Você nasceu numa Inglaterra injusta, cheia de preconceito e falta de oportunidade, numa família desfeita com um pai sumido, inexistente e uma mãe que tem que se desdobrar pra cuidar de você e mais dois fedelhos, além de se preocupar com o trabalho, com o restante da família, com ela mesma. As coisas não são fáceis na cidadezinha do interior e a perspectiva, na verdade, não muda ao se mudarem para outra cidade, essa formada por trabalhadores portuários. As coisas nunca foram fáceis.

Esse cara ainda daria muitos, mas muitos problemas para o sistema prisional da Inglaterra

Só que nem todos esses percalços juntos não serviram de desculpa para esse homem que costumava se chamar Michael Gordon Peterson. Ele já nasceu com todos os talentos para se tornar o que se tornou: “o pior prisioneiro da Grã-Bretanha”.

O pequeno Peterson

Michael Gordon Peterson nasceu para ser violento. Aos quatro anos, sua família se mudou de LutonBedfordshire (há aproximadamente 50km de Londres) para a cidade de Ellesmere PortCheshire, um território industrial e portuário. Lá, aos 13 anos, já havia se tornado um pequeno criminoso, fazendo parte de um grupo de jovens ladrõezinhos. De temperamento difícil, sempre arranjava encrencas e se metia em brigas, além de cabular as aulas da escola. Basicamente, o pequeno Peterson vivia para as coisas erradas.

Já mais velho, voltou para Luton e começou a trabalhar na Tesco, um supermercado varejista bastante conhecido na Inglaterra. O trabalho durou duas exatas semanas, quando Michael foi demitido por atacar seu gerente. Pulando de emprego em emprego, seu primeiro contato com a lei aconteceu após uma discussão com o pai de uma namorada, o que enfureceu o jovem Peterson e esse acabou quebrando, na mão, diversos carros que estavam em um estacionamento. Por essa conduta, o inglês foi julgado culpado, mas com a sentença de pagar uma multa e viver sob liberdade condicional.

Aos 19 anos, já casado e pai de um filho, Peterson ganhou uma nova chance após ser pego num ato de smash and grab, uma forma de roubo em que se quebra algo e leva o bem, tudo muito rápido (por exemplo, estilhaçar uma vidraça de loja e levar os produtos exibidos na vitrine). Essa condenação foi suspensa pelo juiz e Michael ainda teve mais uns anos de liberdade.

A vida de prisioneiro problema

Começava, aos 22 anos, a epopéia que transformaria o marginal Michael Gordon Peterson no lendário Charles Bronson. Em 1974, ele foi condenado por um assalto a mão armada, momento em que roubou £ 26,18 de um posto dos correios. Com alguns meses encarcerado, Peterson foi transferido para a solitária após atacar dois outros prisioneiros sem nenhum motivo. No ano seguinte, em 75, ele foi transferido para outra penitenciária.

Talvez ele gostasse da própria violência em si

Lá, Peterson se recusou a trabalhar e, depois de uma briga com um funcionário da prisão, quebrou toda a oficina do lugar e novamente foi transferido para a solitária. Com isso, a sentença do garoto foi aumentada em seis meses. Ao sair, ganhou mais nove meses ao quebrar um jarro de vidro no rosto de seu companheiro de cela. mais uma vez, transferiram Michael Gordon Peterson para outra penitenciária, ou melhor, Charles Bronson, alcunha dada por ele mesmo, por gostar do ator de filmes violentos.

Agora intitulado Bronson e já com uma bela (para os fins propostos) reputação, o interno começou a rodar em diversas cadeias, provocando confusão por onde passava. Sua rotina passava por longos confinamentos em solitárias, treinamento de fitness e brigas. Bronson levou uma surra que demorou meses para se recuperar, perfurou dois agentes penitenciários ao sair do castigo, tentou envenenar o prisioneiro da cela ao lado da sua, ameaçou o segurança de outra prisão, foi novamente transferido, novamente enfurnado numa solitária, foi pego tentando cavar um buraco dentro de sua cela, atacou outro interno com um pote de geleia, tentou suicídio e atacou outro funcionário da prisão, levando seu caso como Lei de Saúde Mental.

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Transferido para hospitais psiquiátricos, Bronson se recusava a tomar as medicações e logo tratou de se sentir “em casa”, tentando estrangular um condenado por pedofilia. Em outro hospital, tentou assassinar um funcionário, mas a gravata que usava para estrangulá-lo rasgou, frustrando o já conhecido Charles Bronson. Era hora de voltar às cadeias.

O Lendário Charles Bronson

De volta ao presídio de Broadmoor, Bronson efetuou dois protestos de um homem só no telhado da cadeia, causando um prejuízo de aproximadamente £ 250.000. Após um tratamento, todos pensavam ter amansado a fera. Bronson passou um curto período se dedicando a arte, pintando e ganhando diversos prêmios dentro da cadeia (mais do que qualquer outro preso) com poemas, prosas e desenhos. Mas Bronson queria ser transferido e, após outro protesto no telhado, fez uma greve de fome de 18 dias e acabou voltando para um hospital psiquiátrico, período curto em que atacou e esfaqueou um outro interno que tentou ter relações homossexuais com o fortão Bronson.

De volta a cadeia, Charles Bronson esmurrou um colega de cela e voltou para a solitária. Bronson só sentiu o gosto da liberdade em 1987, quando sua sentença (que começou com sete anos e se transformou em 13) chegou ao fim.

Socar, espancar, fazer sangrar, derrubar…

Solto nesse mundão de meu deus, Bronson se tornou lutador de boxe ilegal, competindo sem luvas. Em 1987, mudou seu nome efetivamente para Micky Peterson Charles Bronson. Reza a lenda que, nesse período, ele assassinou um gigante rottweiler com as próprias mãos em troca de £10,000.

Em janeiro de 1988, após exatos 69 dias de liberdade, Bronson foi detido em sua corrida matinal, após ter assaltado uma joalheria para presentear uma namorada. Após um longo julgamento, Bronson (que declarou nunca ter assistido, efetivamente, um filme do Charles original) foi condenado novamente a sete anos de detenção.

Micky Peterson

Após largar o apelido de Charles Bronson e se chamar apenas Micky Peterson, a vida se seguiu com novos espancamentos, perfurações, motins, tempos exorbitantes na solitária e mais dois episódios bem inusitados: num deles, ele jogou um copo d’àgua no governador, que fazia uma visita ao presídio. Na outra história fantástica, Micky fez um motim de um homem só, espancando vários funcionários e seguranças com uma garrafa quebrada, um cabo de vassoura e o corpo totalmente nu, escorregadio de sabão.

Micky foi libertado da prisão em novembro de 1992, ficou livre por 53 dias e foi novamente condenado por conspiração a roubo. Saiu da cadeia em fevereiro de 1993, após pagar uma multa por quebrar o nariz de uma namorada e, 16 dias depois, foi novamente preso por uma nova conspiração de roubo e posse de uma espingarda sem permissão. Com a prisão decretada, o já experiente Micky Peterson fez um refém e exigiu uma boneca inflável , um helicóptero e uma xícara de chá aos negociadores da polícia. Foi condenado, meses depois, a oito anos de cadeia.

Foram, claro, anos de brigas, solitária, desenhos, reféns, espancamentos, transferências e tudo o que poderia obter na boa e velha rotina como o pior prisioneiro da Grã-Bretanha. Em 2008 e 2009, os advogados dele entraram com pedidos de soltura sob condicional, ambas negadas pelo sistema, que alegou falta de provas de que, hoje, Micky Peterson seja uma pessoa reformada.

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Em março de 2009, estreava nos cinemas do mundo todo o filme Bronson, que conta – de maneira bela e teatral – a vida do eterno prisioneiro encrenqueiro, protagonizado pelo ator Tom Hardy, atuação que lhe rendeu o convite para ser o vilão Bane no último filme do Batman.

Micky Peterson ainda aguarda sua próxima soltura.

Esse é o verdadeiro Micky Peterson

Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados