Qualquer pessoa que tenha acompanhado um pouco dos Jogos Pan-Americanos viu as conquistas emocionantes da natação brasileira em Guadalajara.

Mas muito tempo antes das conquistas memoráveis de Cesar Cielo e companhia, o Brasil já tinha um herói no hall da fama da natação, mais precisamente no Hall da Fama Internacional de Maratonas Aquáticas.

Esse simpático sorridente encheu o nosso Brasil de orgulhos

Abílio Couto nasceu em Ribeirão Preto, na véspera de natal de 1924, e foi um dos maiores maratonistas aquáticos do Brasil, e foi homenageado como ‘pai’ das águas abertas pelos cronistas esportivos da época.

Começou a nadar com oito anos de idade e, sempre que podia, cabulava as aulas da escola para nadar na piscina da Sociedade Recreativa de Ribeirão Preto. Aos 18 anos, ganhou seu primeiro titulo de campeão de nado costas e livre, dos Jogos Abertos do Interior, feito que repetiu mais cinco vezes em 1943,1944,1945,1946 e 1952.

Reza a lenda que depois de um acidente com uma aeronave na década de 1950, Abílio decidiu nadar longas distâncias e se dedicar às maratonas aquáticas. Isso numa época em que não existiam os suplementos alimentares, as roupas de borracha e os óculos de natação eram feitos de couro, à mão.

Águas abertas

Em 1955 ele foi participar da sua primeira prova de travessia, a Travessia Guarujá-São Vicente, com uma distância de 30km e chegou em quarto lugar. Não se conformou, entrou nessa mesma prova em 1956 levou o primeiro lugar e o bicampeonato no ano seguinte.

Animado pelos resultados em terras tupiniquins, vendeu seu carro e com a ajuda de João Havelange, que na época era o presidente da Confederação Brasileira de Desportos, foi participar de algumas provas na Europa. Competiu em 6 provas, com distancias entre 10 e 60 quilômetros, ficando em terceiro lugar em 3 dessas. E já que estava na Europa, tentou também, atravessar o Canal da Mancha quatro vezes, mas não conseguiu em nenhuma delas. Mas não desistiu.

Enquanto o Brasil ganhava o seu primeiro título mundial no futebol, Couto voltou à França e, no dia 10 de Agosto de 1958, completou a travessia de 32km, no sentido França – Inglaterra em 12 horas e 45 minutos.

Essa façanha fez dele o primeiro brasileiro e o primeiro sul-americano a completar essa travessia, que é considerada uma das mais tradicionais e mais difíceis do mundo.

Por causa disso, Abílio foi eleito o terceiro melhor atleta do país, pela imprensa brasileira, atrás apenas de Pelé e da tenista Maria Esther Bueno, e à frente de Garricha, Bellini, Didi e do campeão de boxe, Éder Jofre.

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Nem o melhor boxeador brasileiro de todos os tempos foi páreo para o nadador Abílio Couto

Voltando pro Brasil, Abílio resolveu desbravar a travessia Ilha-Bela – Caraguatatuba, que na época era uma travessia envolta em lendas e, portanto, tida como impossível. Mas ele não só conseguiu chegar em Caraguatatuba como organizou, em 1959, juntamente com a antiga FPN (Federação Paulista de Natação) um torneio nesse percurso para acabar de vez com as lendas.

Mas ainda não estava satisfeito. Ainda nesse ano, ele voltou à Inglaterra e no dia 11 de setembro nadou de Donver ate Wissant, na França, completando sua segunda travessia do Canal da Mancha com um tempo de 12 horas e 39 minutos, quebrando o recorde mundial da prova. O recorde demorou um ano para ser batido.

Apenas 14 dias depois de quebrar o recorde mundial, ele voltou para as águas geladas do Estreito de Dover e, mesmo sofrendo de uma tendinite na mão direita, participou do Campeonato Mundial de Natação em Águas Abertas, e com isso fez a travessia pela terceira vez.

Nessa época, Abílio não era profissional e participou da prova como amador. Acontece que ele acabou chegando na frente de todos, inclusive dos profissionais e assim foi premiado como Campeão Mundial Profissional e Amador de Águas Abertas. Com isso, num só mês, ele se tornou recordista e Campeão Mundial do Canal da Mancha.

Depois disso ainda participou de outras 7 etapas do Campeonato Mundial em Águas Abertas (1961, 1963, 1965. 1967, 1969, 1971 e 1975), tornando-se tetracampeão na categoria profissional e octacampeão amador. Percebam que ele tinha 51 anos quando participou da ultima etapa e chegou em 3º lugar entre os profissionais.

Abílio ainda recebeu o titulo de Barão de Sorano em 1961 pelo príncipe Deolz, da família real inglesa, a Cruz do Mérito Desportivo das mãos do Presidente Castelo Branco e seu nome foi eternizado no Hall da Fama em 2002.

Aos 66 anos, Abílio foi nomeado técnico da seleção brasileira de natação pela CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) e treinava para tentar sua quarta travessia do Canal da Mancha, para se tornar o homem mais velho a cruzar o Estreito de Dover.

É diferente o sorriso de um homem obstinado que correu atrás de seus objetivos e teve uma vida de conquistas pessoais

Infelizmente, Abílio Couto faleceu aos 73 anos, vitima de um câncer de próstata, sem conseguir completar essa sua última façanha.

Mas dentre tantas outras, jamais considerarei essa, uma derrota.

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Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.