Red Pill: é possível abordar o sofrimento masculino sem demonizar as mulheres?

Uma grande movimentação tem acontecido em torno do termo Red Pill nas redes sociais. Após assistirmos o documentário "The Red Pill", trazemos aqui algumas reflexões importantes.

Recentemente a atriz e comediante Lívia La Gatto foi alvo de ameaças após satirizar em vídeo falas machistas de Thiago Schutz, do Manual Red Pill Brasil. Por mensagem de instagram, Thiago deu 24 horas para que Lívia removesse o conteúdo ou, nas palavras dele, “depois disso é processo ou bala”. 

Mas o que é Red Pill?

O nome surge de uma analogia do filme Matrix, onde é dado ao personagem Neo a escolha entre a pílula azul e vermelha. A pílula azul o manteria na ilusão e a pílula vermelha faria ele ver a verdade ou tudo o que ele não era capaz de ver até então. Nas redes sociais, as páginas Red Pill produzem conteúdos em que defendem a condição do homem como explorado pelas mulheres, as quais são retratadas como interesseiras, infiéis e manipuladoras por natureza. O resultado é um discurso de teor machista que reforça um ressentimento e ódio às mulheres no geral.

O documentário  “The Red Pill”

Lançado em 2016 e dirigido pela ativista Cassie Jaye, o documentário é um mergulho no "Movimento dos Direitos dos Homens", grupos que tentam argumentar que as mulheres estão cada vez mais sendo privilegiadas na sociedade com benefícios e leis, e que os homens estão sofrendo, sendo explorados em trabalhos pesados, perdendo os seus direitos paternos e apresentando altas taxas de suicídio.

Os homens realmente estão sofrendo?

Um dos pontos chaves do documentário é que determinados homens estão percebendo que o sistema também os violenta e os coloca em determinadas situações de sofrimento devido à pressão pelo sucesso, força e necessidade de colocar suas vidas em risco em confrontos e guerras, por exemplo. O ponto cego desse discurso é que a causa desses sofrimentos também é o patriarcado, que faz mal tanto às mulheres quanto aos homens. 

É muito importante destacar que vários dados que os ativistas dos direitos dos homens destacam no documentário são verdadeiros. Sim, existem sofrimentos que atravessam a vida dos homens e que tem a ver com questões de gênero. Mas os homens são vítimas e as mulheres são vilãs? Olhando para o panorama de dados, sabemos que os homens são os responsáveis pela maior parte da violência, apesar de serem vítimas dela também. 

Ao olharmos para os homicídios percebemos que os homens são maioria entre as vítimas, assim como também são maioria entre os autores de assassinatos. Os homens são maioria no sistema prisional e na população de rua, mas também são maioria nos cargos de poder e de decisão que formam esse sistema punitivo e excludente.

Quando esse grupo defende que os homens são os principais prejudicados na sociedade atual, estão fazendo um recorte muito parcial da realidade. É como editar o contexto social escolhendo só alguns problemas para destacar e escolher apagar todos os outros: usar dados do sofrimento masculino para contra-argumentar todas as inúmeras violências sofridas pelas mulheres ao longo de séculos. 

A fuga da responsabilidade

Quando os homens estão mais preocupados em demonizar e culpabilizar as mulheres do que em, de fato, buscar um consenso para resolver de forma estrutural os problemas que os atingem, essas reclamações perdem força e conexão com a realidade e com possibilidades de mudar essa situação. No geral, vemos uma postura de "terceirizar a responsabilidade". Apaga-se o fato de que fomos nós homens que construímos estes instrumentos sociais e que, no fim, são usados para punir e controlar, não só grupos minorizados, mas também aos homens hegemônicos . Há uma fuga da possibilidade de construção de diálogos e mobilizações para que se converse sobre as dores que esses homens vivem, mas também sobre as dores que esses homens causam.

Se queremos, de fato, olhar para essas dores dos homens (suicídio, fechamento emocional, violência compulsória, questões de saúde mental, expectativa de vida…) precisamos entender o nosso papel nesse problema e nossas possibilidades de ação para construir um futuro que possa ser melhor para todas as pessoas, incluindo meninos e homens.

Mas o sofrimento masculino realmente tem sido ignorado?

Nos últimos anos, muitos grupos terapêuticos e rodas de conversas para homens têm surgido. Esses espaços são possibilidades saudáveis para se conversar justamente sobre as pressões que recaem sobre o homem no processo de construção de sua masculinidade. Mas muitos homens se recusam a participar por que negam a sua vulnerabilidade e a possibilidade de assumir responsabilidades.

A pesquisa que resultou o documentário “O Silêncio dos Homens” aponta que há realmente diversas questões a serem discutidas sobre a cobrança e a pressão em torno da masculinidade, a saúde mental dos homens e esse imaginário do homem provedor. Mas também aponta que existem outras diversas coisas que nós homens precisamos repensar e  nos responsabilizar nos nossos relacionamentos e em nossas paternidades.

As demandas não competem, mas se completam…

Esse é o caminho saudável que estamos construindo em diálogo com os demais movimentos como o feminismo, que também pautam questões sobre cuidado e equidade de gênero com ética e responsabilidade.

Assista o nosso documentário “O Silêncio dos Homens”:

 


publicado em 03 de Março de 2023, 18:39
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Andrio Robert

Mestre e doutorando em Educação no PPGE- UFPR. É pesquisador de corpo, gênero e masculinidades. Suas investigações estão inseridas na linha LICORES - Linguagem, Corpo e Estética na Educação, no grupo de pesquisa Labelit - Laboratório de Estudos em Educação, Linguagem e Teatralidades (UFPR/CNPq) e na Diálogos - Rede Internacional de Pesquisa.


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