Carnaval, desengano
Deixei a dor em casa me esperando
E brinquei e gritei e fui vestido de rei
Quarta-feira sempre desce o pano

(Chico Buarque, “Sonho de um carnaval”)

Sempre achei que a quarta-feira de cinzas tinha esse nome em referência ao estado das ruas depois do carnaval, ou talvez às tochas totalmente consumidas ao fim das festas em algum lugar na Itália ou na Grécia antigas. Pesquisando pra esse texto, descobri que a quarta-feira de cinzas é um dia santo cristão que marca o início da quaresma, o período de 40 dias entre o carnaval e a páscoa dedicado à moderação, abstinência, caridade e oração. É um dia de arrependimento e jejum, onde os padres católicos distribuem cinzas aos fiéis para lembra-los de sua mortalidade.

Nada muito diferente da vida pagã: a quarta-feira de cinzas é um dia de arrepender-se dos excessos do carnaval, tomar sucos “detox” e penitenciar-se em estradas ou aeroportos.  “Não sobreviverei a outro carnaval desses”, você pensa, sentindo seu corpo em cinzas e lembrando-se de sua mortalidade.

Para que você sobreviva ao próximo e a muitos carnavais, trago algumas dicas simples, muitas das quais você deve conhecer, mas às vezes “esquecer”. Não sendo sacerdote, não venho me pauto pela moral, mas pela redução de danos: quero que as pessoas sejam felizes e tenham o máximo de saúde em meio às opções que fazem.

1.  A cada latinha, beba um copo d'água

Humanos bebem água, é normal.

Entre uma latinha e outra, entre os goles de uma caipirinha ou de uma catuaba selvagem, beba água. Compre pra você e pros amigos, torne isso um hábito. Inclua nas compras da viagem.

Quando a temperatura do seu corpo sobe, seu corpo sua para se refrescar e seus vasos sanguíneos dilatam para perder calor. O álcool, por sua vez, inibe um hormônio que “segura água no corpo”, o ADH, fazendo você urinar mais (grande novidade).

Tudo isso junto pode te desidratar, o que pode resultar em fraqueza, desmaio ou uma dor de cabeça infernal no dia seguinte.

A água de coco também é um ótimo hidratante e ajuda a repor os sais minerais perdidos no suor e na urina.

2. Não vire lagosta: use protetor solar

No limite entre a saúde e a cosmética, o protetor solar é frequentemente ignorado pelos homens – prova disso são os turistas vermelhos, ostentando marcas de camisa regata. Homens negros também devem usar: embora o risco de queimadura ou câncer de pele seja menor, o uso de protetor diminui o envelhecimento da pele provocado pelo sol.

Não esqueça de passar uma nova camada depois de entrar na água ou suar muito.

3. Quem vê cara não vê DST: use camisinha

Não importa com quem. É difícil de acreditar, mas as pessoas ainda dizem “eu achei que ela/ele não tinha nada”. Apesar de todo mundo saber que a camisinha evita gravidez e protege de pegar uma doença na relação sexual, muita gente decide não usar.

Leve no bolso ou na bolsa quando sair de casa e não se esqueça de apresentar na hora H. Está sem camisinha? Vista-se e corra pra farmácia, ou divirta-se com sexo oral e masturbação a dois.

A propósito, postos de saúde distribuem camisinhas masculinas e femininas gratuitamente, e elas são tão seguras quanto as da farmácia. E tamanho não é desculpa: existem preservativos com 54 ou 55 mm de diâmetro, ao invés dos 52 mm da camisinha comum, e o preservativo feminino também é uma boa opção.

4. Ao usar drogas, saiba exatamente o que está fazendo

Muita gente se permite mais no Carnaval e acaba errando a mão.

Além da quantidade, certas combinações são particularmente ruins.

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Cigarro, por exemplo, prejudica a oxigenação das células, o que piora a ressaca da bebida.

Misturar álcool com calmantes (como Rivotril®, Frontal® ou Diazepam) pode derrubar uma pessoa pelo dia ou pra sempre, dependendo da dose. Ecstasy aumenta a temperatura corporal, e muitos usuários desmaiam e até morrem por hipertermia, então é preciso beber muita água.

Maconha pode ter efeito sedativo, te fazendo dormir e perder o bloco, e deixa algumas pessoas temporariamente paranoicas – o que atrapalha a curtição.

E o conselho da mãe ainda vale: não aceite bebida ou droga de estranhos e não deixe sua bebida solta por aí.

5. Nunca subestime o calor

O calor pode ser um inimigo cruel: não o subestime. Já dissemos pra beber água com frequência, mas também não dá pra ir num bloco de rua fantasiado da cabeça aos pés de Chewbacca. Melhor ir de Han Solo ou Luke Skywalker.

6. Vai pro mato? Use repelente.

Essa é particularmente importante para os que vão curtir o carnaval na praia ou fugir dele no meio do mato. O Aedes aegypti sozinho pode transmitir dengue, zika, Chikungunya e febre amarela, e mesmo uns borrachudos menos famosos podem te deixar dias coçando as canelas.

7. Escolha as comidas sabiamente (ou: evite maionese, molhos e alimentos que ficam ao sol)

Calor, sol, manipulação de dinheiro e alta circulação de pessoas contribuem para que as comidas das barracas sejam arriscadas – mas você precisa comer, senão não vai aguentar o dia, ainda mais se estiver bebendo.

Segundo Carla Marien, nutricionista em Belo Horizonte, é importante “ter cuidado especial com o consumo de alimentos vendidos na praia, especialmente o de frutos do mar vendidos por ambulantes. Por conta do calor, estes alimentos estragam facilmente, pois nem sempre são mantidos em temperatura correta”.

A nutricionista sugere frutas, oleaginosas (nozes e castanhas, por exemplo) e barrinhas de cereal: “elas são práticas para quem está no meio de um bloco, por exemplo”.

Dê preferência a alimentos integrais, pois eles ajudam a manter  a energia do corpo e dão maior saciedade, e evite frituras, dando preferência para assados, grelhados ou cozidos. “As frituras, além da digestão difícil, dão mais sono depois de comer”, explica Carla.

Finalmente, é bom evitar alimentos que contenham maionese ou molhos, pois são muito perecíveis.

8. Mesmo se não beber, não dirija

Se beber, então, nem pensar. Se não beber, ainda vai encontrar vias congestionadas, motoristas alucinados, foliões distraídos e dificuldade para estacionar. Segundo o DATASUS/TABNET, cerca de 31 mil homens morreram por causas relacionadas ao trânsito em 2016.

Melhor deixar o carro em casa, na pousada ou no hotel.

9. Não seja chato. Não é não.

Estamos em um site dedicado a homens, então não poderia deixar de dizer isso: não é não. Puxar cabelo e segurar braço não é cantada, é violência. “Bunda de bêbado não tem dono” é uma frase da cartilha do estuprador, assim como “quem cala, consente”.

E uma mulher bêbada tem que ser levada às amigas ou pra casa, não pra um motel: pega o telefone dela e chama pra sair no dia seguinte.

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É isso aí, pessoal! Essas são as dicas da semana para curtir um carnaval com saúde e felicidade. E vocês, como complementariam as dicas?

Aguardo vocês nos comentários.

Antônio Modesto

Médico de Família e Comunidade e doutor em Medicina Preventiva pela USP. Professor na Faculdade de Medicina da Unicid. Carioca de sotaque e paulistano de coração, toca cinco instrumentos mas nenhum bem. Tem estudado gênero, saúde dos homens e medicalização da vida.