Certa vez comecei um texto desta mesma coluna perguntando aos leitores se eles já tinham lido a Bíblia. Confesso que foi preciso pedir para que ninguém desistisse do texto e justificar que não havia nenhuma intenção doutrinadora, mas deu certo.
E como Hollywood tem nos mostrado ultimamente que repetir um sucesso de público e crítica é uma aposta que vale a pena, aqui vamos nós novamente testando uma estratégia parecida. O artigo de hoje começa com essa pergunta:
Você acredita em Deus?
Independente da sua resposta, tenho certeza que você tem bons motivos para ter essa sua opinião e isso é a maior prova de que o texto de hoje não vai te fazer começar ou deixar de acreditar em Deus. Se nem fatos são capazes de mudar opiniões, não são teorias como a de hoje que serão capazes disso.
Acontece, porém, que o conceito que vamos destrinchar neste artigo serve para um propósito comum a esta coluna: desmistificar coisas que nós acreditamos cegamente. Neste caso: derrubar o mito de que não existem razões lógicas para acreditar em Deus.
Fé no Pai
Blaise Pascal era um filósofo, teólogo, inventor, físico e matemático francês, nascido em 1623 que perdeu sua mãe aos três anos de idade e acabou sendo educado exclusivamente por seu pai, um professor de matemática chamado Étienne Pascal. Tal acontecimento acabou influenciando naturalmente o pequeno Pascal a logo se enveredar pelas mesmas áreas do conhecimento de seu pai resultando numa dedicação de boa parte de sua vida a conceitos matemáticos e físicos.
Foi só quando Pascal pai morreu em 1651 que Pascal filho passou a ter uma relação mais próxima com a religião e a partir de então começar a formular teorias filosóficas-teológicas. Acontece, porém, que a veia lógica/racional de Pascal já estava muito forte a essa altura de sua vida fazendo com que o mesmo relutasse em aceitar a existência de Deus por falta de provas materiais e razões lógicas que o convencessem.
Foi então que Pascalzinho, num desses momentos de Eureka, acabou formulando o que ficou conhecido como a Aposta de Pascal: o conceito sobre o qual vamos nos debruçar hoje.
De maneira bem resumida, ele avaliou quais os ganhos e as perdas que seriam oriundas da crença/descrença no Deus católico. Num raciocínio bastante parecido com o que ele usou para formular os princípios do que viria a se tornar a teoria dos jogos, ele explicou por texto na seção 233 do seu livro póstumo Pensées (Pensamentos), o que pode ser resumido numa tabela:
Deus existe | Deus não existe | |
---|---|---|
Acreditar | Ganho infinito | Perda finita |
Não acreditar | Perda infinita | Ganho finito |
Segundo consta, portanto, acreditar em Deus poderia levar a apenas dois resultados: ganho infinito, a vida eterna após a morte, céu, tudo aquilo que sabemos; ou uma perda finita, o esforço que a religião exige durante sua vida. Da mesma forma, não acreditar em Deus também levaria a apenas dois resultados possíveis: perda infinita, punição, inferno, aquela história toda; ou um ganho finito, os prazeres que você pode ter na vida antes da morte quando não precisa abdicar de nada.
Dessa forma, Pascal justificou que, independente da existência ou não de Deus, os seres racionais deveriam crer na sua existência pois ela é a que oferece, literalmente, o melhor custo-benefício, explicando, assim, por razões lógicas o princípio da fé. Mas é claro que isso levantou muita polêmica (e continua levantando!).
Agora vai
Tentando agradar gregos e troianos (ou deveria dizer hereges e romanos?), o que Pascal conseguiu fazer foi, na verdade, conquistar a antipatia dos dois lados.
Os crentes ficavam irritados com a tentativa de Pascal de racionalizar a fé e principalmente com sua crença de que "agir como se acreditasse em Deus" pudesse acabar por "curar os homens da descrença".
Em algumas linhas do mesmo livro, Pascal defende que ao assistir missas, ler a Bíblia e adotar outros hábitos religiosos, os homens acabariam crendo em Deus e descobrindo sua própria fé. Ele nos sugere, inclusive, que ele mesmo passou por esse processo.
A Igreja Católica, é claro, não gostou nada dessa ideia de agir como se acreditasse, ela acreditava era que já tinha dado motivos suficientes para que todos os homens acreditassem em Deus. Pascal, porém, tinha outros planos e queria tornar a instituição mais afável para que outros 'bons homens' se interessassem a ajudá-lo nessa missão autoimposta de provar através da razão que Deus existe.
Os homens desprezam a religião; eles a odeiam, e temem que ela seja verdade. Para remediar isto, nós devemos começar por mostrar que a religião não é contrária a razão; que é venerável, para inspirar respeito a ela; então devemos torná-la amável, para fazer com que bons homens esperem que seja verdade e, finalmente, possamos provar que é verdade.
Enquanto isso, os descrentes caçoavam da tentativa inocente de Pascal de apoiar a igreja católica. Muitos se dedicaram a refutar seus argumentos lógicos. Eles apresentaram supostas falhas lógicas no raciocínio de Pascal como:
- Argumento do Apelo ao Medo: uma falácia famosa na qual a pessoa tenta provar a validade de um argumento utilizando o medo; na grande maioria das vezes, utilizando ameaças como em: "Vote no meu candidato, pois o candidato adversário vai trazer a ditadura de volta", "Respeito sua opinião, mas você vai sofrer na vida pensando desta forma" e até mesmo "É melhor você ter o nosso plano de seguros. Vai que acontece algum acidente com você…". Isto, porém, não acontece no caso de Pascal porque não se configura nenhum tipo de ameaça.
- Argumento do Custo: este raciocínio relativiza o tamanho da perda finita que Pascal sugere como ônus da crença num Deus que pode não existir. Segundo este argumento, o custo dos hábitos que a fé impõem não são tão insignificantes assim. Este argumento, porém, é refutado pelo próprio postulado da Aposta de Pascal que é assumir que no caso da existência do Deus católico e os ganhos infinitos na 'vida eterna' seriam incomparáveis com qualquer ganho possível dentro da finitude da vida terrena.
- Argumento da Crença Desonesta: já este argumento defende que um Deus onisciente não poderia ser enganado por aqueles que apenas "agem como se acreditassem" por ser um hipótese racional de melhor custo-benefício. Pascal, porém, através de sua própria crença de que o hábito revela a fé, incluiu no seu postulado que esse recurso seria apenas o caminho para que homens racionais pudessem descobrir a fé que já lhes são intrínsecas. Da mesma forma, há argumentos dentro da fé cristã que assim como Deus é onisciente ele também é benevolente e valoriza o "caminho" e o "sacrifício" que seus seguidores fazem em vida na tentativa de descobrirem sua fé.
- Argumento dos Vários Deuses: por fim, um último argumento muito utilizado para refutar a Aposta de Pascal é o dos múltiplos deuses. Os defensores argumentam que ela indica uma falsa dicotomia já que em outras religiões como o Judaísmo e o Islamismo, a crença no "Deus errado" é punida tão ou mais severamente do que a não-crença em Deus. Sendo assim, existe a possibilidade da tabela de Pascal ser alterara para algo semelhante a perda infinita no caso da crença no Deus católico que não existe, mudando a razão lógica sobre o que é melhor escolher. Nesse caso, seria algo como…
E aí? Botou fé ou seja o que Deus quiser?
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