"É só amanhã! Mas é só amanhã, mesmo!"
Todos os dias, milhares (talvez milhões) de brasileiros encaram a mesma rotina. Chegar em casa, ligar a TV, sentar para jantar com a família enquanto assiste ao Jornal Nacional e ser interrompido por uma propaganda de uma grande loja varejista que anuncia uma oferta imperdível que só vai durar um dia: o de amanhã.
Todos os dias você vê aquilo, às vezes você até se interessa pelo produto, outras vezes nem tanto, mas uma hora você para e pensa: os caras anunciam todos os dias uma oferta que só vai durar amanhã ou "enquanto durarem os nossos estoques", o que vier primeiro, será que isso funciona?
Talvez não inspirados por uma propaganda dessas, mas encucados com o efeito que anúncios como este provocam nos consumidores, psicólogos resolveram investigar o tópico e descobriram um viés cognitivo que chamamos de "Aversão à perda" ou "Efeito do Dote".
É tudo uma questão de ponto de vista
Os estudos desse viés começaram em 1979 e foram sendo desenvolvidos e aprofundados até 1992. Os psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky foram os precursores e elaboraram os primeiros experimentos que visavam analisar o comportamento das pessoas em relação a tomadas de decisão que envolviam ganhos e perdas com risco.
Eles colocaram participantes do estudo em uma série de circunstâncias hipotéticas que visavam simular situações como: você prefere ter 5% de chance de ganhar uma viagem de três semanas para a Inglaterra ou ter 10% de chance de ganhar uma viagem de uma semana para o mesmo lugar?
Replicando essa série de experimentos com grupos que respeitavam a distribuição populacional, os especialistas logo chegaram a uma conclusão: ainda que o resultado final seja o mesmo, as pessoas têm duas vezes mais chance, em média, de optar por não perder algo do que por ganhar algo.
Ficou confuso? Eu explico.
Num dos estudos, dois grupos de participantes receberam $ 50 sob a condição de fazer uma escolha. As opções do primeiro grupo eram:
- Ficar com $ 30; ou
- Apostar no cara ou coroa (50% de chances) os $ 50.
Ao segundo grupo foram apresentadas outras duas alternativas:
- Perder $ 20, ou
- Apostar no cara ou coroa (50% de chances) os $ 50.
Repare que as hipóteses são exatamente as mesmas (ficar com $ 30 ou perder $ 20), mas o simples fato do teste estar descrito como perder ou ganhar fez com que os resultados fossem diferentes.
Dentre os participantes do primeiro grupo, apenas 43% resolveram arriscar jogar. Já entre os participantes do segundo grupo, o percentual dos apostadores foi de 61%.
Aplicando isso a exemplos rotineiros, os psicólogos perceberam que a maneira como as hipóteses nos são apresentadas conta muito para a nossa tomada de decisão.
Existe um exemplo clássico que diz respeito a escolha de um medicamento por parte de um paciente. Se o médico diz a ele que o remédio A curou os pacientes em 90% das vezes, o indivíduo, na média, ficará mais favorável a fazer essa escolha do que se o médico disser que o mesmo remédio A falhou em 10% dos casos, ainda que o risco seja o mesmo. É, como se diz, uma questão de ponto de vista.
Mais vale um pássaro na mão, do que dois voando
Com o passar do tempo, os mesmos testes foram sendo modificados, atualizados e replicados inúmeras vezes até que os psicólogos conseguiram notar um padrão como desdobramento do mesmo viés.
Analisando as respostas dos indivíduos nas mais diferentes situações, eles perceberam que existe uma proporção de 2:1 entre o efeito psicológico da perda e do ganho. Ou seja, em média, é necessário um ganho duas vezes maior para ter um impacto positivo proporcional ao impacto negativo de uma perda. Na prática: para cada $ 50 perdido, você precisa ganhar $ 100 para ter o mesmo impacto psicológico.
Sabe aquela história do "mais vale um pássaro na mão do que dois voando"? É exatamente isso.
A descoberta que ajudou Kahneman a ganhar o Prêmio Nobel de Economia em 2002, ajudou agentes do mercado financeiro do mundo inteiro a mudarem a maneira como eles faziam suas apostas/investimentos.
Percebeu-se que se a satisfação relacionada ao ganho (retângulo azul acima) é muito menor do que ao desconforto da perda (retângulo rosa) e, assim, os investidores tendiam a encerrar seus investimentos bem sucedidos antes daqueles que iam mal. Tudo porque lidar com a sensação do ganho era muito mais fácil do que assimilar o desconforto pela perda, ainda que, em valores, eles fossem proporcionalmente iguais.
Agora imagine isso multiplicado muitas vezes todos os dias em vários negócios milionários. O impacto é gigante. Mas não só para o apostadores de risco.
Qualquer mudança em nossas vidas, gera a mesma situação. Das micro-decisões que tomamos no dia a dia como: levantar da cama agora ou esperar mais cinco minutos; até as macro-decisões como: devo mudar de emprego ou não; este viés está presente. Mesmo que o risco de perder seja o mesmo que a chance de ganhar, a forma como a questão se apresenta vai contar e muito na nossa decisão final.
A mão que afaga é a mesma que apedreja
Cientes de tudo isso, os comerciantes começaram a aplicar esse conhecimento em seus anúncios. Eles repararam que o sentimento de medo de perder uma oportunidade era mais efetivo do que a possibilidade de ganhar fazendo um bom negócio. Sendo assim, os anúncios mudaram de:
- "Se você for até a minha loja, vai ganhar um bom desconto";
Para:
- "Se você não for até a minha loja, vai perder um bom desconto".
De maneira geral, se conseguíssemos isolar todas as demais variáveis que implicam no resultado dos dois anúncios, provavelmente chegaríamos à conclusão de que o segundo gera resultados duas vezes melhor do que o primeiro.
E os caras que fazem a campanha das Casas Bahia todo santo dia, sabem disso.
Mas agora você também sabe.
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A Tecla SAP é uma série de autoria de Breno França publicada quinzenalmente às quintas-feiras.
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