“O homem não vai ao médico”, todos dizem. Ou “Só vai quando está nas últimas”.

A fama dos homens é péssima quando se trata de saúde. Fala-se muito sobre a má adesão a medidas preventivas, resistência a usar o preservativo e maior envolvimento em atividades de risco – como dirigir perigosamente ou trabalhar sem equipamentos de proteção.

No entanto, estamos tão acostumados a achar que os homens não se importam com a própria saúde nem buscam cuidados médicos que, quando eles o fazem, não somos capazes de perceber.

Há quase dez anos, Marcia Couto et al. mostrou que, ao invés de ausência, o que ocorre é uma invisibilidade masculina nos postos de saúde, que se dá por três vias.

Primeiro, o serviço de saúde e seus profissionais não consideram as dificuldades que homens enfrentam na busca por atendimento, como a importância que dão à jornada de trabalho e vergonha e não estimulam sua participação efetiva.

Em segundo lugar, os homens não são considerados como sujeitos do cuidado de si ou de terceiros: a expectativa de que a mãe cuide do menino é transferida à esposa do adulto e às filhas do idoso; por vezes, as prescrições são explicadas à acompanhante, e não ao paciente, e muitos pais sabem como causam surpresa e admiração ao compartilharem o cuidado dos filhos.

Finalmente, por terceiro, a população masculina não foi alvo de políticas públicas até 2008, com a criação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem – que recebeu críticas por ser muito medicalizadora e focada na próstata e não é familiar à maioria dos profissionais de saúde.

E não é preciso ser um pesquisador para perceber essa invisibilidade: todos conhecemos homens que evitam comportamentos danosos à saúde e procuram ajuda de um médico, psicólogo, fisioterapeuta etc. quando têm algum problema. Perceber esses homens ajuda a fraturar uma ideia de que “homem não se cuida/mulher se cuida”.

Para ajudar nessa mudança de percepção, trarei duas histórias de homens em consulta, comentando um pouco sobre as dificuldades que outros homens poderiam ter em suas consultas.

São trechos de textos publicados na íntegra no blog Causos Clínicos, que reúne histórias do cotidiano de médicas e médicos de família pelo Brasil.

Um pouco mais do que tontura

Certa vez atendi um homem de 83 anos que dizia ter pressão alta e veio realizar exames de acompanhamento. Perguntado se vinha sentido algo, disse que às vezes tinha tontura.

– E quando é que te dá essa tontura?

– Normalmente de manhã, quando eu tô indo pro trabalho.

– Você acorda, se arruma, toma café e vai pro trabalho.

– Não, eu não tomo café.

– Ah, você não toma café?

– Não.

– Então você sai de casa em jejum.

– Saio.

Após um período de silêncio, ele diz:

– A não ser que eu esteja ficando tonto por que eu tô saindo sem comer…

– É, você sai em jejum, algumas pessoas ficam tontas quando saem de casa sem comer nada.

Ele concorda e eu pergunto porque ele não come antes de sair.

– Porque doutor… Esses últimos três meses eu tô morando com a minha irmã… E eu não quero dar trabalho.

– Mas por que? Grana?

– Não, eu tô na casa dela, e não quero dar trabalho, acordar ela…

– Mas você não pode preparar o café?

– Posso, mas vai fazer barulho, a casa é pequena… Mas eu posso comer fora de casa…

Conversamos sobre como ele deveria comer para não ter tontura e eu pergunto por que ele tem morado com a irmã.

– Doutor, eu… – e começou a chorar copiosamente. Contou que estava separado da esposa, com quem viveu dezenas de anos até dois ou três meses antes da consulta. Não entendi, após algumas tentativas, por que se separaram. Parece que ele gosta muito dela, quer voltar, mas ela o recebe na porta de casa quando a visita.

– E você acha que ela tá com outra pessoa?

– Não, ela só não quer que eu entre em casa.

* * *

Duas coisas merecem destaque nessa história. Primeiro, muitas pessoas comparecem à consulta com queixas que não são seu principal motivo de preocupação e que surgem ao longo de uma ou várias consultas – o que chamamos de demanda oculta.

Isso pode acontecer com homens e mulheres simplesmente por vergonha, especialmente em relações terapêuticas recentes ou consultas que envolvam temas sensíveis como queixas genitais.

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No entanto, do ponto de vista da masculinidade hegemônica, buscar ajuda é demonstrar fragilidade – e um histórico de “fuga do feminino” através de não ir ao médico faz com que sequer conheçam as possibilidades e o funcionamento de um serviço de saúde. “Eu deveria estar aqui? Esse é um lugar confiável para trazer minhas fragilidades? Esse profissional está apto a resolver o meu problema?” Estas são algumas perguntas que esses pacientes se fazem e, muitas vezes, recebem um não através das falas e posturas dos profissionais.

Uma segunda questão é que meninos criados para não chorar têm dificuldades em entender e expressar seu sofrimento psíquico – ao contrário das mulheres, que gozam de uma permissão para expô-los e conversar sobre eles com amigas desde a infância. A depressão entre os homens, por exemplo, pode se manifestar através de irritabilidade e agressividade e nem tanto com os sintomas clássicos de tristeza e falta de prazer nas coisas.

O Hell’s Angel aposentado

Ele parecia um Hell’s Angel aposentado e sereno, e tinha vindo para reavaliação depois de ter iniciado insulina e tido diagnóstico de hepatite C – nunca saberemos se pelas transfusões antigas ou as agulhas compartilhadas nos anos 70.

Hoje era apicultor e queria saber o que podia fazer para não piorar a hepatite. Recomendei que não ingerisse bebida alcoólica, na medida em que podia agravar uma lesão hepática (ainda aguardávamos alguns exames para avaliar a gravidade da doença).

– Que bom, doutor. Então vou poder continuar fumando meu cigarrinho… diz, rindo.

– Bom, não é uma boa, porque o cigarro faz mal pras artérias, e bla, bla, bla, você não deveria fumar.

– Não, doutor, não é esse cigarro, não…

Então, me contou que fumava três baseados por dia – até que a esposa, que o acompanhava, interveio:

– Não, doutor, é assim: todo dia ele acorda, aperta um maço de baseados, fuma um, toma café, pega o carro e vai pra Miguel Pereira, cuidar lá das abelhas dele…

* * *

Um homem obeso, diabético, sedentário, com hepatite C e que fuma maconha diariamente é alvo de inúmeras recomendações médicas. “Não coma isso”, “coma aquilo outro”, “faça atividade física”, “não beba”; “tome seus remédios regularmente”; “não deixe de aplicar a insulina”… E os homens podem resistir aos ditames da Medicina com muito mais aceitação que as mulheres. Para muitas pessoas, um homem que não mede a pressão uma vez por ano é só um homem, boys will be boys; já uma mulher que não faz preventivo é uma louca querendo morrer de câncer e deixar os filhos órfãos. Infelizmente, é comum que os profissionais de saúde reproduzam esse tipo de entendimento.

Nesse contexto, muitos homens evitam consultas médicas porque não querem o pacote completo: querem tratar sua pressão alta e perder peso, mas ainda não estão preparados para parar de fumar; querem tratar o diabete, mas não podem fazer atividade física por falta de tempo, dinheiro ou vontade. “Se for pra ir no médico e não fazer o que ele manda, é melhor não ir”, me disse um paciente que entrevistei no doutorado. Sem dúvida, muitos homens pensam assim, e teriam uma relação com os serviços de saúde muito diferente se tivessem tido consultas mais horizontais, de onde saíssem propostas compartilhadas, que fizessem sentido para si.

Pergunte ao seu médico

Na tentativa de promover encontros mais positivos e eficazes, elaborei seis perguntas que as pessoas deveriam fazer a seus médicos em uma consulta.

São elas:

  1. O que acontece se eu não fizer esse exame ou tratamento?

  2. Quais são os riscos desse exame ou tratamento?

  3. Existem alternativas mais simples e seguras?

  4. Que despesas terei? E por quanto tempo?

  5. Que efeitos colaterais posso esperar com esse tratamento ou exame? Terei algum tipo de limitação ou precisarei de algum tipo de ajuda?

  6. O que devo fazer se tiver alguma dúvida ou intercorrência?

Este é apenas um guia: claro que outras perguntas podem ser necessárias de acordo com o contexto.

O mais importante é que os homens se sintam à vontade para falar sobre qualquer coisa com os profissionais que os atendem – o que, como vimos, também depende de uma postura aberta e desconstruída por parte desses últimos.

Antônio Modesto

Médico de Família e Comunidade e doutor em Medicina Preventiva pela USP. Professor na Faculdade de Medicina da Unicid. Carioca de sotaque e paulistano de coração, toca cinco instrumentos mas nenhum bem. Tem estudado gênero, saúde dos homens e medicalização da vida.