Nota do autor: segue um relato da experiência no Novo Mineirão, um dos principais estádios da Copa do Mundo de 2014, construído com dinheiro público e privado, que está sendo administrado pela empresa Minas Arena.
Dois anos e meio após o fechamento do Mineirão para a reforma para a Copa de 2014, o Novo Mineirão abriu as portas para o torcedor mineiro que estava morrendo de saudades do “Gigante da Pampulha”. Mesmo os atleticanos que fizeram do Estádio Independência a sua nova casa sentiam falta do Mineirão.
E a abertura não podia ser melhor: seria um clássico entre uma das maiores rivalidades do Brasil. Atlético e Cruzeiro. “Imagina sô!” – é como dizemos por aqui. Mineirão reformado. Tudo do bom e do melhor. Nível europeu. Clássico com duas torcidas meio a meio no nosso amado estádio. “Imagina!”
O que ninguém imaginou foi a inacreditável sucessão de erros protagonizados pela nova administração do Mineirão, feita pela empresa constituída pelas construtoras Construcap, Egesa e HAP Engenharia, que financiou e executou as obras do estádio. Não é o que se espera depois de tanto tempo de obras e com o custo aproximado de 700 milhões de reais.
E muito, mas muito longe do que se espera de uma cidade-estádio-país que irá sediar uma Copa do Mundo.
Semana do Clássico – Compra de Ingressos
Pelas características especiais do jogo, obviamente seria um horror para conseguir ingressos, como em todo jogo importante em qualquer lugar do Brasil. Tenho certeza de que todo mundo que lê o Papo de Homem que vai a estádios entende o que eu estou falando.
A primeira coisa que eu estranhei na venda de ingressos foi a data. O clássico seria no domingo dia 03 de fevereiro. Os ingressos começaram a ser vendidos na quinta. Ou seja, três dias para comprar os 53 mil e alguma coisa de ingressos. Comprar online foi um caos. Principalmente para quem comprou diretamente pelo site da Minas Arena. Existem relatos que foram vendidos ingressos duplicados (ingressos que não existiam). A venda confusa acabou em uma troca ainda mais confusa, gerando uma fila enorme em que nem todo mundo conseguiu retirar o ingresso que tinha comprado online.
Como eu arrumei os ingressos para a última rodada do Brasileirão do ano passado, o Caio – meu comparsa de arquibancada e derrotas humilhantes no FIFA, ficou de comprar. Ele conseguiu sem maiores problemas por outro site. Iríamos eu, o próprio Caio e meu irmão para o jogo.
Perfeito.
Quase.
Domingo de Clássico – O bom, o mau e o horrível
Durante toda a semana, tanto a Minas Arena quanto a BHtrans e a Polícia Militar pediam aos torcedores que chegassem com antecedência ao Mineirão, para que o trajeto, a chegada e a acomodação no estádio se desse de forma tranquila.
Um conselho meio inútil, já que todo mundo que vai em jogo no Mineirão sai de casa no máximo meio dia, meio dia e pouco. É a mesma coisa que pedir para os torcedores de Atlético e Cruzeiro cantarem seus próprios hinos durante o jogo. É algo óbvio.
Além desse ótimo conselho, reportagens mostravam que os cruzeirenses deveriam ir para o estádio pela avenida Carlos Luz e os atleticanos pela avenida Antônio Carlos. Para quem não sabe (e para exemplificar mais uma vez a preocupação com questões banais em detrimento do que era mais importante) os caminhos de cada torcida sempre foi feito dessa forma. “Atleticanos vistam preto e branco e Cruzeirenses vistam azul”. Até logo e obrigado pelos peixes.
Depois de passar a semana inteira dando esses conselhos, a Minas Arena resolveu que seria uma boa abrir o estacionamento e a entrada do estádio às 14h. Ué, mas não era para chegar cedo? A não ser que eles queriam mesmo o caos que se deu entorno do estádio com os estacionamentos fechados.
Quando chegamos ao estádio, no entanto, já estavam abertos os estacionamentos e no meio de tanta bagunça consegui identificar alguns pontos positivos.
Dois no caso.
Já no entorno do estádio foi tranquilo encontrar o acesso para o estacionamento – que ficou muito, mas muito melhor do que era antes. Esses são os dois. E nenhum deles justifica cobrarem R$30,00 para estacionar (sendo que estava proibido estacionar nas ruas no entorno do estádio. Ou era táxi, ou os trinta, ou andar quilômetros. Nós escolhemos os trinta.
Aqui vai um detalhe que poderia ter dado muito problema: o nosso estacionamento (separado para a torcida do Atlético) ficava embaixo da saída da torcida do Cruzeiro. E em várias partes estávamos separados por grades que não davam nenhuma segurança, nem para um lado, nem para o outro. No fim do jogo houve muito xingamento. Ainda bem não passou disso. Se ninguém estivesse morto de calor, sem água, e extremamente desgastado, poderia ter confusão. Se alguém tivesse uma garrafinha d’água então, nego ia abrir a grade com o dente.
Entrada e assentos numerados
Outra coisa que foi bem divulgada é que agora o Mineirão tinha assento marcado. Igual o Cinemark. Achei bom.
Mais um passo rumo à civilização.
Só que não.
Em dia de clássico, o Mineirão se divide em 4 partes: lado do Galo, lado do Cruzeiro, Lateral e o que antigamente chamávamos de “cadeira numerada”. Para quem está acostumado, é tranquilo. Você já sabe mais ou menos o seu portão e o seu lado. Quem não estava, sofreu. Muitas placas de sinalização estavam cobertas com plástico preto e ela não significava muita coisa se você não tivesse muita noção para onde ir.
E não, não tinha ninguém para ajudar na esplanada.
Em baixo de um sol “desértico”, num 35o com corpinho de 67, nos enfiamos em meio a multidão que se aglomerava nas catracas e fomos nos empurrando. Ninguém dava informação, ninguém ajudava a organizar a fila. Alguém disse numa reportagem uma frase que eu repito aqui:
“Novo estádio, velhos problemas.”
Entramos e eu reparei algo que me assustou. Todos os bares do nosso lado estavam fechados. Todos. Subimos para a arquibancada superior onde fica a torcida organizada do Atlético e fomos atrás do assento marcado. Obviamente não ficamos onde deveríamos. Primeiro pelo fato de que estamos tão acostumados a fazer tudo “à moda caralha” que nem tentamos de verdade; segundo por que não nos importamos muito (deveríamos), mas poderíamos já comprar uma briga ou confusão com quem estava nos nossos lugares, então deixamos pra lá.
Vale lembrar que ninguém se preocupou em assegurar que os lugares marcados fossem de fato usados. Tive que presenciar uma cena que me cortou o coração por causa disso. Já em meio a sede e a exaustão por causa do calor no intervalo do jogo, um pai, seguido de dois filhos pequenos tentava – em vão – encontrar o seu lugar de direito. Nunca vou esquecer o olhar no rosto dele ao ser completamente ignorado pelos marmanjões sentados no lugar dele e dos filhos.
Já não havia ninguém para fornecer o mínimo de ajuda para o senhor.
As torcidas e o jogo
A empolgação de estar ali no novo Mineirão, casa lotada e clássico com as duas torcidas rivais no campo tirou da minha cabeça qualquer preocupação com água, lugares. Erro meu, erro nosso. Devíamos lutar mais por nossos direitos.
É uma infelicidade o tanto que tentam acabar com as melhores coisas do futebol. A maioria que vai em estádio hoje não é torcedor, é gente que vai em balada. Acabaram as gerais, as faixas, a diversão e, por pura incompetência da Polícia Militar (que para começo de conversa nem deveria ter que fazer segurança em estádio) e de nossos governantes.
Inventaram agora essa babaquice de que não pode ter clássico com as duas torcidas.
Sempre pode. Eles é que não tem competência e preferem colocar a culpa na violência do que na própria incapacidade de conter ou de promover um jogo de futebol.
“Somos um bando de bosta que não consegue dar segurança para o torcedor. Para consertar isso, vamos proibir a venda de cerveja e determinar que não dá para colocar duas torcidas rivais em um estádio.”
Achismo, quase certo, do pensamento de algum desses
Daqui a pouco não vai poder nem mandar tomar no cu no estádio. Existe um movimento contra isso também, acredite. Imagina os gritos das torcidas “Ei árbitro, sai pra lá seu bobo!”
O Mineirão estava lindo ao mesmo tempo que estava feio. Onde estavam as faixas das torcidas? Onde estavam os bandeirões? Foram guardados no mesmo lugar dos copinhos de água? Onde diabos estavam os vendedores de arquibancada? O tio do picolé? O tio da água? Eles perderam o sustento assim como os ambulantes que vendiam comida ao redor do estádio antigamente?
Foi duro ver a beleza de cantar e ouvir o canto de resposta da torcida rival. Jogador joga nas quatro linhas e torcedor joga nas arquibancadas. Foi lindo de ver, quem foi lá pode confirmar. Uma torcida respondendo a outra, no gogó, não no braço. Como deve ser sempre. Vibramos, provocamos, gritamos e pulamos.
Aí veio a sede. Vamos esperar o intervalo, os bares já devem estar abertos.
No meio do primeiro tempo veio a primeira bomba. Literalmente. A revista na entrada foi ridícula. Qualquer um entraria com o qualquer coisa -, depois a segunda. Na terceira deu merda. Caiu no pé de uma menina (vale lembrar que são bombinhas grandes, fazem barulho e se pegar machuca).
Confusão, porra dentro da torcida do Galo. O problema é mesmo duas torcidas? A confusão durou a metade final do primeiro tempo e foi se resolver só no início do segundo. Ninguém apareceu. Polícia, segurança, nada. Não ousávamos voltar para os lugares pelo medo de recomeçar tudo de novo.
Perdemos nossos lugares e ficamos sempre olhando para trás pro caso de começar a pancadaria de novo. Nisso volta o meu irmão com um olhar de mágoa. Nada de água, nada de bares, nada de nada. Fiquei sabendo depois que até os banheiros estavam um pavor.
Esse vídeo mostra um pouco do que era.
Cantar, gritar, pular, num calor absurdo, e não ter água foi terrível. Já estava sem clima por causa da briga, juntando tudo isso foi só piorando a sensação de estar ali. “Imagina na Copa” virou piada, mas é verdade. Poucas vezes vi um amadorismo tão absurdo numa desorganização de um evento.
Estive na inauguração do Independência que, mesmo com seus problemas de alguns pontos cegos, foi infinitamente superior à estreia do novo Mineirão.
O resultado do jogo pouco importou para mim. Eu estava horrorizado e profundamente puto pela forma que fui tratado. Como torcedor, como cidadão, como mineiro.
Para fechar com chave de bosta, as amigas do meu irmão que foram no carro com a gente estavam maravilhadas com a “área VIP”. Ar condicionado, comida a vontade, água, refrigerante. Futebol de elite. A torcedor coitado, que se vire para pagar os preços absurdos se quiser alguma coisa.
O problema não é que estão tentando acabar com o futebol.
O problema é que estão conseguindo.
A dona FIFA que leve essa Copa do Mundo embora, que a Minas Arena devolva meu velho Mineirão e o meu tropeiro, que o governo me devolva minha merecida cerveja, que me devolvam as bandeiras e a diversão e que eu possa exercer o meu direito de mandar quem eu quiser tomar no cu pulando na arquibancada, pra sentir mais emoção.
Obs: as fotos não creditadas vieram da matéria da PiniWeb sobre a conclusão da reforma no Mineirão.
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