Certa vez, em uma reunião de equipe, eu disse que não entendia as pessoas que falavam que não usaram camisinha numa transa porque não deu tempo de colocá-la. “Não dá tempo de tirar o sapato? Devia dar tempo de pôr a camisinha!”

“Às vezes não dá tempo de tirar o sapato”, disse uma Agente Comunitária de Saúde.

Seja porque não deu tempo de tirar o sapato (papo que ainda não me convence), ou porque a camisinha estourou, você deve (ou deveria) se perguntar o que fazer depois. Enquanto a gravidez é um risco apenas para casais heteros, as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) são um problema também para casais homoafetivos – e hoje vamos tratar desses dois assuntos e tentar tirar você de uma enrascada.

Contracepção de emergência

O único método 100% seguro contra gravidez é a abstinência sexual, mas esse é um remédio muito amargo. 😉

Depois dele, há diversas opções para mulheres e apenas duas para homens: a camisinha e a vasectomia, sobre a qual já escrevemos aqui. O preservativo é o único método que evita tanto a gravidez quanto infecções sexualmente transmissíveis, e seu uso é recomendado para todas as pessoas, em todas as relações sexuais que envolvam penetração ou contato das genitálias – a “cabecinha” também engravida e pega/passa doenças.

Quando a camisinha não é usada ou se rompe e a mulher não usa outro método anticoncepcional, existe risco de gravidez. Para evitá-la, usa-se a contracepção de emergência, que pode ser feita através da administração de pílulas anticoncepcionais comuns (com dois hormônios) em um esquema específico ou através da pílula do dia seguinte (PDS), que tem apenas um hormônio, o levonorgestrel. Esta é mais eficaz, tem menos efeitos colaterais e está disponível em postos de saúde, por isso vamos tratar dela.

A pessoa recebe no SUS ou compra uma cartela com dois comprimidos de 0,75mg de levonorgestrel e deve tomar um o mais rápido possível e outro 12 horas depois, ou os dois juntos de uma vez – por isso também existem comprimidos com 1,5mg de levonorgestrel dose única. Apesar do nome, não é necessário esperar o dia seguinte, nem desistir de usar se o dia seguinte já passou: a medicação tem bom efeito se usada até 72 horas após a relação sexual. O método falha em 0,4% das vezes quando usado nas primeiras 24 horas e 2,7% das vezes entre 49 e 72 horas. Náuseas e vômitos são os efeitos adversos mais comuns, mas também pode haver dor de cabeça, diarreia, cólicas e irregularidade menstrual. A menstruação costuma ocorrer alguns dias antes ou depois da data esperada, mas se não vier em até quatro semanas, um médico deverá ser consultado.

Pra ter um dia seguinte só alegria

O remédio tem duas ações. De um lado, ele inibe ou atrasa a liberação do óvulo em mulheres que ainda não ovularam naquele ciclo; de outro, dificulta “a natação” dos espermatozoides nas trompas. Impedindo o óvulo e o espermatozoide de se encontrarem, ele impede a fecundação. O hormônio não prejudica o desenvolvimento de um óvulo já fecundado, ou seja, ele não é abortivo.

Já ouvi de pessoas que transavam regularmente sem camisinha e tomavam a PDS após as relações, mas esse não é um método anticoncepcional adequado: a pílula vai perdendo a eficácia se usada com muita frequência. É interessante notar que mesmo mulheres que não podem usar pílula anticoncepcional comum (como fumantes com mais de 35 anos) podem usar a PDS ocasionalmente.

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E se ela não quiser tomar?

Se ela não quiser tomar a pílula do dia seguinte por qualquer motivo, alea jacta est: a sorte está lançada. Ninguém pode obrigar uma pessoa sã a tomar um remédio, muito menos a impedir uma gravidez.

Evitando doenças

O segundo risco envolvido quando a camisinha falta ou falha são as infecções sexualmente transmissíveis. Para tanto, especialmente em caso de relação sexual não consentida, o SUS disponibiliza um tratamento curto contra o vírus do HIV chamado ou PEP (do inglês Post-Exposure Prophylaxis), bem como medicações contra sífilis, hepatite B, gonorreia, clamídia e tricomoníase. A propósito, você também pode procurar um posto de saúde para fazer exames contra ISTs e se vacinar contra hepatite B.

Como eu faço pra camisinha não estourar?

Preservativos são testados em condições muito mais severas que as da relação sexual, podendo ser inflados ou esticados bastante antes de estourar ou romper. Não convém tentar em casa para não se machucar, mas você pode procurar vídeos no YouTube e confiar no Inmetro. Os preservativos distribuídos em postos de saúde, diga-se de passagem, são igualmente testados e certificados.

Assim, pode-se dizer que os acidentes com preservativos são geralmente decorrentes de erros na colocação ou no uso – então não custa lembrar alguns cuidados:

  1. Não abra o envelope com os dentes;

  2. Aperte a ponta do preservativo enquanto o coloca, para não ficar ar dentro – ao gozar, o volume da ponta aumenta rapidamente e, com a pressão da transa, pode estourar;

  3. Coloque o preservativo com o pênis ereto, com a parte enrolada para fora, e desenrole até o final;

  4. Não use as unhas para desenrolar e tome cuidado com anéis e aparelho de dentes (sim, é isso mesmo que você pensou);

  5. Se estiver seco durante a transa, veja se os dois estão no clima e, se sim, use lubrificante íntimo;

  6. Tire a camisinha logo após gozar.

Não serei hipócrita de dizer que transar com ou sem camisinha dá a mesma sensação. O que eu posso afirmar é que a onda não vale o risco de uma gravidez indesejada ou uma doença. E se você tem um relacionamento estável e decidiu abolir o preservativo, é importante fazer sorologias para ISTs antes, vacinar-se contra Hepatite B, usar outro método anticoncepcional e fazer um pacto de vida de que, se alguém ficar com outra pessoa (tome coragem e diga com todas as letras), tem que usar camisinha. Trair é mancada, mas botar a saúde do casal em risco é maldade.

* * *

Nota do autor: Olá, pessoal! Como vocês já sabem, sou médico e estou escrevendo aqui na coluna Consultório, de duas em duas semanas, às terças. 😉

A ideia é que a nossa coluna atenda às dúvidas e perguntas sobre saúde do homem que surgirem aqui nos comentários, mas também estamos monitorando as buscas que trazem acessos ao site (Google, confessionário da vida moderna) e, se não quiser se indentificar, pode mandar perguntas para o meu e-mail: aadmodesto@gmail.com.

Abraços e até daqui a 15 dias!

Antônio Modesto

Médico de Família e Comunidade e doutor em Medicina Preventiva pela USP. Professor na Faculdade de Medicina da Unicid. Carioca de sotaque e paulistano de coração, toca cinco instrumentos mas nenhum bem. Tem estudado gênero, saúde dos homens e medicalização da vida.