Alexandre sai de casa apoquentado. O herói nacional está cansado, precisando que deslembrem seu nome, que parem de pedir por ele e para ele. Foram oito, nove meses de trabalho intenso, gravações noturnas e madrugadas varadas atravessando o Rio de Janeiro, pulando de locação em locação, de programa em programa, de cadeira de maquiagem em cadeira de maquiagem, tudo em prol do seu comendador, personagem adorado por todos. O ator virou galã, seu galã virou o homem do povo. Todos queriam seu Zé e todos queriam ser Zé.

Acabou!

A novela acabou na sexta-feira última, ele dormiu o sábado todinho querendo não recordar, fazendo um ritual de renascer entre os lençóis e começar tudo de novo com outro nome. “Quero que esqueçam que me chamo Alexandre”.

Domingo, saiu de casa apoquentado desejando nada mais que meia hora de sossego na padaria. Uma média, um pão de queijo com requeijão por cima e trinta minutinhos pra ler o jornal sem que ninguém o importunasse. Deu certo.

Na sexta, rei do Brasil. No domingo, um Zé ninguém. Todos, para o bem ou para o mal, atrás das manifestações que tomaram as ruas. Alexandre passou pelo portão do prédio bonito onde estava, ninguém lhe deu atenção. Camisas da seleção passavam aos montes, pessoas preocupadas em não amassar demais seus cartazes.

Alexandre foi preocupado. Queria sossego, mas não se sentiu bem com a completa apatia sobre sua pessoa. “Eu sou o herói nacional, gente”, pensou enquanto sua figura – tão próxima das pessoas nos últimos meses – passava incólume na multidão. Na padoca, pediu lá seu leite com café e continuou observando. O tio do balcão que entregava a comida matinal era muito mais requisitado que o protagonista da última novela.

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Viu, na rua, muita gente junta, pedidos de mudança, pessoal exaltado, aproveitadores baratos tentando emplacar extremismos, religiosidade, saudosismo de um tempo em que os militares detinham o poder. Ficou, claro, bem preocupado com aquilo, onde já se viu, em um momento delicado e muito oportuno para verdadeiras reivindicações populares, grupos caindo aos montes no papinho molhado e mole desses malucos de plantão.

Alexandre viu, ouviu, esteve ao lado do povo que passava apressada “querendo mudar o Brasil” e ele sorriu um sorriso melancólico esperando que não fossem atrás de uma única figura, como foi com ele, que pudessem ver a política como um todo. Esperou, também, que essa vontade toda dos brasileiros não fosse tão fugaz quanto um final do folhetim das nove.

Atenção: essa é uma obra de ficção. qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é mera coincidência.

Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados