Minhas amigas de 30 e 40 anos têm me contado que os caras da sua idade brocham. No primeiro encontro ou durante uma fase de um relacionamento, o pênis ereto, cetro do reinado masculino, falhava.

Talvez por isso meus amigos de trinta e poucos falem pouquíssimo sobre a vida sexual com suas parceiras, diferente de quando tínhamos vinte e poucos e falávamos de quem ficou com quem, como foi a noite, como eram os avanços com as novas namoradas e como eram as recaídas com as ex.

Enquanto isso, as vendas de remédios para ereção alcançam cifras enormes. De acordo com dados reunidos pelo portal Statista, a receita advinda da venda de Viagra® (sildenafila, da Pfizer) no mundo todo entre 2003 e 2017 totalizou 26,45 bilhões de dólares – uma média anual maior que o PIB de alguns países africanos e caribenhos. Os concorrentes Levitra® (vardenafila, da Bayer, com ação mais prolongada, por isso apelidado “pílula do fim de semana”) e Cialis® (tadalafila, da Eli Lilly, de início de ação mais rápido) ficam atrás, mas não muito.

Inicialmente testado para hipertensão arterial e angina (por seu efeito dilatador arterial), o Viagra® logo demonstrou seus efeitos sobre a circulação peniana e a ereção, sendo aprovado em 1998 como o primeiro tratamento medicamentoso para disfunção erétil pela Food and Drug Administration (FDA), a agência que regula alimentos e medicamentos nos Estados Unidos. Poucas semanas após o lançamento, mais de um milhão de homens estadunidenses tinha recebido uma prescrição da droga.

"Eu sei de tudo isso, o que eu quero mesmo é aumentar minha ereção"

Muitos homens chegam ao Papo de Homem por perguntas como essa em sites de pesquisa e a primeira coisa que me pergunto ao ouvir algo assim é “por quê?”.

Por que alguém acha que tem problemas com a ereção, e por que esse problema é tão desesperador e difícil de se conversar a respeito?

Primeiro, há uma grande identificação do masculino com uma sexualidade ativa, impulsiva e exacerbada, cuja demonstração física é a capacidade de ter ereção e realizar penetração – em outras palavras, “homem de verdade” deve estar sempre pronto para transar e, mais especificamente, penetrar.

“Mas eu não sou assim”, você pensa. “Faço preliminares, espero minha namorada gozar e não fico desesperado quando brocho”. Sim, você e muitos homens. Mas há uma masculinidade hegemônica, um jeito de ser homem que inclui ser forte, exitoso, capaz, confiável e ostentando controle. Esse modelo depende da validação por outros homens e está ligado à homofobia e heteronormatividade.

Ou seja, uma enormidade de homens se sente menos homem quando broxa.

Aliás, preocupados com sua performance, homens têm tomado Viagra antes do primeiro encontro, por precaução.

Tristes tempos em que o sexo e o gozo deixam de ser práticas naturais e ancestrais e se tornam apenas mais uma forma de ostentação.

“Eu preciso de ajuda?”

Minha pesquisa de doutorado com homens frequentadores de postos de saúde e os médicos e médicas que os atendiam confirmou os achados de outras pesquisas estrangeiras: os homens conversam muito pouco sobre esse problema com seus médicos.

Os motivos incluem vergonha, achar que a disfunção erétil é parte natural do envelhecimento e não saber que o profissional poderia lidar com a questão. Muitos homens gostariam que seus médicos lhes perguntassem ativamente sobre a vida sexual e a capacidade de ter ereção, mas, infelizmente, muitos médicos de família, clínicos gerais, psiquiatras e mesmo urologistas estão despreparados para lidar com esse problema, seja por falta de formação no tema ou por também terem dificuldade de conversar sobre a sexualidade.

Estudos indicam que 45 a 50% dos homens brasileiros com mais de 18 anos têm esse problema – um dado estarrecedor, mas que precisa ser melhor . A esmagadora maioria desses homens tem disfunção erétil apenas ocasionalmente ou pouco frequentemente; apenas uma pequena parcela nunca é capaz de obter e manter uma ereção satisfatória até a conclusão da atividade sexual. Porém, divulgando dados como esse a pacientes e médicos, todos passam a se preocupar mais com essa “doença” e acabam virando e gerando clientes de farmácia com mais facilidade.

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Em uma primeira consulta, um médico deveria entender o problema em suas diversas dimensões: há quanto tempo e com que frequência acontece; se o homem perde a ereção ou nem sequer consegue uma; quando e com quem acontece (com parceiro/a fixo, com parceiro/a eventual, com parceiro/a extraconjugal, com profissional do sexo, na masturbação); se são tentadas outras práticas sexuais (como sexo oral ou masturbação a dois); qual o impacto do transtorno na vida da pessoa; e se ela, antes de mais nada, tem desejo sexual.

Também é importante diferenciar disfunção erétil e ejaculação precoce, problemas diferentes que os homens podem chamar por nomes parecidos como “fraqueza na cama” e que às vezes estão de fato associados.

Um outro aspecto é identificar causas orgânicas para a impotência sexual. Alguns remédios para hipertensão arterial podem afetar a ereção, bem como alguns antidepressivos, que podem também diminuir o desejo sexual. O uso de álcool, cigarro, maconha e cocaína afeta a libido, a concentração necessária para a relação sexual, a capacidade de conseguir e manter uma ereção e o tempo de ejaculação.

Transtornos cardiovasculares como hipertensão arterial, diabete, doença cardíaca e entupimento de artérias são causas possíveis, detectáveis no consultório ou com exames complementares. Acordar com o pênis ereto, por sua vez, afasta a possibilidade de um problema orgânico. Além disso, transtornos de saúde mental como depressão e ansiedade podem afetar tanto a libido quanto a ereção.

Ao fim dessa avaliação, o médico deve decidir com seu paciente a melhor intervenção. Alguns precisarão de tratamentos para doenças específicas, como o diabete; outros se beneficiarão das medicações para ereção, nem que seja brevemente, para recuperar a autoconfiança; e a alguns será sugerido o acompanhamento com um psicólogo, que ajudará a pensar sobre afetos, relações e histórias pessoais relacionadas ao problema.

Uma grande parte dos homens, no entanto, precisará apenas ser aconselhada de que broxar de vez em quando é normal: pode ter sido um dia cansativo, um pouco a mais de vinho, nervosismo ou simplesmente falta de vontade. Por incrível que pareça, os homens podem não querer transar.

Finalmente, uns poucos considerarão tratamentos mais intensos, como injeções ou próteses penianas.

No entanto, a pessoa mais importante com quem conversar é, sem dúvida, a parceira ou o parceiro, seja fixo, seja ocasional.

Os homens se surpreenderão ao descobrir que a cobrança parte mais de si mesmos do que do outro, e que na maioria das vezes encontrará muita compreensão e a disposição para fazer outras coisas divertidas na cama.

Voltando às minhas amigas, pergunto se elas dão aos homens que brocharam no primeiro encontro uma segunda chance. “Daríamos”, elas dizem. “Mas eles somem”.

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Nota do editor: O Antônio veio pelo nosso chamado, quando estávamos procurando por um autor devidamente qualificado que pudesse tratar do tema da saúde do homem. Este artigo é um teste, uma primeira tentativa de atender a essa demanda, uma vez que uma das buscas das quais mais recebemos acessos é sobre impotência. Queremos ouvir o que vocês acharam e como podemos prosseguir com a coluna. Dúvidas que gostariam de ver sanadas, não só sobre impotência, mas sobre saúde do homem em geral, também são muito bem vindas. 

Antônio Modesto

Médico de Família e Comunidade e doutor em Medicina Preventiva pela USP. Professor na Faculdade de Medicina da Unicid. Carioca de sotaque e paulistano de coração, toca cinco instrumentos mas nenhum bem. Tem estudado gênero, saúde dos homens e medicalização da vida.