Sem cartilha de regras pra cima do nosso amor

A contemplação ensina que não há modus operandi pra se relacionar

Oi, amor.

Desculpa pela última vez. A gente mete na cabeça essas coisas que deveriam ser feitas, todas essas burocracias e roteiros pelos quais um relacionamento tem de passar. Nossa, cabeça aqui deu um nó. Acabei falando besteira, exigindo o que nem queria, em primeiro lugar.

Já não somos mais casal novo. A gente ainda gosta de transar, mas eu já não fecho mais a porta do banheiro com você. Às beiras dos trinta… É diferente. Amor vira verbo no futuro, expectativa, compromisso, né?

Nessas noites de sexta, as que vem depois de dias quentes, dá pra ver a olho nu a avenida principal da cidade tomada de cabeças aéreas, extasiadas de paixão. Como se tivessem descoladas do corpo, elas sobem e descem ruas, mirando mais umas as outras que o caminho e os buracos do asfalto falho de São Paulo.

Não parece droga? Sabe, o jeito como as palavras ficam gostosas na boca, como saem com pressa, empolgadas pra se dizerem. Olhinhos mexem, agitados, brilhando um tantão e aquela boca larga que nem se contém. O rush na pele, pelos. Não é igualzinho droga?

Senta pra observar. Olha, se acomoda naqueles bancos de propaganda que têm o nobre pretexto de ocupar o espaço público e fica observando essa gente passando. São dois, duas, três, que não têm a menor vergonha de rir assim, beijar assim.

Agora tem essa coisa de desconstruir. Já ouviu falar? Não precisam mais ser dois – podem ser três, ou quatro. Mas é bonita essa ideia de gostar de mais de um. Se a gente parar pra reparar, tem gente deliciosa demais, em excesso númerico mesmo.

É ela que tem uma boca molinha, que se retorce toda quando diz “já é, topei, vambora!”. Ele que é tão na dele, olhos fechados, fone de ouvido estalando, apoiado com a cabeça no vidro do metrô. Quem anda com as mãos no bolso, olhar despretensioso, mas bem atento e afiado pros perigos ao redor, boca cerrada em linha.

Eu sei lá os porquês de a gente passar uma vida achando que tem que escolher um só. Digo, há Osvaldos que passam a vida assim, e as bodas de ouro são mais genuínas do que essa gente que usa sinceridade como pretexto pra grosseria, mas, feita a reflexão sobre as nossas possibilidades, verificamos a existência de mais de uma.

Bonita essa liberdade de escolher o melhor modelo pra gente. Particularmente, sou de uma pessoa só por vez, e tudo bem. A moça que me vendeu um tênis novo, na semana passada, me disse que o namorado dela tinha um namorado, e ela estava começando a sentir tesão pelo terceiro moço na história. Não sei como chegamos a esse assunto na conversa, mas sei que tá tudo bem pra eles.

Fiquei pensando, depois, sentada no banco que ocupa espaços públicos, que realmente não faz sentido sequer termos alguma opinião sobre o amor alheio. Não é uma questão de “Você concorda com?”, mas sim de “O que é que você tem a ver com?”.

Porque nada pior do que essa gente que pergunta, como quem quer satisfações, por que é que você bota a aliança numa correntinha do pescoço. Ou questiona o porquê de você e o bem não se darem presentes no natal – como se fizesse sentido eu te perguntar o que você precisa e comprar o cinto de couro que você mesmo preferia ter escolhido, mas que será cobrado da nossa conta conjunta.

Na sexta, eu vi uma moça na rua que gostava de andar de mãos dadas. Mas não era assim palmas encaixadas – os dedos tinham que estar entrelaçados, e toda vez que esse arranjo se desfazia, ela parava de andar pra arrumar as falanges. Foi difícil, eu quis julgar, mas olha, ela gosta, e tudo bem, né? É bonito assim.

Olhar pro mundo com essa capacidade contemplativa, de apreciar um tico o que é diferente das nossas práticas, é um exercício. Mas é bom demais. A gente se liberta também, entende? Porque aí fica tudo bem se a gente não gostar de dormir de conchinha como o resto do mundo, ou se cozinhar a dois for chato demais pra nossa energia pulsante, e tudo bem se não formos do tipo que declara amor no Facebook.

Ah, eu sei que as pessoas ainda vão cobrar filhos, o ciumão clichê e a casa própria. Mas, amor, senta numa sexta-feira nesses bancos da avenida e para pra observar. É droga natural o que esses jovens bonitos produzem quando olham uns pros outros na rua. Só pode ser, porque o olho brilha demais. Inspira, sabe? É uma leveza, um tudo bem você querer fazer diferente, porque, ó, não tem regra.

Faz isso e me conta.

Beijo, amor.

Mecenas: quem disse, berenice?

Já reparou como o mundo é cheio de regra? Sempre tem alguém dizendo como se vestir, o que comer, como se portar nos locais, como se relacionar com as pessoas, qual o jeito certo de degustar uma bebida ou de fazer uma foto.

Algumas delas fazem sentido, outras aprisionam a gente. 

O amor é uma das coisas de vida que não precisa de regras. E o jeito que sua namorada quer ficar bonita também não.

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publicado em 06 de Junho de 2016, 10:00
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Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.


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