelaram as oito multas(!) e me indicaram um estacionamento particular.
Entre o inconformado e o vencido, fui embicando o carro enquanto minha digníssima me colocava no lugar com todos os corretos “eu avisei pra entregar o carro hoje” da história. Duzentos reais mais pobres por uma vaga noturna e finalmente estávamos no hotel. Recuperamos o humor depois de uma pratada violenta de frango assado. Capotamento brutal e no dia seguinte, Islândia!
10/05 – 16hrs – Aeroporto
Hora do vôo, hora do meu show.
Nascido para voar, uma semana antes já acho que vou partir dessa pra melhor. Minhas mãos parecem duas cachoeiras e sempre penso antes de postar alguma mensagem no Facebook porque, se eu morro mesmo, com certeza vai ter aquele filho da puta que vai mandar um: “que coisa lôca, olha só o que ele falou, depois tem gente que diz que é coincidência… #paz #destino #deus #pombabranca”.
Mas é na adversidade que a gente cresce, não é mesmo? Nem a pau! Tomo o baratinho que o doutor receitou e viajo vendo tudo tom pastel até dormir em dez segundos. Grogue, mas em terra firme, comemoro tentando entender que horas são no celular. Saindo do avião, barra de chocolate pra recobrar a consciência e vamos à pé até onde está o carro alugado que reservamos.
São onze da noite, tocamos a campainha e, minutos depois, as luzes ligam e a porta se abre. Entregamos nossa reserva e conhecemos a primeira pessoa que rivaliza com meu inglês.
Segue o diálogo digno de Tarantino:
— Hey, Hello! The car.
— Oh, Ok. Sign here and here. Car here now.
— Oh, thank you. Right?
— Only lights. (ele aponta pro farol)
— Sure!” (eu mando o joinha maneiro)
E entramos no carro com a Camila me perguntando qual era o problema com os faróis.
— Que farol? O cara me disse que só tinha carro claro.
Não entendi nada. Autoconfiança transborda aqui.
Mais tarde acho que descobrimos. Ele queria dizer que a única coisa que funcionava direito no carro era o farol. Só pode. Freio-de-mão era só estético (o carro só parava se tivesse engatado) e o aquecedor deve ter aberto uns cinco furos na camada de ozônio. Fora o sensor de portas abertas, que deveria ser o sensor de detecção de oxigênio. Aquela desgraça passou a viagem inteira ligado e apitando. Mas, irmão, eu to na Islândia! Quero que se dane o freio-de-mão. Segue viagem.
Em poucos quilômetros chegamos à nossa primeira guest house. Como a população do país é pequena e existem muitas casas espalhadas em lugares ermos, este é um tipo de serviço bem comum na Islândia. Moradores alugam um ou mais cômodos de seu lares para períodos curtos de estadia. Ao entrarmos, uma tiazinha simpática pede que não andemos de sapatos dentro da casa (hábito comum também na Noruega) e diz que podemos comer tudo que está na cozinha. Só pede que sejamos silenciosos, pois outras pessoas dormem no quarto ao lado.
11/05 – I´m Batman
Passamos no mercado e, já abastecidos de toda sorte de tranqueiras e latas de atum, finalmente íamos ao encontro do nosso primeiro destino: Seljalandsfoss Waterfall (pronuncia-se “seja lá onde for a foz waterfall”).
A sensação de estar no Beto Carrero retorna. Estávamos de frente para uma enorme cachoeira que surgia de um paredão liso.
A cachoeira era grande! Ventava muito e, quando menos esperávamos, já estávamos totalmente ensopados e congelando por passar andando atrás da queda que, de perto (e lembrando das cachoeiras brasileiras), era bem meia bomba. Eliminando os bad feelings, afinal este texto se concentra em mostrar uma viagem comi/rezei/amei, saímos da cachoeira meio perdidos, afinal, era pra isso que tínhamos ido até o outro lado do mundo?
Montamos no carro, agora rumo a Seljavallalaug (pronuncia-se “se já vai lá lala ugh”), e as coisas começavam a mudar de figura. As estradas agora já se apresentavam realmente belas, planícies de rochas esverdeadas era tudo que se via ao redor. Mais ao fundo, montes se erguiam majestosos, cada um com apenas uma longa curva suntuosa que rumava ao céu. Era uma visão que nos apequenava de um jeito muito bom.
Uma plaquinha minúscula indicava o lugar. A entrada se dava em uma curva de 90 graus no meio da estrada. Seguimos mais algumas centenas de metros pelo chão de pedras e achamos prudente estacionar e continuar o trajeto andando.
O caminho seguia um córrego pequeno, mas surpreendente, a água parecia ter uns 10 tons diferentes de azul. Nunca vi nada igual. Acompanhando o leito, enormes montanhas saudavam o sol e seus visitantes.
Mais à frente, uma visão estranhíssima e divertida. Ali, no meio de lugar nenhum, uma piscina de concreto com um vestiário minúsculo recebia os forasteiros que quisessem se banhar das águas quentes e naturais do lugar. Um casal oriental na água dava risada enquanto um pai tentava enxugar sua prole ensandecida que era quase um time de basquete mirim.
Íamos entrar na água, mas os desfiladeiros ao redor falaram mais alto e continuamos explorando cada canto do lugar ainda sem saber o que dizer diante daquela tudo que acontecia a nossa frente.
Empolgados e morrendo de fome, sacamos da mochila uns sandubas que fizemos de manhã e pegamos nosso rumo até Dyrhólaey, um pico absurdo que nos dava a mira de todo tipo. O vento era descomunal, como sempre, mas quem se importa quando a paisagem é esta aqui?
Lá de cima já podíamos ver nosso próximo destino, a famosa praia preta, Reynisfjara Beach, que, como a maioria dos lugares, estava praticamente deserta. Não eram mais que dez pessoas conosco ali, no meio do nada, naquela areia estranha e negra. Contra as ondas, um apanhado de rochas ainda mais inusitado, formações naturais retangulares emergiam da terra. Era fácil – e divertido – subir nelas e cada um de seus retângulos parecia reverberar uma onda diferente. Se você fechasse os olhos, era possível perder o rumo do mar. A sensação é indescritível.
O lugar todo era de um estranhamento quase desconfortante, cada canto tão peculiar que era como ter a oportunidade de ver uma praia pela primeira vez!
Olhando a areia diante de nossos pés, ficávamos curiosos. Enquanto às nossas costas, uma grande caverna pontiaguda nos dava guarda. Logo ao lado do castelo de retângulos.
Se o Bruce Wayne desistisse de Gotham, não tenho dúvida alguma que ali seria sua nova morada. Ainda pudemos acompanhar o sol indo embora, o que fez com que as rochas na extremidade da praia entrassem em um colapso de azuis e verdes que nos entortavam a vista.
A Natureza não tava pra brincadeira. Os últimos instantes do dia se divertiam ainda mais com as cores. A areia, que antes era negra e azulada, ganhou breves contornos avermelhados enquanto a luz fria, de um amarelo ouro, esverdeava as águas e tornava os últimos raios mais brilhantes. Foi deste modo que nos despedimos e caímos na estrada novamente em busca de abrigo.
Uma reserva marcada com meses de antecedência nos deu lugar e um bom preço há apenas 10 quilômetros da praia preta, fomos recepcionados por um adolescente, 17/18 anos, espinhas nas laterais do rosto alongado que conversava com seu nariz fino e gingado, emolduravam um olhar entediado.
É meu amigo, mais uma prova que a felicidade é perspectiva, não coordenada. Aquele moleque morava em um dos lugares mais fantásticos e surpreendentes da natureza que já vi e, não tenho dúvida, daria um rim por um brinca dançante de garagem.
O chateado nos indica o quarto onde capotamos no instante seguinte. Estávamos só o pó e com certeza não esperávamos o que nos aguardava no dia seguinte.
A praia de cristal e luz de serpentina
Algum lugar na Islândia – 10:00
Balde de café tomado, sanduíches de atum empacotados, lá vamos nós no Apitomóvel 4×4 alugado. Jökulsárlón era um imenso lago glacial com mais de 150 metros de profundidade, floreado de icebergs que escorriam lentamente mar à frente através de uma pequena passagem por onde focas almoçavam sem pudor.
Acompanhando a foca, fomos levados à praia dos cristais. Centenas de grandes pedaços de gelo curtiam o dia pé na área sem se importar com nada.
Um pouquinho mais pra frente, um iceberg banhista solitário se arriscava na água. Eram mais de 3 metros de altura e um azul intenso vindo sei lá de onde, afrontando sem dó a cor do mar que agora parecia não existir. Sentamos, meio sem saber o que falar, meio sorrindo, admirando aquele tonel de natureza azul e radiante. Parecia que o céu nublado, todo invejoso, tinha arremessado pro chão uma parte do azul translúcido do dia anterior, que, meio sem saber pra onde ir, ficou ali, de bobeira, distraído pelas focas esfomeadas.
Contentes com o que o dia tinha nos proporcionado, rumamos pro nosso primeiro hotel de verdade na Islândia, que só rolou devido a uma promoção coisa linda de deus da baixa temporada (os vikings não têm clemência na hora de cobrar a estadia). Antes de chegarmos, vimos uma plaquinha indicando mais um dos muitos lugares impronunciáveis. Tínhamos algumas horas antes do sol se por e resolvemos arriscar.
Um trechinho curto do arremedo de estrada e estacionamos. Era uma subida de menos de 30 metros. Por que não?
Rapaz, a sorte acompanha quem segue o chão batido! Aquele lugar era lindo, os poucos metros acima nos permitiam ver um lago fantástico onde icebergs rajados cortavam a água congelada sem dó.
À esquerda dos icebergs rajados, uma geleira gigantesca que parecia ter desmoronado entre as montanhas, cada um dos veios de gelo deveria ter pelo menos uns vinte metros de altura, era inacreditável. Mais uma vez sentamos, nos perdendo vendo a natureza brincar de escorregar.
Retornamos para a estrada e em menos de duas horas já estávamos aquecidos e instalados no hotel, ambos quebrados pelo dia longo e divertido. Só pensávamos em encher a pança até explodir e testar os gordos travesseiros que nos aguardavam na cama.
Mas aquele, como você já notou, não era um dia comum. E a noite tinha apenas começado. Ainda não tínhamos nos deparado com a maior das surpresas, algo grandioso estava por vir… e ela serpenteava no céu.
E daqui a quinze dias a jornada continua, meu bom! Achei melhor dividir em duas partes para não ficar cansativo e, claro, para que você possa apreciar como se deve cada trecho desta aventura.
Torço para estar contando de um modo que o faça sentir um pouco do que vi e vivi, se a repercussão deste primeiro for boa, a segunda parte virá maior (e melhor) e com um balde de dicas práticas sobre a viagem.
O Jaba honesto, importante dizer que estas fotos não seriam possíveis sem os grandes parceiros da Sony Brasil, que me arranjaram um Z5 monstro com a melhor cam que já vi em um celular. Aliás, o próximo texto vem com vídeo em 4k, truta.
E como não agradecer outras trocentas vezes a Timberland Brasil, que me ajudou a manter a linha, sem frio algum, nos confins do mundo! E com jaquetas de bolsos mil, bem como eu gosto pra este tipo de viagem. Quanto a bota, confesso que foi uma surpresa, não alagou em nenhum atoleiro de neve, pelo contrário, meu dedão mandou até beijo!
Como sempre, espero que tenha sido útil ou, ao menos, divertido!
Até daqui quinze dias!
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