Do ciúme do vibrador a obrigação de gozar para agradar ao parceiro… Por que ainda queremos ser os protagonistas e provedores do prazer feminino?
Responda rápido…
Um homem que não se preocupa com o prazer da companheira e outro que tenta fazê-la gozar a todo custo para sentir ele é responsável pelo prazer dela.
Os dois a 80 por hora? Quem está mais focado no prazer feminino?
Essa é uma provocação para refletirmos a seguinte questão:
Será que saímos de um contexto em que o prazer do homem era o foco e nos encontramos agora em uma situação em que o prazer da mulher entra em cena para satisfazer o ego do homem?
Em ambas as situações, esse homem estaria no centro do ato e em ambos os casos caímos no risco de impor a mulher a obrigação de agradar: agradar dando prazer a ele, e agradar mostrando que ele é potente o suficiente para dar prazer a ela. 8 em cada 10 mulheres já fingiram orgasmo (Pesquisa Prazer Feminino, Hibou, 2023) e, no fim das contas, essa é uma das principais motivações: falsificar o seu prazer para gerar o do outro.
Sim, estamos falando mais e com maior qualidade sobre prazer das mulheres, sobre equidade na vida e no sexo. Estamos. Mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. Um dos sintomas de que, apesar dos avanços, ainda existe um grande foco no homem como centro da satisfação sexual em uma relação, é o fenômeno “ciúme do vibrador”.
“Primeira coisa que ele me perguntou foi o tamanho do brinquedo e disse que só queria ver se fosse menor do que o dele de verdade.”
Também é muito comum ouvir homens comentando que não veem problema das namoradas usarem sex toys desde que seja algo compartilhado, ou seja, que eles estejam juntos.
Voltamos ao ponto inicial: quando o tamanho do vibrador ou o uso pessoal do item se torna um fator de discussão e de insegurança na relação, podemos ler uma entrelinha que, na prática, não foca no prazer feminino, e sim em qual prazer feminino é possível e conciliável sem ferir o ego, o conforto e a autoestima do homem em questão.
Se não olhamos para a raiz dos problemas, vamos seguir evoluindo “parcialmente”: mudamos a ação, o “as coisas que acontecem”, afinal, no século XXI o orgasmo feminino passa a ser permitido e buscado. Mas não mudamos a raiz, o porquê e o como as coisas acontecem, já que, apesar de buscado, o orgasmo feminino ainda é discutido (não por todos, mas por muitos) tendo o prazer e o conforto dos homens como centro.
Como é a relação masculina com o prazer feminino?
“Sim, minha parceira tem todo o direito de gozar e desfrutar o sexo, desde que eu seja o provedor e protagonista desse prazer.”
Um ponto a se observar é como, quando e se a relação dos homens com o prazer feminino pode cair naqueles papéis das masculinidades: provedor e protagonista.
Talvez possamos alterar as lentes com quais olhamos essas relações e entender que é possível ser coadjuvante, facilitador desse prazer, e mesmo assim se alegrar por isso, por estar no papel de companheiro. Não de quem dá, fornece prazer, mas de quem acompanha, constrói junto, vive ao lado.
Essa mudança de perspectiva também implicaria em abrir mão dessa posição de cobrança, de ter que chegar a um ponto X para sentir que seu papel foi cumprido.
Claro que é ótimo que homens tenham atenção e estejam dispostos a facilitar o prazer das suas companheiras, mas há uma linha bem fina entre estar a disposição para satisfazer e só se contentar depois de um orgasmo. E digo, as vezes isso acontece de maneira bem sutil: quando um não para de tentar novas estimulações, mesmo diante de sinalizações das parceiras, por estar obstinado a fazê-la gozar e, se, caso isso não aconteça, esse pararia para perguntar o que estaria de errado.
Função e domínio na relação: queremos ser o provedor do prazer?
Na cultura:
TiaguinhoEle não te ama como eu, te quer mais do que euDuvido que ele faz amor gostoso como eu | Roberto carlosEu sou o cara certo pra vocêQue te faz feliz e que te adoraQue enxuga seu pranto quando você choraEsse cara sou eu |
AnittaEu quero ver tu esquecer depois do chá que eu te dei, ai papai macetei | Ela nunca vai ser euEla não, ela não, ela nãoEla não tem meu cheiroEla não tem meu toqueEla não para tudoEla não causa Ibope |
5 a secoQuero é te verDando volta no mundo indo atrás de você, sabe o quêE rezando pra um dia você se encontrar e perceberQue o que falta em você sou eu |
A gente pode pegar uma série de grandes canções da música brasileira e ver refletidas nelas nossa cultura, não só os ritmos e as vozes, mas também a forma de pensar os relacionamentos: quando uma relação tem um grande significado, queremos acreditar que o outro nos necessita, que só nós podemos dar tanto aquele amor, quanto aquele prazer.
É como se a segurança de uma relação viesse da necessidade, da funcionalidade e da falta: ficarás comigo porque não haverá outro que cumpra essas funcionalidades.
Daí que, se o vibrador cumpre a função do orgasmo, poderia este substituir o homem?
As relações podem ser mais do que funcionalidades necessárias, troca de interesse. Uma pessoa pode estar com a outra não porque esta cumpra uma função, mas pela vontade de compartilhar a companhia.
Talvez um parceiro não possa dar muitos ou até mesmo nenhum orgasmo a mulher, e mesmo assim faça sentido tê-lo como companhia, como companheiro de projeto de vida. (Vale ler essa matéria sobre orgasmo não ser sinônimo de sexo prazeroso que escrevi para a Folha de São Paulo)
Talvez o vibrador seja o fornecedor principal de orgasmos de uma dada pessoa e mesmo assim essa mulher goste muito e até mais do sexo com o parceiro, afinal, não é o orgasmo que define a qualidade de uma relação.
Será que podemos pensar em um futuro no qual seja comum se alegrar pelo prazer do outro sem precisar ter parte nisso, sem precisar ter função, podendo apenas ser companhia, estar ao lado?
publicado em 29 de Março de 2023, 19:38
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