Durante o evento de Portões Abertos da Base Aérea de Natal, em 2013, eu estava ao lado do avião de caça A-1, do Esquadrão Adelphi, onde atuo. Naquele dia eu estava apresentando-o para o público.

Milhares de pessoas se confundiam na multidão do pátio ensolarado. Faziam filas para chegar perto da aeronave que estava protegida por cones, correntes e outros militares ao redor, além de seguranças da área operacional.

Minha função, como piloto escalado para aquele evento, era explicar ao público sobre o avião, um a um, família a família. À medida que a fila andava, as pessoas subiam no avião para tirar a foto clássica, vestidas de piloto e dentro da cockpit daquele "trator" voador, o Caça A-1M, também conhecido como AMX, da Força Aérea Brasileira.

Em ação

Algumas horas se passaram e centenas de pessoas já haviam visitado a aeronave, quando chegou a vez de um senhor com deficiência visual que estava acompanhado por um homem jovem, provavelmente seu parente.

"Boa tarde! Não posso enxergar. Você poderia descrever o avião para mim?", perguntou o senhor. Fiquei um tempo sem reação, pensando como explicaria, já que fui pego de surpresa e nunca me ocorrera uma situação parecida antes. Então, como num momento de inspiração, levantei a corrente que servia de bloqueio e pedi para que o senhor se abaixasse e colocasse uma das mãos no meu ombro esquerdo.

Seu acompanhante ficou do lado de fora aguardando. Aí peguei a outra mão dele e, guiada pela minha, começamos a tocar e analisar cada detalhe do caça, começando pelo nariz, passando pela asa esquerda, profundores, escapamento, trem de pouso, asa direita e finalizando novamente no nariz.

Cada nuança foi explicada. Cada curva detalhada. As pessoas na fila, que antes estavam impacientes, agora olhavam com admiração e paciência a emoção que transbordava no rosto daquele homem.

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Ao final, ele disse: "Agora, depois de 62 anos, consegui ver um avião!"

E pediu para que eu descrevesse como era um voo e qual a melhor sensação de voar. Então respondi:

"Quando o dia está nublado, daqueles com chuva e escuro, quando a única sensação que se tem é que nada há além daquelas nuvens, então, como que ignorando as atribulações, guarnecemos a aeronave, acionamos o motor e decolamos!

Entramos nessas nuvens cinzentas logo após sair do chão, onde geralmente o ar é turbilhonado e faz o avião sacudir bastante. Em meio à tempestade, nada mais se deseja além do que solo firme. Mesmo que lá embaixo estejamos sob forte chuva, de repente, depois de enfrentar o desafio nada agradável de atravessar as nuvens, o céu fica azul e limpo e aquelas nuvens todas, que antes deixavam o dia nublado, agora formam um imenso e belo tapete branco que cobre a terra.

E, onde se tinha escuridão, agora se tem a sensação de alívio em saber que, independente de como estamos aqui embaixo, o céu sempre estará azul lá em cima!"

Neste momento, ele tirou os óculos e me abraçou. E as pessoas ao redor, comovidas, bateram palmas, como forma de sinalizar para aquele senhor que estavam ali, com ele.

Nunca me esquecerei daquele dia. Daquele senhor. E daquela frase: "Agora consegui ver um avião!"

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Rodrigo Perdoná

O Capitão Aviador Rodrigo Perdoná é natural do Rio Grande do Sul. Atualmente é piloto da aviação de caça, atuando no 1° Esquadrão do 16° Grupo de Aviação - Esquadrão Adelphi, que voa os caças bombardeios A-1M AMX.