Eu tinha todo um texto bonito sobre uma menina que lia notícias da nova ciclovia na Avenida Paulista, mas que não parava de pensar nos peitos da Jennifer Lawrence. Ela não tinha visto as fotos, achava aquilo tudo bem invasivo, mas imaginar nua aquela garota linda que todos amavam lhe dava espasmos no corpo todo.
Pensava, eu, que a situação havia sido resolvida, que todos concordavam com as faixas vermelhinhas nas ruas, celebravam o avanço de um dos pontos mais importantes da cidade estar no foco de tal inovação. Com essa tranquilidade do consenso, eu ia escrever sobre a doce menina que acordara já com as pernas inquietas, pressionando uma coxa contra a outra coxa, as palmas das mãos suadas e roçando os dedinhos dos pés no lençol que jazia sem utilidade na ponta da cama.
Afinal, não havia mais com o que me preocupar. Em Moema, a nova realidade haveria de ser um sucesso e os moradores do bairro do Higienópolis certamente celebrariam a chegada das boas novas. Sem os problemas, restaria à minha pessoa divagar sobre o dia em que uma garota passou apuros com suas vontades, usar palavras gostosas, incitar a imaginação alheia.
Ela passaria o dia enfurnada em casa, sentada no sofá e controlando os faniquitos debaixo da saia. Leria coisas que incitariam ainda mais as labaredas na bochecha, a cara queimando o dia todo, os cabelos bem presos porque qualquer pensamento já lhe causava suores na nuca. Lá fora, o mundo corria normalmente e todos seríamos felizes.
Mas aí comecei a desconfiar. Estava tudo calmo demais. Adentrei na realidade fictícia dela e fui até a janela — ela não tirava os olhos das maravilhas que a tecnologia propiciava para seu deleite visual — e o sol brilhava naquele laranja agradável e as pessoas conversavam nas calçadas e o vento tinha a temperatura certa e, nos oito minutos que fiquei analisando a rua, nenhum carro atravessou a faixa de pedestres no farol já vermelho quase atropelando quem atravessava.
Algo estava errado.
Deixei a mocinha com as mãos se enfiando para dentro das calças e fui para a rua dela. Era um apinhado de gente bonita em clima de azaração, todos com tempo de sobra, caminhando e dando “ois” e “olás”. Elas estavam serenas e caminhavam olhando para as outras pessoas, admirando o contorno das árvores, a luz do sol rebatida nos prédios. Um rapaz com roupas esportivas me ofereceu um suco que estava tomando, estava gelado e no ponto certo de açúcar.
Era tudo bom demais para ser verdade. Teria o mundo tomado jeito e resolvido os petardos que esse ano plantou em cada pontinho estratégico do globo? E cá, em minha cidade, a paz reinava e tínhamos água na Cantareira novamente?
Fora daquela imersão e sentado novamente em frente ao computador, olhei aqui para fora e estava tudo como sempre foi. Gente que não usa bicicleta reclamando do espaço perdido para os ciclistas. Gente que não usa carro bradando contra o excesso de espaço para veículos motorizados. A velha treta de pessoas que querem ver a cidade avançar, mas desde que isso não mexa em nada com seu dia a dia.
Não pode fazer buraco pra enterrar fios dos postes, não pode botar comércio no pé dos prédios, não pode deixar aquele povo dos bairros “perigosos” virem morar aqui no “nosso” centro, não aumenta meus impostos, não bota ônibus na minha faixa, não me abaixa o preço daquele restaurante porque eu não quero me misturar com certo tipo de gentinha. E o Pelé continua falando merda pra cacete.
Preferi não voltar para a menina. Certamente ela estava prestes a gozar sozinha e ser feliz. Não quis incomodar.
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