“Gabrielle, felicidade é viver no azul”, me dizia Almir, o pai, durante toda a minha fase de transição para a vida adulta. Não colou. Passei dez anos vivendo no vermelho e estaria mentindo se dissesse que me envergonho disso.
Lembro de um professor da faculdade que falava, ainda na primeira fase do curso, que gasto com livro nunca foi desperdício, mas investimento. Levei o conselho ao pé da letra e o expandi para além da biblioteca: como bem, viajo bastante, gasto com experiências e compro coisas aqui e acolá. Isso não significa que esbanjo dinheiro, mas que a capacidade que tenho de suportar dívidas é bem elástica.
Minha relação com grana nunca foi baseada em apego. Não guardava, não queria poupá-la. Cofrinhos passaram longe de mim na infância. “Faça seus tostões girarem”, eu pensava comigo mesma logo que entrei na vida adulta. Mas aí, aos 28 anos, um movimento que já vinha me rondando a dois se firmou: fui mordida pelo mosquito do consumo consciente. Daí em diante, meu relacionamento com o dinheiro mudou.
Mudou não porque agora eu quisesse poupá-lo ou investi-lo, mas porque eu passara a me perguntar o que diachos estava consumindo. Na prática, o desinteresse pelo dinheiro só aumentava, mas, diferente de antes, vinha acompanhado de uma leveza, uma vontade de ter as coisas mais ajeitadinhas, menos complicadas. Viver no azul passou a ser um sonho possível — e desejável.
Aquele item que você nunca soube que precisava, a roupa da moda, a versão 8s super do seu aparelho celular: consumimos achando que aquilo nos fará felizes, mas a verdade é que nada é menos etéreo que apostar no dinheiro (e no que ele compra) como fonte de felicidade. Somos programados para acumular e despreparados para pensar com lucidez por onde e como escoa nossa grana.
Certa vez, num papo com Eduardo Amuri, ele me perguntou quanto eu gastava por mês. Eu não tinha uma puta ideia. Nem uma estimativa. E esse foi meu primeiro passo efetivo para começar a fazer as pazes com a vida financeira.
Passei, então, a escrever num bloco de notas do celular qualquer centavo que gastava. Larguei mão de apps que prometiam organizar meu dinheiro e que entregavam gráficos X com gastos Y. Optei pelo simples e deu certo.
O primeiro mês de anotação foi solto, fluido; no segundo, já conseguia agrupar os gastos de forma mais clara e no terceiro já estava trabalhando com metas — investir mais em cultura, diminuir em restaurantes etc. Tomei as rédeas das minhas finanças e senti a tranquilidade de quem sabe para onde os cavalos apontam.
Enxergando o caminho que meu dinheiro fazia e conseguindo aplicá-lo de forma mais inteligente, passei não só a economizar como também pude, com a gordurinha que sobrava, pagar minhas dívidas.
E aí o jogo virou: parei de correr atrás de dinheiro e comecei a andar ao lado dele.
Entendi que ao falarmos de grana não é só de grana que estamos falando. É também sobre a casa que você sonha em comprar e sobre a viagem que eu quero fazer; é sobre o que priorizamos, sobre o que oferecemos e o que guardamos. Foi n’olugar que aprendi: o que nos faz sofrer não é a ausência de dinheiro, mas a ausência da segurança e do controle que atrelamos ao processo financeiro.
Eu sei, a gente costuma aceitar às turras o que nossos pais dizem, mas, neste caso, o velho tinha razão: viver com a conta no azul e o nome limpo tem lá suas vantagens. E não falo só de notas e moedas.
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