Nos idos de 2008, mais ou menos naquela época entre Ó Meu Deus Que Calor e Ó Meu Deus Eu Não Aguento Mais Essa Chuva, eu saía todos os dias às nove e pouco do meu apartamento no Sto. Antônio, em BH, para a agência onde era estagiário.
A agência no caso fica até hoje na Guajajaras, entre as ruas São Paulo e Curitiba (quem mora em BH com certeza sabe onde é). Todos esses dias eu me perguntava onde iria almoçar — já que, no centro, o aconselhável é dar uma variada boa entre restaurantes, o que na verdade quer dizer “não coma todos os dias no R$4,99 sem balança”.
Foi numa dessas que, entre um cartão de natal e outro (fiz 15 cartões natalinos diferentes naquele ano. Eu contei), decidi entrar numa birosca ali na Augusto de Lima que vendia pedaços de pizza (e eu que detesto almoçar pizza, mas resolvi abrir uma exceção).
Foi quando reparei num cardápio e vi que o lugar oferecia pratos feitos. Seguindo a minha Lei do Primeiro Pedido*, não pestanejei e pedi aquele que viria a ser conhecido como O Melhor Feijão Tropeiro do Mundo.
*A Lei do Primeiro Pedido é um conjunto de regras que eu fui criando ao longo dos anos e que sigo quase a risca toda vez que peço qualquer tipo de alimento em algum lugar pela primeira vez. Por ser um pouco extenso, compartilharei os pormenores da Lei em outra oportunidade.
O Melhor Feijão Tropeiro do Mundo!
Bem, eu fui para o fundo do lugar e sentei numa mesa de plástico qualquer e esperei. Segundo a tal Lei, tropeiro é batata. Pedi uma Coca-Cola para acompanhar e esperei. Quando o prato chegou, eu entrei em choque. Era uma tigela média com um bife de porco inacreditável em cima. Acompanhava um prato com arroz, alface e tomate.
Levantei o bife e vislumbrei a maravilhosa criação dos bandeirantes e tropeiros. Porém havia algo diferente. Tenho certeza que se eu contasse os ingredientes e a composição do prato encontraria a proporção áurea.
Era molhadinho, na medida certa, nem mais nem menos. O visual não poderia ser melhor, robusto, bonito, exalando calor e sabor. Não era salgado, nem sem sal. A quantidade de torresmo por colherada era exata. A couve, que era refogada — não crua como em alguns tropeiros por aí –, ‘chupou’ todo o sabor do bife que era a cereja do bolo. Para finalizar, um ovo cozido dividido em dois, num prato montado por um caprichoso, talentoso e talvez subvalorizado, quiçá desperdiçado chef.
Era um absurdo. Quase revoltante aquilo existir e não ser divulgado, conhecido por todos. Por Deus, devia ser consumido por todos! Aquele Tropeiro e seu criador deveriam ser patrimônio gastronômico e cultural do país. Quem estiver lendo esse post e tiver o contato, chama o IPHAN.
Ao terminar de comer, ainda incrédulo, tive receio de que fora apenas um caso isolado. Que fora sorte. Mesmo assim, agradeci a todos
“Diga à cozinha que foi o melhor tropeiro que já comi”.
Fui embora andando devagar, virando a esquina da rua Curitiba, certo de que minha vida havia mudado para sempre. Acendi um cigarro (eu ainda fumava) e fui pensando na experiência que acabara de ter. Com aquele gosto ainda passeando pelas papilas gustativas de um gordo feliz em sua plenitude.
No outro dia, voltei na birosca-que-havia-se-transformado-em-restaurante. Obviamente, depois da palestra que dei ao chegar na agência no dia anterior, toda a agência me acompanhava.
E não. Não foi um acaso do destino. O Melhor Feijão Tropeiro do Mundo continuava sendo feito com perfeição pelo mestre anônimo da cozinha do pequeno restaurante pizzaria situado Av. Augusto de Lima. Ali, pertinho do Mercado Central.
Até eu sair da agência e ir trabalhar como freela, a sexta-feira se tornou um dia especial não pelo Nerdcast, não por ser “fim de semana”, mas por ser o dia da semana que eu almoçava o MFTdM.
***
Quase quatro anos depois, o destino — conhecido também como “contas a pagar” — me trouxe de volta à mesma agência daquela época. Logicamente fui atrás daquela perfeição em forma de prato típico.
Mas, para meu horror, descobri que tal lugar não existia mais.
Eu vivi até aquele dia com a segurança de que eu poderia simplesmente chegar lá e fazer o pedido, como se o tempo nunca tivesse passado e tudo fosse como era em 2008. Perguntei atônito para o rapaz que atendia na loja de qualquer coisa que se instalara no lugar da birosca-que-havia-se-transformado-em-restaurante, o que havia acontecido, porque eles estavam fazendo aquilo comigo, porque o mundo era assim tão cruel.
Ele disse que não sabia, que quando o “patrão” pegou o ponto ele estava vazio já há algum tempo e não faziam ideia de onde fora parar o tal feijão tropeiro. Tentando digerir essa constatação indigesta ao invés do tropeiro perfeito, várias perguntas foram surgindo.
Será que o restaurante quebrou mesmo ou mudou de lugar? Pra onde? Será que o magnífico chef encontrou um patrão que deu a ele o valor que ele merecia? Será que agora ele faz o Melhor Feijão Tropeiro do Mundo para sheiks bilionários no Qatar ou Burj Khalifa? E talvez por não conseguir substituir o artista, o dono da birosca foi forçado a fechar?
Indagando sobre o que havia acontecido, acabei indo comer num R$4,99 sem balança mesmo. Que o destino quando bate, bate forte.
***
Eu queria muito terminar o texto no ponto final acima, mas seria muita maldade terminar assim, com essa melancolia toda. É por isso que, ao invés de deixar você, caro leitor, apenas na vontade, tenho aqui uma receita de família de um feijão tropeiro delicioso.
Não é a perfeição que era o MFJdM, mas você não vai reclamar.
Minha querida mãe escreveu assim:
Como fazer feijão tropeiro
- Feijão Vermelho 250g / Cozinhe 20 minutos na panela de pressão com 2 folhas de Louro;
- Pegue um maço de couve fresquinha e reserve;
- Frite 200g de Linguiça de Lombo, pique em rodelinhas pequenas e reserve;
- Na mesma frigideira, frite 3 ovos, pique-os e reserve;
- Numa panela, refogue o alho picadinho e sal no azeite de oliva. Não deixe corar, é apenas para dar sabor;
- Acrescente a linguiça, o bacon, os ovos, a couve, o feijão (coado, sem o caldo, apenas os grãos). Mexa tudo com um garfo grande;
- Acrescente a farinha de mandioca e azeite. Continue mexendo com o garfo grande;
- Sirva em uma bonita travessa, enfeite com cebolinha & salsinha e por fim torresmo frito.
É uma delícia.
Receita de mãe é assim, no olho, com os ingredientes jogados no meio da receita. E eu acho bom que você tenha um garfo grande. Me lembra uma vez meu pai tentando me ensinar a fazer arroz.
“Você põe um tanto de água assim, depois um tanto de sal assim, deixa uns minutos, e tá pronto.”
Se quiser deixar a receita mais próxima com o Melhor Feijão Tropeiro do Mundo, eu aconselho refogar a couve na mesma frigideira que você fritou as linguiças e o bife de porco. E para deixar mais molhadinhos vai colocando colheres de óleo, aos poucos.
Se você tem aí na sua família uma receita infalível de tropeiro, compartilhe nos comentários, e claro, se fizer o feijão tropeiro seguindo essa receita aqui, poste fotos e coloque o link também.
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