Em 25 de setembro de 1955 nascia em São Paulo o homem que você com certeza deveria conhecer: Amyr Kahn Klink. O nome pouco convencional para um brasileiro reveste um filho de pai libanês e mãe sueca. Com dois anos de idade Amyr tem seu primeiro contato com a cidade de Paraty, local onde o explorador escreveria grande parte de suas histórias.
Conheci a figura de Amyr Klink quando planejava uma aventura até a Nova Zelândia. A total falta de condições para a viagem me fez buscar no google pelo termo “como conhecer o mundo?”.
Deparei-me com o trecho escrito por ele: “Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”.
As palavras me cativaram e foi então que ouvi pela primeira vez o nome de Amyr Klink.
Amyr: aventureiro?
Era ano de 1984. Nas rádios brasileiras a canção “O último romântico” de Lulu Santos era a mais tocada.
Amyr Klink, então com 28 anos, parte da Namíbia, na África, para uma viagem de 100 dias a bordo de um barco a remo, com destino à Salvador, Bahia.
A travessia solitária pelo Atlântico Sul fez com que o jovem Klink entrasse para o livro dos recordes. Como vocês devem imaginar, o mundo não dispunha de tantas tecnologias que tornariam a viagem mais fácil naquela época e as condições em trajetos marítimos não são lá das mais confortáveis.
Mas Amyr sempre rejeita o rótulo de aventureiro. Segundo ele, aventuras no mar são fatais, e conta em entrevistas que previu todas as situações possíveis para que nada desse errado – desde as mais óbvias como o naufrágio do barco até possíveis surtos de loucura que pudessem ser causados pelo total isolamento ou a resistência de seus rins para suportar as refeições preparadas com água do mar.
Em 19 de setembro de 1984 chegava à Bahia como herói. Com 25 kg a menos e apenas 1,5 litros de água no estoque.
Em entrevista, um repórter da Rede Globo estimou que, precisasse ele de mais uma semana de viagem, morreria de sede. A resposta veio afiada: “Negativo. Eu me planejei para chegar ao Brasil com 0 litros de água. Isso significa que carreguei 1,5 kg de água desnecessariamente com a força dos meus braços durante 100 dias no mar.”
O retorno e a vida marítima
O retorno ao Brasil significou largar de vez a carreira que havia conquistado com graduação em Economia pela USP e pós graduação em Administração de Empresas pela Mackenzie.
Klink passou a trabalhar com expedições marítimas. Projetava e construía então o veleiro Paratii, e em 1986 realizou uma viagem solitária de dois anos pela Antártida. Só que ninguém poderia imaginar que o Paratii ficaria por sete meses imóvel, com o casco preso ao gelo da Baía de Dorian.
Você e eu já tivemos medo de estar só em alguma situação. Em uma chuva que corta a energia elétrica, em uma estrada escura ou mesmo após a perda de uma pessoa querida. Imaginem então estar em mar aberto, enfrentando ondas de vinte metros de altura, dia e noite, com chuva e sol, dependendo de suas habilidades e de equipamentos que ele mesmo projetou, dormindo e pilotando em turnos de quatro horas. Definitivamente, Klink não é um homem comum.
E parece que o cara gostou mesmo desse tipo de expedição. Depois da primeira viagem à Antártida, Amyr fez mais catorze. Algumas sozinho, outras com a esposa e as três filhas. Várias com equipes de jornalismo.
Ele possui 5 livros publicados e realiza dezenas de palestras por ano. Fundou também o Museu do Mar em São Francisco do Sul, Santa Catarina.
Breve história de um fã, um bilhete uma benção
Para mim, Amyr Klink é uma das pessoas mais fantásticas que nasceu em terras tupiniquins. Mas essa admiração quase ruiu em 2010.
Na época, eu trabalhava em um grande hotel localizado na Marginal Pinheiros, em São Paulo. Já havia atendido diferentes celebridades, sempre respeitando a cultura de discrição do hotel. Jamais havia pedido uma foto que fosse a ninguém.
Em uma noite agitada, entre muitos check-ins e check-outs, eis que Amyr entra na fila pra se hospedar. Realizei o procedimento como todos os outros, mas estava decidido a obter uma lembrança daquela pessoa que tanto admirava.
Ao final do turno, reescrevi à mão, em um papel qualquer, seu poderoso trecho sobre a necessidade que tem um homem de viajar e, no final, contei meus planos de jornada para a Nova Zelândia. O que eu queria era uma benção.
Deixei o papel embaixo da porta de Amyr e fui para casa. No outro dia, ao chegar, esperava encontrar o bilhete com um recado qualquer, mas para minha surpresa ele já havia feito o check-out e levado meu bilhete embora.
Talvez tivesse desprezado e jogado fora… Eu poderia ter superestimado os feitos de Amyr. Talvez fosse arrogante, talvez sua imagem fosse fruto de uma estratégia de marketing bem sucedida.
Foram muitos os dias que passei tentando imaginar o que ele tinha pensado sobre meu bilhete, sem chegar a nenhuma conclusão. A história já se esvaía da minha memória quando chegou um pacote na recepção do hotel, em meu nome. O remetente era Amyr Klink.
Quando abri, encontrei seu último livro publicado, Linha D’água, com diversos desenhos feitos à mão – mapas de navegação com rotas de barco, do Brasil à Nova Zelândia. Ele também agradeceu o carinho, desejou uma “excelente travessia” e anotou seu endereço de e-mail pessoal, dizendo para que eu entrasse em contato.
Nunca tive a ousadia de enviar um e-mail, mas entendi que a minha admiração não era infundada.
Amyr Klink é um homem que pensa um passinho à frente das pessoas comuns. É, com certeza, um homem que você deveria conhecer.
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