Vontade. Vontade de ser, vontade de potência.

Usada até em alguns círculos iniciáticos ocultistas como força mágica. Também usada no mundo moderno para manter padrões de consumo e comportamento. Uma força que não é um desejo e nem um capricho, mas que é capaz de ser motriz de todos seus comportamentos sociais e “meta-sociais”.

A gente acorda sem vontade, se arruma sem vontade, sai sem vontade, espera sem vontade, dá sinal sem vontade, sobe sem vontade, paga sem vontade. Logo no momento seguinte, procura um lugar com vontade, senta com vontade, abre a janela com vontade.

Tudo isso até ser novamente empurrado para a rotina. Sem vontade. O samba de uma nota só, cantado todo dia pela maioria dos indivíduos da cidade.

polis moderna, 

Enquanto não chegamos ao trabalho, somos obrigados a fazer algo insuportável para o humano da dividir espaço físico íntimo.

Somos obrigados a sentar encostados num estranho! Sentamos, mas a mente se isola, o olho procura logo a janela, o horizonte, quer estar longe. O corpo fala que preferia estar livre. Pessoas duras, pouco contato visual. Eventualmente se olha para uma mancha de suor, para a bunda da gostosa, para o cobrador coçando o nariz com a unha do mindinho, curiosamente não cortada.

A vida vai passando num monólogo.

—Precisamos da iluminação divina, de um Buda! – grita alguém.

Fantasias de seres metafísicos impossíveis para servir com fé cega, compreendidos literalmente, fazendo o milagre ser apenas uma história de tempos distantes. Este é o padrão. Precisamos é de outra coisa.

Precisamos do Coringa! Do Caos! Explosões!

O Coringa urbano existe e é bastante sutil. Coisas estranhas acontecem debaixo dos nosso nariz ou do nosso amortecimento e nós não vemos.

Quando alguém desce do ônibus para ajudar uma velhinha a descer, por exemplo, o caos se estabelece. E se estabelece onde importa, nas mentes. Os monólogos dos seres dormentes se quebram.

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Subitamente, um adulto trabalhador, que fingiria um sono pra deixar a velhinha passar, dá seu lugar com um sorriso, o cobrador canta algum samba, o motorista pára fora do ponto, por pura gentileza. Uma cadeia de acontecimentos positivos surge.

Exemplos são inúmeros. A quebra de padrão é uma sacudidela, como quando o elevador pára e todos que estavam dentro saem conversando como se fossem velhos amigos. O caos momentâneo faz esquecer a falsa impressão de que temos de nos proteger de todos.

Ah, se os gurus pop soubessem disso, que a cidade tem uma divindade gentil a ser cultivada: o Grande WTF! O quebrador de padrões. Se a vida fosse pregada como uma liturgia anti-marasmo para manter os seres acordados, começaríamos a ver o WTF em todos os lugares.  Sinais e mais sinais, que antes eram sinais para engatilhar condicionamentos, poderiam ser sinais para fugir deles. Manter-se desperto seria a lei.

Infelizmente, as linhas de escape continuam fazendo o mesmo. Talvez, ninguém possa ser Jesus. Talvez, ninguém possa ser Buda. Mas podemos ser WTF, explodir nossos amortecimentos, como Coringas.

Despertar seres. Com vontade.

João Gabriel Lima

João Gabriel Lima mora no Rio de Janeiro, cursa Filosofia e estuda religiões comparadas nas horas vagas. Se dedica ao pensamento em tempo integral. Apaixonado por fotografia, música e desenho. Navegador dos devires, desbravador de marasmos. Deseja uma filosofia que emancipe o indivíduo.