Passeio com o Clint de três a cinco vezes por dia, a primeira logo de manhã — antes de ir para o trabalho — e a última antes de dormir, por volta da meia-noite. Costumo deixá-lo solto quando ando por ruas mais tranquilas, assim ele pode correr, gastar mais energia e explorar melhor o local.
Meu apartamento fica perto da Avenida Paulista e a Rua Augusta. Sempre procuro variar o caminho, prato cheio para interagir com pessoas dos tipos mais variados que transitam ali pela região: mendigos, dondocas, crianças, gringos, engravatados, putas, bêbados, travestis, policiais, manifestantes, pessoas que amam e pessoas que odeiam cachorro.
Às vezes o Clint ignora pessoas e, de vez em quando, ele para para receber carinho. É completamente aleatório e sempre uma surpresa.
* * *
Uma moça de uns 30 e poucos anos carregando algumas compras do supermercado vinha na minha direção. Ela avista o Clint de longe, abre um sorriso grande, dá aquela leve agachada e abre os braços.
Penso que poderia ser alguém conhecido, mas não era.
Acho que é uma Felicia
— Aaaai que coisa mais fofa!
O Clint chega mais perto, abana o rabo e resolve que quer um afago. A moça coloca todas as sacolas em uma mão só e usa a outra livre para fazer carinho. Ele logo se entrega, vira a barriga para cima e se esparrama pelo chão da calçada.
— Voxê é muito lindo, voxê é muito lindo — diz a moça fazendo voz de bebezinho – Vou te levar para minha casa e conhecer a Meg, minha filhinha.
Tento estabelecer contato visual com a moça, mas ela não consegue tirar os olhos do bicho. Larga as sacolas de supermercado, senta no chão, ele deita no colo dela.
— Oi, tudo bem? – falo um pouco tímido, mas sou ignorado. Acho que a moça não ouviu por conta dos gritinhos que ela dava apertando o Clint.
— Gente, eu amo essa raça!
Ainda sem contato visual.
— Oi, tudo bem? — tento, dessa vez mais alto.
Novamente sou ignorado, o frenesi de amor havia deixado a moça completamente surda e fechada em uma bolha à prova de interações humanas.
Começo a andar, sem olhar para o Clint, digo o comando “junto”. Ele rapidamente obedece, se levanta, largando a moça lá sentada no chão com um monte de sacolas de supermercado em volta.
Ela assobia e chama, na expectativa que ele volte, mas como um cão bem treinado, sequer olha pra trás.
— Ai que mal educado, nem pra me dar tchau — ela resmunga.
Bom dia pra você também, moça.
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