Alguns textos dessa coluna e de outras partes do Papo de Homem falam da importância do uso de preservativo para evitar o HIV e outras infeções sexualmente transmissíveis, mas pouco se fala sobre o que acontece quando alguém acaba pegando o vírus.

Hoje, vamos conversar sobre como é feito o diagnóstico e o que acontece depois dele, contando com a contribuição valiosa de profissionais de diferentes formações e orientações sexuais para falarem sobre as experiências de homens vivendo com a infecção e a doença.

Para começo de conversa, um pouco de história

No final da década de 70, usuários de drogas injetáveis, hemofílicos, profissionais do sexo e homens homossexuais nos Estados Unidos, Haiti e África Central começaram a apresentar doenças raras, típicas de pessoas com o sistema imunológico muito deficiente. Esse padrão inicial fez com que a Aids fosse cruelmente chamada de Peste Gay, um castigo divino pela sodomia e outros hábitos pecaminosos.

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Sida ou, em inglês, Aids) foi identificada em 1981, nos Estados Unidos; o vírus causador da doença foi isolado em 1983, simultaneamente na França e nos EUA, mas só recebeu o nome de o Vírus da Imunodeficiência Humana em 1986. Acredita-se que ele tenha se originado em vírus que causavam imunodeficiência em macacos selvagens no centro-oeste africano, e já se identificaram casos da doença desde a década de 50. O primeiro teste capaz de identificar anticorpos contra o HIV no sangue surgiu em 1985, e a zidovudina (AZT) foi aprovada como o primeiro medicamento para tratamento do HIV em 1987.

Há dois tipos de vírus: o HIV-1, mais comum no mundo todo, e o HIV-2, mais comum na África. A transmissão do vírus se dá através de contato sexual oral, vaginal ou anal desprotegido (em ordem crescente de risco de transmissão); por contato com sangue infectado (compartilhando agulhas injetáveis ou recebendo sangue não-testado, por exemplo); e da mãe para o bebê durante a gravidez, parto ou amamentação.

Ao se infectar com o HIV, uma pessoa pode apresentar sintomas semelhantes a uma “virose”, como febre, dor de garganta, cansaço e gânglios doloridos; muitos, no entanto, não têm quaisquer sintomas, mas ainda podem infectar outras pessoas. A certa altura, o vírus ataca as células de defesa do corpo e esse processo leva à imunodepressão (Aids), quando podem surgir sintomas gerais (como febre, perda de peso e cansaço) e infecções oportunistas (como tuberculose e candidíase esofagiana).

HIV e Aids têm tratamento. Embora a doença seja incurável, há diversas opções de tratamento disponíveis, permitindo às pessoas levarem vidas saudáveis mesmo infectadas pelo vírus. Para ilustrar o quanto estudamos e avançamos no tratamento da doença, a base de dados Pubmed oferece 348 mil resultados para o termo HIV, 271 mil para o termo Aids e 253 mil para o termo tuberculosis – uma doença que tem mais de cinco mil anos.

Como eu sei que tenho HIV?

Há duas formas principais de diagnosticar o HIV: as sorologias e os testes rápidos de sangue.

As sorologias envolvem a coleta de sangue em um tubo e seu processamento por uma máquina, que leva algumas horas para analisar a amostra. Como o aparelho pode processar muitas amostras de uma vez, é mais barato reunir vários pacientes e testá-los simultaneamente – o que faz o laboratório levar alguns dias para liberar o resultado.

O sangue é inicialmente submetido a uma, duas ou três etapas de análise com testes diferentes, dependendo dos resultados que vão surgindo. Se a primeira etapa (um teste chamado Elisa) é negativo, o teste é considerado negativo. 90% dos testes são positivos em até 29 dias de infecção; portanto, se a exposição é recente ou há dúvida quanto ao diagnóstico, pode ser necessário repetir o teste em um mês.Se o resultado da primeira etapa é positivo ou indeterminado, a amostra passa por uma segunda etapa, com outro teste. Se essa etapa também é positiva ou indeterminada, a amostra é submetida a um terceiro método, como Imunoblot ou Western Blot, que vai confirmar ou afastar a infecção. Ainda assim, é necessário um resultado positivo em outra amostra de sangue antes de fechar o diagnóstico. Todo esse esforço é para evitar um diagnóstico falso-positivo de uma doença de tão grande impacto na vida de uma pessoa.

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Os testes rápidos de sangue (ou simplesmente “testes rápidos”, já que os de fluido oral ainda são pouco difundidos no Brasil) são feitos pingando uma gota de sangue e uma substância diluente em uma plaquinha; sangue e reagentes irão se misturar em um papel de filtro e darão o resultado através do surgimento de traços em uma “janelinha” na placa. O resultado sai em minutos e, novamente, é preciso confirmá-lo através de nova coleta, analisada com material de outro fabricante.

Estes testes estão disponíveis gratuitamente em Unidades Básicas de Saúde (UBSs), Centros de Testagem e Aconselhamento (CTAs) e Serviços de Assistência Especializada em DST/Aids (SAE), e devem ser acompanhados idealmente de uma conversa antes e depois do teste, qualquer que seja o resultado. Há testes rápidos de HIV-1 e HIV-2 disponíveis para compra em farmácias, criticados pela falta de aconselhamento pré e pós-teste e elogiados pela facilidade de acesso ao diagnóstico.

Eu tenho HIV. E agora?

Se o diagnóstico positivo for dado em uma unidade pública de saúde, você será encaminhado ao profissional responsável pelo seu acompanhamento. Se não, você deve procurar a UBS (Unidade Básica de Saúde) ou SAE (Sistematização da Assistência de Enfermagem) da sua região ou marcar consulta com um médico de família e comunidade ou um infectologista de sua preferência. O primeiro está apto a fazer a abordagem inicial da infecção pelo HIV, e encaminhará ao segundo assim que necessário.

Segundo Maria Carolina Falcão, médica de família e comunidade que acompanha pacientes soropositivos, homens de diferentes orientações sexuais e diferentes idades recebem o diagnóstico de formas diferentes. “Em geral, homens gays ou trans já chegam pensando na possibilidade de terem se infectado. Os mais jovens são os que chegam ‘preparados’ para a possibilidade do diagnóstico, já sabendo, inclusive, o medicamento que irão tomar, normalmente por conhecerem pessoas que vivem com o HIV. Entretanto, isso não impede de, mesmo assim, acabarem se contaminando”.

Segundo a médica, homens mais velhos, casados ou em relacionamentos longos, heterossexuais, ficam surpresos com o diagnóstico, por acharem que são invencíveis ou por falta de informação. “O fato de ser hétero e discutir o jeito como se faz sexo, como se previne, como se transmite é, em geral, mal recebido”.

 

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"— Tá. Vai ficar tudo bem.

Levantei, saí do consultório. No que eu saí do consultório, eu desmoronei. Pisei pra rua e falei: Que que tá acontecendo, eu vou morrer?"

Lucas Raniel

A partir do diagnóstico, torna-se imperativo usar preservativo nas relações sexuais, mesmo com pessoas que sabidamente tenham HIV/Aids. Alguns vírus são resistentes a certos remédios, e os vírus de uma pessoa podem acabar agravando a infecção da outra.

Na primeira consulta, além da conversa e do exame físico, serão solicitados exames de sangue para medir as células de defesa (especialmente os linfócitos CD4+) e a quantidade de vírus circulante; testes e radiografias buscando focos de tuberculose; sorologias de sífilis e hepatites B e C; entre outros.

É fundamental comunicar ao(s) parceiro(s) e parceira(s) sexuais recentes e/ou atuais sobre seu diagnóstico, para que eles busquem a testagem e tenham a oportunidade de um diagnóstico precoce.

Na verdade, essa é uma das poucas situações em que o sigilo médico pode ser quebrado: quando uma pessoa afirma manter sexo desprotegido com um(a) parceiro(a) fixo, mas se recusa a informar seu diagnóstico a ele ou ela, o médico tem o dever de informar ao/à parceiro(a) – mas isso só acontece em último caso, quando todos os esclarecimentos médicos falharam.

O médico ou a unidade de saúde podem te ajudar nessa tarefa pessoalmente, em uma conversa a três, muito útil nos relacionamentos estáveis, ou anonimamente, que cabe mais em relacionamentos eventuais: você passa os dados da pessoa com quem teve contato sexual desprotegido e ela é convocada por carta ou telefonema “por motivo de seu interesse”. Na consulta, ela é informada de que teve relação sexual com uma pessoa diagnosticada com HIV (cujo nome não é informado), aconselhada e estimulada a realizar a testagem para o vírus.

Ainda na primeira consulta após os resultados positivos, podem ser prescritas medicações para o HIV; na segunda, o tratamento do HIV e de eventuais doenças concomitantes será definido conforme o resultado dos exames. E, assim, começarão retornos regulares para exames físicos e complementares e para revisão do tratamento.

Muitas pessoas podem se beneficiar do acompanhamento de um psicólogo ou da participação em grupos de apoio. “Homens recém diagnosticados com HIV passam por alguns estágios, tais como a negação da contaminação, e tal fato pode levar à morosidade na busca de tratamento e à não-prevenção com outras parcerias sexuais”, afirma Giovanna Lucchesi, psicóloga especialista em sexualidade do Instituto Paulista de Sexualidade.

“A raiva e o sentimento de morte eminente, se não acolhidos num processo de psicoterapia, agravam-se para quadros depressivos, transtornos de ansiedade e concomitantemente ampliam a sensação de solidão e o medo e dificultam a criação uma rede de apoio, na qual possa revelar seu diagnóstico e seus enfrentamentos no convívio com HIV. Ao contrário, quando este homem encontra uma rede de apoio, existe uma movimentação em busca de qualidade de vida de forma ampla e ele se sente amparado”.

Outro profissional que pode ser implicado no cuidado de pessoas com HIV/Aids é o Terapeuta Ocupacional (TO). “No passado, muitas doenças oportunistas causavam sequelas e o TO tinha um papel importante na reabilitação do paciente, no seu ganho de autonomia e independência. Atualmente, a TO atua mais em acolhimento e aconselhamento dos pacientes, em conjunto com os profissionais habilitados para lidar com o diagnóstico e início de tratamento”, conta Aryel Murasaki, Terapeuta Ocupacional do SAE Cidade Líder II, em São Paulo.

“Além disso, o HIV em muitos casos traz uma mudança de como a pessoa se enxerga e de como ela se relaciona com seus parceiros sexuais, e os TOs podem auxiliar as pessoas a lidarem com essas novas formas de se enxergar e estar no mundo. A TO também pode ajudar na organização do tratamento desse paciente, auxiliando na organização de seu cotidiano para a tomada dos medicamentos, ida nas consultas, exames etc.”

Algumas vezes será necessário procurar seu médico ou um pronto-socorro por causa de sintomas novos, que podem ser uma reação a um medicamento, uma infecção oportunista ou uma doença que qualquer pessoa teria. Ao longo da vida, poderá ser necessário suspender, trocar ou acrescentar remédios, visando uma vida longa e com qualidade.

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Nuances

“A reação ao diagnóstico e ao conviver com o vírus vai depender de algumas outras variáveis além do gênero, tais como escolaridade, condições econômicas, rede de apoio e acesso à informação, que podem facilitar a desmitificação do HIV, bem como a procura para o tratamento mais breve e apropriado”, afirma a psicóloga Giovanna Lucchesi.

“Um dos grandes problemas que vem me incomodando e que precisamos enfrentar é como garantir o acesso dos segmentos mais acometidos com a epidemia aos métodos e estratégias de prevenção previstos no que se entende atualmente como prevenção combinada”, diz Lorruan Alves, doutorando em Saúde Coletiva na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

“Nunca antes na história tivemos tantas estratégias disponíveis para controle e prevenção à infecção pelo HIV, mas, ainda assim, quando comparamos as características daqueles que mais acessam insumos como a profilaxia pré-exposição, por exemplo, e comparamos com o perfil das pessoas mais expostas à epidemia, podemos facilmente enxergar como as pessoas que mais se beneficiariam dessa estratégia são também aquelas que menos utilizam. Quem frequenta com certa periodicidade serviços de saúde como CTAs (Centros de Testagem e Acolhimento) e SAEs podem, num simples exercício de observação atenta, perceber que a população trans, negra e periférica (e vários outros segmentos historicamente invisibilizados) não ocupa esses lugares e pouco conhecem essas estratégias mencionadas há pouco”.

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Para o pesquisador, o intercruzamento de estigmas e outras discriminações atuam se retroalimentando e se potencializando de tal maneira que torna ainda mais complexa a forma de observar experiências de indivíduos e situações concretas.

Homens homossexuais, por exemplo, são atravessados pelo estigma relacionado à ideia da promiscuidade inerente a esses indivíduos e a tudo relacionado ao desvio moral e sexual. Quando se adiciona na equação outras características como ser negro e pobre, a situação tente a piorar ainda mais.

Essas nuances são facilmente percebidas quando vemos alguns dados oficiais de infecção pelo HIV no Brasil.

Segundo o Boletim Epidemiológico de 2018, entre 2014 e  2017, 43,3% dos casos foram entre pessoas autodeclaradas brancas e 56,1% entre negros (pretos e pardos); homens negros foram maioria entre os casos notificados em comparação aos homens brancos (53,6% vs. 45,3%, respectivamente); e, dentre as mulheres infectadas no período, 60,6% eram negras e 38,3%, brancas. “Essas diferentes proporções, a meu ver, são marcas de uma sociedade que exclui e invisibiliza”, avalia Lorruan.

A adesão a práticas preventivas também é profundamente marcada por gênero, orientação sexual, faixa etária e acesso à informação. “Aos homens, é ensinado que o sexo não pode ser negado e que quanto maior a frequência, mais responsivo ao que é esperado dos códigos de ‘masculinidade’, mantidos por força do meio social, independente da orientação sexual”, afirma a psicóloga Giovanna Lucchesi. “Pela doença ser estereotipada e a ideia de que a contaminação se dá apenas por homens que fazem sexo com outros homens, homens com orientação estritamente heterossexual se percebem menos vulneráveis; eles preferem e, em muitas vezes, exigem a prática sexual sem uso de preservativo”.

Outros grupos que resistem ao uso de preservativo são adolescentes e idosos. No primeiro caso, isso tem a ver com seu processo de construção da identidade, que pode envolver a busca por “experimentar situações que são consideradas transgressoras, como o consumo de substâncias ilícitas, a busca por comportamentos mais radicais e experimentação do mundo em geral. Há, nesta fase, pouca compreensão das consequências dos comportamentos e a sensação de que nada de ruim ou inadequado vai acontecer com eles, facilitando comportamentos de risco de forma global”.

Adolescentes geralmente não têm acesso a um processo de educação sexual no qual possam conversar sobre pressões sociais e emoções ligadas à atividade sexual, além de não terem visto o auge do HIV na década de 80, quando as pessoas desenvolviam Aids e morriam por falta de informação, diagnóstico e tratamento. “Assim, a percepção dessa população é que o vírus é controlável e que não acarreta grandes prejuízos físicos e psicossociais”.

Quanto aos idosos, “a justificativa está ligada à percepção de não prazer com o uso do preservativo, principalmente aos homens idosos que sofreram com dificuldade ou falta de ereção associados e justificados de forma inadequada pelo uso do preservativo. Assim, como possibilidade de agente estressor, eliminam a prática de sexo com proteção”, afirma Giovanna.

Apesar da associação histórica do HIV a grupos socialmente estigmatizados (gays, travestis, transexuais, profissionais do sexo etc.), o perfil da infecção mudou, incluindo muitos heterossexuais, mulheres e idosos.

No entanto, os profissionais entrevistados são unânimes quanto à sensação de invulnerabilidade e à resistência ao uso do preservativo entre homens heterossexuais. “Minha pesquisa de mestrado realizada com homens com práticas heterossexuais me revelou que esse grupo ainda se percebe como um grupo de alguma forma protegido da infecção e, além disso, pude perceber o quanto esse grupo (com todo cuidado com as generalizações) ainda carrega estereótipos dos primeiros anos da epidemia. Considerar que eles estão protegidos da infecção só porque mantém relações exclusivamente com mulheres cis só os expõem ainda mais às infecções, não só ao HIV, mas também a todas as outras Infecções Sexualmente Transmissíveis”, afirma o pesquisador Lorruan Alves.

“Homens héteros parecem se enxergar com muito menos risco de contrair o HIV, a preocupação maior é em contrair uma infecção sexualmente transmissível que afete seu desempenho sexual”, avalia Aryel Murasaki. “Já muitos homossexuais têm medo de contrair a doença, inclusive realizando testes de HIV repetidamente, sem necessidade” – por exemplo, sem terem tido contato de risco desde o último exame negativo.

P de prevenção

Há poucos dias, revisando a prevenção do HIV com algumas alunas de Medicina, me senti obrigado a começar dizendo que algumas pessoas defendem a monogamia como estratégia de enfrentamento da infecção: se nenhum dos parceiros ou parceiras têm relações extraconjugais, a infecção não atinge o casal. As estudantes riram, e concordamos que um pacto de usar preservativo em eventuais relações extraconjugais seria mais realista – mas poucos casais bancam conversar sobre ser traído.

Além do preservativo, duas estratégias de prevenção da infecção por HIV estão disponíveis: as profilaxias pós-exposição (PEP) e pré-exposição (PrEP). “Desde 1999 a PEP já estava disponível como método de prevenção ao HIV no âmbito do Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS) para os casos de exposição ocupacional e por decorrência de casos de violência sexual. Somente uma década depois, em 2010, a profilaxia passou a ser prescrita para situações onde a exposição se deu por via sexual consentida”, conta o pesquisador Lorruan Alves.

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A PEP consiste em iniciar o uso de antirretrovirais em até 72 horas depois de algum contato de risco, como relação sexual desprotegida ou acidente com material biológico. “Em situações de contato com suor, lágrimas, fezes, urina, vômito, secreções nasais e saliva (desde que não tenham a presença de sangue) ou quando o/a parceiro/a é sabidamente soronegativo/a para o HIV, não há indicação de PEP”. A falha da profilaxia é baixa e está ligada a má adesão, atraso no início ou incompletude do tratamento, ou novas e repetidas exposições durante o uso da medicação. Efeitos adversos comumente relatados são dores de cabeça, náuseas, vômitos e diarreia. Outras informações e os locais que atualmente oferecem a PEP podem ser consultados através do site do Ministério da Saúde.

A PrEP tradicional está disponível no SUS desde 2016, e consiste em tomar um comprimido diariamente por tempo indeterminado – ou seja, salvo no caso de efeitos colaterais graves, a pessoa pode usar a PrEP pelo tempo que ela desejar ou enquanto ela avaliar que as suas práticas sexuais oferecem risco de infecção pelo HIV.

Outras modalidades de uso de PrEP estão sendo estudadas no contexto brasileiro. “A PrEp sob demanda é uma delas e consiste no uso dos comprimidos durante três dias, iniciando sempre entre duas e 24 horas antes de uma relação sexual, porém só está disponível através da participação em estudos como o Combina!, e há outras pesquisas investigando a eficácia de outras formas de PrEP, como a injetável”, conta Lorruan Alves. Os locais que atualmente oferecem PrEP também podem ser consultados através do site do Ministério da Saúde.

Reconstruir comportamentos e significados

“O que me chama mais atenção atualmente nas experiências dos homens é que ainda há muito preconceito e falta de informação”, comenta o terapeuta ocupacional Aryel Murasaki. “O número de HIV aumentou muito na população jovem e vemos isso na prática. Muitos homens jovens descobrindo o HIV, que ainda trazem preconceitos e estigmas antigos relacionados à infecção. Ainda ouço muitas perguntas como ‘vou morrer?’, ‘posso ter filhos?’, se é possível beber álcool usando os remédios. Se eles podem ter uma vida normal”.

Na sua experiência, “homens heterossexuais geralmente lidam com o diagnóstico de uma forma mais tranquila e tentam buscar de qual mulher eles foram infectados. Homens homossexuais trazem muito estigma quando recebem o diagnóstico. Uma fala que ainda ouço muito é ‘além de ser gay, estou com HIV’. O diagnóstico parece ter um peso maior. Há uma grande preocupação de que outras pessoas descubram, principalmente na família”.

“Os ideais relacionados à masculinidade hegemônica, principalmente a percepção de invulnerabilidade, força e vitalidade, por exemplo, agem impedindo que esses indivíduos busquem ajuda profissional quando acidentes acontecem (estourar a camisinha, por exemplo). Por isso que defendo que as ações e estratégias voltadas à prevenção ao HIV que almejam serem de fato efetivas não podem se pautar em disponibilizar somente insumos como a camisinha, PEP e PrEP, mas também precisam agir na (re)construção de novos tipos de masculinidades, afirma o pesquisador Lorruan Alves

A médica de família e comunidade Maria Carolina Falcão percebe aspectos negativos e positivos nas experiências masculinas de viver com HIV e adoecer por Aids. “Negativamente, me chama atenção a culpa que é carregada, ainda. Especialmente de ter que abrir para familiares ou para novos potenciais parceiros. Positivamente, tenho percebido que muitos utilizam o diagnóstico como chance de viver melhor, de maneira mais saudável e mais sinceros consigo mesmos, com seus parceiros ou suas parceiras”.

E é isso que desejo aos leitores que tiveram essa difícil notícia: uma vida melhor, mais saudável e mais sincera.

Sei que não é exatamente um assunto fácil como falamos aqui em cima, mas convido os leitores e leitoras a dividirem suas experiências envolvendo o HIV/Aids aqui nos comentários. Vamos conversar?

Antônio Modesto

Médico de Família e Comunidade e doutor em Medicina Preventiva pela USP. Professor na Faculdade de Medicina da Unicid. Carioca de sotaque e paulistano de coração, toca cinco instrumentos mas nenhum bem. Tem estudado gênero, saúde dos homens e medicalização da vida.