Como qualquer pessoa que já entrou numa rede social sabe, tudo na comunicação via Internet funciona ao mesmo tempo de forma mais distante e mais intensa.
Distante porque você pode interagir com pessoas que estão literalmente longe, que você não vai topar na rua, e cuja presença na sua vida pode ser interrompida com um clique num botão, uma mudança nas opções de privacidade, um “você gosta de vôlei? então toma esse bloqueio”. E intensa porque num processo de comunicação sem as sutilezas da expressão facial, do tom de voz, a tendência é precisar exagerar no uso das palavras para transmitir a mensagem. O que seria um “gostei muito” acompanhado de um sorriso vira um “AMEI”, o que seria um “não é tão legal” com cara de leve desprezo vira um “ODIEI”.
E por aí vai.
Essa intensidade também se manifesta no ciclo de atenção de qualquer coisa na Internet e na maneira como as pessoas reagem a esse ciclo. Isso porque, dado o fato de que a natureza das redes sociais é a interação, quando um tema novo surge e se torna relevante, todas as pessoas querem falar dele, possivelmente ao mesmo tempo, para reforçar o senso de pertencimento e de participação. Ou seja, muitas vezes, quando um assunto aparece na rede, você vai se sentir em uma festa em que todas as pessoas só falam do mesmo assunto, mostram imagens do mesmo assunto, fazem montagens do mesmo assunto, usam gifs da Gretchen para comentar o mesmo assunto.
E, bem, isso desgasta um pouco.
Muitas vezes o próprio assunto não tem culpa ou mesmo consciência nenhuma disso. Veja a Alessandra Negrini, por exemplo. Informalmente eleita “musa do carnaval” em várias redes sociais ano passado, passou a ter suas fotos intensivamente divulgadas sempre que saía em algum bloco, aparecia em algum desfile, ia em alguma festinha.
Todo mundo falava, todo mundo elogiava, todo mundo achava muito bacana, muito bonito. Não se falava de outra coisa. E esse ano, claro, algumas pessoas começaram a reclamar, começaram a falar mal dela, começaram a questionar a posição política da moça, começaram a surgir discussões sobre apropriação cultural ligadas à fantasia dela.
Ela quis aparecer mais? Não senhor. Ela procurou mais destaque? Não senhora. Ela fez alguma coisa além de, bem, curtir o carnaval dela? Possivelmente não.
Mas o ciclo de atenção da Internet tirou dela o controle da própria imagem, exibiu-a até a exaustão, e gerou um nível de simpatia que ela nunca pediu seguido de um nível de antipatia que ela nunca fez nada pra merecer. Porque bem, é assim que funciona por essas bandas largas.
Isso serve pra notar algumas coisas interessantes. Não só que continuamos pautados, ainda que não mais necessariamente pelos grandes meios, como a máquina de atenção da Internet consegue gerar impressões sobre as pessoas que estão totalmente fora do controle delas e como a superexposição, seja voluntária ou involuntária, consegue gerar uma onda de antipatia geral, seja com Neymar, Fábio Porchat ou mesmo Alessandra Negrini.
E bem, amigos, se conseguimos criar um sistema capaz de fazer alguém enjoar de ver a Alessandra Negrini, realmente pode ser hora de repensar algumas coisas.
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Nota: o Terceiro Olhar é uma coluna com o olhar voltado para comportamentos na Internet escrita pelo João Baldi, publicada quinzenalmente às quintas-feiras.
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