“A trajetória era de desistência. Eu já levava uma vida sedentária quando, em 2011, eu quebrei o tornozelo em um revival de skate com amigos e o resultado foi de cinco meses de molho, tempo que me fez ganhar 13 quilos. Naquela altura do campeonato, beirando os 30 anos e fumante desde os 13, a desistência que eu poderia considerar como mais justa era a do condicionamento físico.

No último domingo, três anos depois, eu estava me aquecendo para a última bateria da Bravus Race, uma prova de corrida com 15 obstáculos como lama, arame farpado, fogo e rampas íngremes. São 5 K de barricadas, redes de proteção, paredes de madeira, pesos, cordas e buracos. Mas precisei muito mais de cabeça do que de músculos para completar a prova.”

Jader Pires se meteu na lama e conta sua experiência em uma corrida com obstáculos

Cinco meses separam o relato acima deste artigo. Quase meio ano depois, voltei à Bravus race pra ver qual ia ser de mais uma prova de resistência. A ideia, agora, era a de melhorar meu tempo, fazer melhor, ser mais eficiente.

Ledo engano.


Mais lama, mais problemas a serem resolvidos, mais provas que dependiam de outras pessoas. Na última edição, um dos obstáculos mais legais era o 1a Guerra, um buraco cheio de lama pra atravessar (provável que muita gente claustrofóbica tenha ficado de fora) e que não entrou nessa etapa. Pra compensar, o obstáculo Vietnã – 12 m na lama embaixo de uma teia de arame farpado – ficou muito mais complicado, molhado, escorregadio, cheio de pedregulhos. Na Bravus desse ano, ninguém sai sem ao menos alguns riscos de raspados pelo corpo e outras pequenas escoriações. Lembranças em pequenas doses.

A Bravus continua uma prova possível e muito bem pensada pra se sair sujo e de alma lavada:

“A entrega é o grande barato. Mesmo sendo uma emulação de dificuldades impossíveis, tudo lá é relativamente fácil de transpor. Claro que o esgotamento do corpo é total quando se acaba, mas é fácil embarcar no espírito coletivo de “sobrevivência” e aproveitar da catarse.”

Cabeça continua sendo o principal obstáculo, a parte mais importante de se controlar para não se machucar em ansiedades e afobamentos, saber ajudar e seguir em frente mesmo com as dificuldades de altura ou falta de atrito.

A prova que mais me quebrou dessa vez foi a nova “Serra Pelada”, um corredor feito de quatro ou cinco buracos com pequenos morros entre eles, precisando subir e cair no buraco, subir e cair em outro buraco, todos com lama sem estar encharcada, então estamos falando daquele barro que forma uma bota em volta dos pés, e que tira toda a aderência na hora de subir os tais morros. Ajuda é 100% necessária, a cabeça tem que estar no lugar e muita atenção pra não escorregar e se machucar.

Corri de novo, pulei ainda mais e dei mais berros. Chamei as pessoas, empurrei gente, fiquei coberto de barro de cima abaixo. A desistência agora é só uma lembrança perdida no meio do barro. 

Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados