Todos temos várias opiniões sobre várias coisas. Algumas são sérias, realmente importantes pra gente e pra nossa relação com o mundo, baseadas nas nossas posições filosóficas, religiosas ou na nossa experiência pessoal, como, por exemplo, você ser contra a pena de morte porque isso não bate com a sua visão espiritual do mundo ou porque leu várias coisas que te dizem que não é a melhor solução.
Outras são opiniões não tão sérias, relacionadas a questões não tão importantes, baseadas em ideias que a gente não consegue justificar racionalmente ou apenas não consegue explicar de maneira alguma, como a teoria da mãe do seu amigo de que o cantor Roberto Carlos tem uma perna mecânica movida a plutônio que ele usa para matar seus inimigos e cuja existência tem relação direta com o atual sumiço do cantor Wanderley Cardoso. Como eu disse, todos nós temos várias opiniões.
E ainda que não exista necessariamente uma relação direta entre o quão firmemente embasadas nossas opiniões são e o quão intensamente acreditamos nelas – tente conversar com o seu avô que não acredita que o homem foi à Lua, por exemplo, e vê se o fato do argumento dele ser “a Lua é muito longe” impede que ele esteja realmente disposto a defender isso – é fácil traçar uma ligação clara entre a intensidade da nossa crença e a nossa necessidade de convencer as pessoas que ela é a crença correta em relação a todas as outras.
Mas não tem nada de errado nisso, claro. Como a gente sempre diz, é com o confronto de opiniões que aprendemos. É discutindo que podemos tanto perceber que estamos errados quanto aprender a defender melhor as coisas que acreditamos. É o diálogo que move a sociedade e o Roberto Carlos ciborgue é, com certeza, a versão nacional do Abraham Linconln caçador de vampiros. Alguém precisa anotar essas coisas e tentar filmar. Sério.
Ainda assim, o apego com as ideias, quando exagerado, torna muitas vezes complicado aceitar que elas estão erradas, que nossos argumentos são infundados ou mesmo que as pessoas apenas não estão tão interessadas assim no que temos a dizer, ninguém tá muito afim, vocês viram esse último episódio de Game of Thrones, que doido que foi? E uma posição que tem se tornado cada vez mais comum quando as pessoas se deparam com níveis elevados de discordância, com forte resistência diante de suas opiniões ou mesmo com apenas pouca repercussão para as suas ideias, é reclamar de elementos como censura, cerceamento da liberdade de expressão ou ditadura do politicamente correto.
Isso porque censura é um processo que envolve controle da circulação de informação, por parte de um governo ou de um grupo no poder, quase sempre por meio de aprovação ou reprovação prévia. Ou seja, censura seria, por exemplo, o governo usar do seu poder para proibir um jornal de publicar uma informação. O Facebook tirar do ar a sua postagem porque ela foi considerada racista por vários usuários? Bem, cara, isso não é exatamente censura. Isso são as pessoas de um ambiente te achando babaca e querendo minimizar a sua presença nele, depois de ser garantida a você a oportunidade de mostrar ali o quão babaca você é.
Liberdade de expressão é o seu direito de manifestar livremente suas ideias e opiniões sem medo de retaliação por parte do governo. O que é muito bacana, óbvio. Mas a sua liberdade de dizer alguma coisa em momento nenhum deixa implícito que as pessoas não possam te achar um idiota por causa das coisas que você disse, não possam preferir que você não tenha dito, não possam, caso tenham se sentido ofendidas por isso, tomar as medidas cabíveis. Liberdade de expressão é o seu direito de contar a piada, mas não é a obrigação de ninguém de rir ou mesmo a garantia de que algo na sua piada não pode te levar a ser processado.
Já a chamada ditadura do politicamente correto, uma expressão muito vaga que pode tanto em alguns casos ser uma referência a uma discussão bem batida mas ainda assim pertinente sobre o que seriam os famigerados “limites do humor” – que existem argumentos interessantes vindos de vários lados – como também ser o escudo que aquele seu tio machista vai usar se alguém for reclamar daquelas coisas que ele vem postando no grupo de Whatsapp da família (“mas não se pode nem mais fazer uma piadinha? que isso”).
Mas o grande sinal, e que muitas vezes fica por trás dos três tipos de argumento, é a falta de capacidade de entender que muitas vezes quando todo mundo parece estar contra um ponto pode ser a hora de tentar analisar esse ponto pela perspectiva desse todo mundo. Existem ocasiões em que a maioria está enganada e você precisa ser fiel aos seus princípios e pensamentos para ser uma pessoa íntegra? Existem, claro. Mas também existem momentos em que a sociedade está se movendo em uma direção, uma direção melhor, e você está preso em outra, não tão boa assim? Sim, eles existem também. E nessa hora as pessoas que não querem te ouvir ou discordam de você não estão te censurando, cortando seus direitos ou vivendo numa ditadura. Elas estão só tentando viver num mundo um pouco melhor que você não quer deixar acontecer.
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