Ontem, escrevi um artigo no qual falei bastante sobre a operação Lava Jato e outras formas de ajudar a combater a corrupção no Brasil. O que eu não falei – e que você talvez já saiba – é que: a delação premiada está na moda.

Imagine – só imagine – um cenário no qual você é um criminoso. Você e um comparsa são presos, levados para uma prisão que pode ser em Curitiba ou no Rio de Janeiro, depende, e um promotor surge oferecendo um acordo. Ele isola cada um de vocês e explica separadamente a seguinte situação:

  • Se você der informações que ajudem a revelar o esquema criminoso completo e seu comparsa ficar calado, você sai livre, enquanto ele fica preso por 10 anos.
  • Se você der informações, mas seu comparsa também, ambos ficam presos por 5 anos.
  • Se você resolver ficar calado, mas seu comparsa te entregar, ele sai livre e é você quem fica preso por 10 anos.
  • Mas se ambos decidirem ficar calados, o juiz não tem provas suficientes para mantê-los presos por mais de 6 meses.

Ficou confuso? Tem desenho:

Apesar de se aplicar ao contexto brasileiro atual, o problema conhecido como dilema do prisioneiro já é bem antigo.

Regra do jogo

Ele começou a ser estudado por John Nash, ainda na década de 1930, enquanto o matemático formulava as bases da famosa Teoria dos Jogos. Anos mais tarde, já em 1950, dois de seus seguidores, Merrill Flood e Melvin Dresher, deram sequência aos estudos de Nash e formalizaram o problema matematicamente pela primeira vez. Na sequência, Albert W. Tucker acrescentou à matemática o tema da prisão e acabou batizando a questão dessa forma.

Todos eles contribuíram para esclarecer o problema e apresentar suas consequências. Segundo eles, o dilema se dá por conta do embate entre o máximo ganho individual e o melhor resultado coletivo.

Nesse caso, é importante notar que confessar é sempre a melhor estratégia individualmente. Caso você confesse e o outro não, você sai livre. Caso você confesse e o outro também, você pega uma pena menor. É por isso que os matemáticos chamam a opção por confessar de Estratégia Dominante. (Não entendeu? É só comparar os triângulos vermelhos da coluna da esquerda da imagem acima com os da coluna direita e reparar que independentemente da escolha do outro, a solução da esquerda é sempre melhor que a da direita, ou seja, confessar é sempre melhor do que calar).

Se a lógica prevalecer, ambos os prisioneiros isolados chegarão a essa conclusão e todos terão um ganho médio, o que chamamos de Equilíbrio de Nash, ou seja, uma solução na qual todos tentam tirar proveito individual, mas acabam tendo um avanço menor do que o melhor possível.

Porém, supondo que seja possível se comunicar, os prisioneiros poderiam combinar de ninguém se entregar. Sendo assim, na situação que chamamos de Ótimo de Pareto, ambos abrem mão de ter o melhor resultado individual para obter um ganho coletivo substancialmente maior.

Tá começando a entender? Pois é. Dilemas como esse acontecem em jogos de soma não-zero, ou seja, situações em que o seu próprio ganho não significa necessariamente a perda proporcional do adversário. Em situações como essa, você é obrigado a levar em consideração a decisão do oponente, e é por isso que tudo fica tão confuso. Mas na vida real, é ainda pior.

Link do Youtube – o vídeo é meio tosquinho, mas ajuda a explicar (os valores utilizados por eles, no exemplo são outros, mas obedecem à mesma lógica).

Segue o jogo

Podemos dizer que o dilema do prisioneiro também tem uma segunda fase. Ela ocorre justamente quando um criminoso (ou jogador) já passou pela mesma experiência antes.

Nesse caso, o benefício ou o prejuízo do resultado da "rodada anterior" conta e pode influenciar ou não a sua nova decisão.

Suponha, para esclarecer, que você escolheu confessar e seu parceiro também. Ambos ficaram presos 5 anos, saíram, decidiram se encontrar e, como a prisão não foi capaz de reabilitá-los, vocês se tornaram reincidentes. Na hora de definir a pena, o mesmo acordo te faz pensar duas coisas mais complexas do que da primeira vez: se ele decidiu me entregar antes, por que seria diferente agora? Ou então: se ele viu que nós dois nos demos mal da primeira vez, por que não faria diferente agora?

Leia também  Aposta de Pascal: por que acreditar em Deus? | Tecla SAP #19

Assim como na primeira rodada, o dilema segue, mas ele se torna muito mais dependente da experiência anterior e da percepção sobre a cumplicidade de seu adversário ou parceiro.

Mais que um jogo

Na prática, o jogo se reproduz na vida em infinitas circunstâncias:

Na brincadeira de amigo secreto, quando você tem que escolher se vai dar um presente caro ou barato.

Na hora de fazer compras, quando você tem que imaginar se vai cheia ou vazia.

Na hora de se deslocar, quando você tem que escolher se vai de carro ou de ônibus.

E consequentemente na hora que você vai comprar um presente barato numa loja cheia. Ou um presente barato, nessa loja cheia. Na hora de comprar um presente caro numa loja vazia. Ou um presente barato nessa mesma loja.

Da mesma forma, quando você vai pegar seu carro para comprar um presente caro. Ou pegar seu carro pra comprar um presente barato. Se vai de ônibus para comprar um presente barato. Ou se vai de ônibus comprar um presente caro.

Se você já entendeu o raciocínio, pule o próximo parágrafo. Caso contrário, leia com atenção e paciência.

Além disso, é preciso saber se vai de carro numa loja vazia com presentes baratos. Se vai de carro numa loja vazia de presentes caros. Se vai de carro numa loja cheia de presentes baratos. Se vai de carro numa loja cheia de presentes caros. Se vai de ônibus numa loja vazia de presentes caros. Se vai de ônibus numa loja vazia de presentes baratos. Se vai de ônibus numa loja cheia de presentes caros. Ou se vai de ônibus numa loja cheia de presentes baratos.

E assim sucessivamente… Todos nós, tomando decisões que dependem uns dos outros o tempo inteiro ad infinitum formando o que chamamos de Dilema do Prisioneiro Iterado, ou seja, uma situação na qual os participantes devem escolher uma estratégia mútua mais de uma vez e têm memória dos seus encontros prévios, de maneira que uma escolha interfere na outra e, nesse caso, podendo expandir a dependência de sua decisão para mais de um indivíduo ou até mesmo para a sociedade como um todo.

Desesperou? Tá ansioso pra encontrar uma solução?

A essa hora, você já pode até estar imaginando um caminho: o primeiro passo para acabar com o dilema, maximizando o ganho de todos, é a comunicação. Se as duas partes forem capazes de estabelecer um diálogo, então elas podem combinar suas decisões.

Mas os matemáticos já alertaram para um segundo problema: não há garantias de que seu companheiro (ou adversário) vai cumprir o combinado na hora H. Nesse caso, os envolvidos estão mais confiantes de que podem obter um ganho pessoal maior e, portanto, podem ficar mais propensos a mudar o acordo na última hora.

Para evitar tudo isso, não tem jeito. Sem que haja uma garantia, o único segundo passo possível é a confiança. Mesmo que haja uma boa comunicação entre as partes, é fundamental que todos os envolvidos confiem na honestidade dos demais. Caso contrário, o dilema persiste.

E é por conta dessa complexidade toda que a maioria de nós, diariamente, acaba fazendo sempre a opção pela Estratégia Dominante do ganho individual. Dessa forma, a sociedade como um todo até avança, mas com passos de formiga e sem vontade, o que, de certa forma, explica um pouco (ou muito) da nossa situação atual.

De qualquer forma, agora que você sabe disso, use a seu favor: comece a investir em uma boa comunicação e em relações de confiança. Assim, quem sabe um dia, a gente reverta o quadro geral.

Enquanto isso, a delação premiada segue na moda.

***

Tecla SAP é uma série de autoria de Breno França publicada quinzenalmente às quintas-feiras que se propõem a explicar ou traduzir conceitos complexos que estão presentes nas nossas vidas, mas não sabemos ou reconhecemos.

Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a <a>Jornalismo Júnior</a>