Posso dizer que a memória explícita mais forte que tenho da minha infância é da separação de meus pais. Eu já tinha 9 anos. Após isso acontecer, minha mãe fez o melhor que ela pôde e soube para criar dois filhos homens.
O contato com meu pai sempre foi distante, mais parecido com um motorista do que de um cuidador. Poucas palavras, nenhuma conversa profunda ou de grande relevância. Aquele papo do caminho da academia pra casa, da casa para uma festa. Isso foi até meus 16 ou 17 anos. Um certo dia, ele se negou a fazer até o papel de motorista, que era o único momento em que ficávamos próximos. A partir deste dia, levamos quase 15 anos para nos reencontrar.
O reencontro foi frio, estranho, curioso e libertador. Ele apareceu em um empreendimento que eu tinha na época, conheceu minha esposa. Trocamos algumas poucas palavras. Um desconhecido pra mim. Ao mesmo tempo, não senti rancor, ódio, raiva ou algo similar. Fiquei leve. Não guardava mais mágoas, consegui compreender que fazia parte da minha história.
E como fazia.
A partir disso, eu estava certo que queria construir uma história diferente para meu núcleo familiar. Escolhi e decidi que, quando fosse pai, estaria perto, presente, ativo, conectado. Assumiria meu papel e me entregaria a paternidade. Para mim, estava nítido que não seria mais um pai a dizer: “Como o tempo passou rápido, não vi meus filhos crescerem”.
Ser pai é um processo que se começa muito antes de se ter um filho

Passado algum tempo, eu e minha parceira de vida Aline já estávamos casados há 8 anos, decidimos abraçar o chamado para sermos pais. Comecei a ser Pai a partir dali. Comecei a centrar minhas escolhas na paternidade desde então.
Em 2019 fomos fazer exames, investigar se estava tudo bem. Minha esposa tinha preocupações com a endometriose. Após exames detalhados, obteve o diagnóstico que se tratava de um caso cirúrgico. Nunca faltei a uma consulta com minha esposa. Olhávamos juntos os exames, pensávamos juntos no caminho.
Eu também fiz todos os exames. Assumi meu papel de homem e pai, e fui entender como eu estava. Também descobri algumas questões de saúde, e passei a tomar disciplinadamente as vitaminas necessárias. Neste ano passamos por este processo de tratamento e cura. Juntos. Esperamos o tempo necessário, e voltamos a tentar.
Engravidamos em 2020. Ficamos eufóricos, chegamos a contar para muitas pessoas. Os exames de ultrassom mostraram que o embrião na evoluiu como deveria. No último, chegamos a ouvir o batimento do coração, que estava em 50% do que deveria estar. Nosso mundo caiu. Saímos mudos do médico, simplesmente abraçados. Liz havia partido. Não sabíamos o sexo, minha esposa nomeou esta vida para permitir que ela partisse em paz. E assim sentirmos paz para tentarmos novamente.
Em 2021, grávidos novamente! Desta vez, a natureza quis que o processo fluísse. Davi estava na barriga da mamãe. Nunca faltei a um ultrassom sequer. Estudamos juntos, fizemos cursos juntos, lemos muitos livros juntos. Falávamos sobre criação de filhos e buscamos encontrar nosso próprio caminho para isso. Estudávamos cada fase da gestação. Eu já era pai, eu engravidei junto.
Um mês antes de Davi nascer, pedi demissão de uma empresa que adorava. Eu adorava aquelas pessoas, e também estava decidido a ser Pai. Fiz uma transição de carreira, e mergulhei no universo do desenvolvimento humano. Teria horários mais flexíveis, reduziria minha jornada de trabalho. Mas e o dinheiro? De onde viria? Não sabia ao certo. Precisava descobrir no caminho. Fui aprender tudo de novo, estagiar em um novo mercado, conhecer gente nova. Saí de Diretor a estagiário, colocando a paternidade no centro das grandes decisões.
Davi nasceu! Viva!
Após 14 horas de trabalho de parto, houve necessidade de partir para cesariana. Após quase 3 anos, a paternidade se materializava naquele bebê. Acessei novas emoções e sentimentos, novas percepções de mundo.
E ali fomos conduzindo o dia-a-dia, aprendendo juntos. Fomos entendendo que escolhas dão trabalho. Amamentação exclusiva, livre demanda, sem chupeta, sem telas, livre demanda de colo, cuidado com os horários de sono. Cada uma destas escolhas requer dedicação.
O Pai precisa mergulhar junto em cada processo, inclusive na amamentação. Hoje eu digo que, se eu tivesse leite, conseguiria amamentar. Eu vivi a experiência de perto com minha esposa, estudando junto, apoiando, lidando com as adversidades juntos. Ajudando na pega, posições, controle dos intervalos. Cuidando muito da minha esposa, porque é um processo muito intenso para as mulheres.

A chegada do pequeno Téo
No final de 2022, após Davi completar 1 ano e 6 meses, entendemos que era hora de iniciar um novo ciclo. Tentaríamos mais uma gestação. Passados mais 6 meses, no início de 2023, grávidos novamente! Mais um menino a caminho: Téo.
E como era diferente a experiência da gestação com o primeiro filho já ativo em terra firme. Aprender tudo novamente, um novo sistema e nova realidade. Precisávamos cuidar muito do irmão mais velho, acolher e ser o apoio. Era tudo muito novo pra ele. E assim fizemos, com muita dedicação e intensidade.
Eu estava empreendendo, iniciando a Escola Atemporal. Aportando capital próprio, trazendo equipe. Empresa em fase inicial, ainda sem ponto de equilíbrio. E é neste cenário que eu precisava tomar uma decisão: Não pediria demissão da minha própria empresa, então como fazer para me dedicar a paternidade novamente com o nascimento do Téo?
Eu já estava dedicando meio período por dia para o Davi (junto com minha esposa) desde de que ele nasceu. Não foi só quando ele nasceu, mas sim todos os dias. Agora, como faria com o Téo?

Decidi que tiraria 6 meses de licença paternidade da minha própria empresa. Minha sócia Gabriela Presto topou o desafio de assumir a Escola Atemporal. Mas como o fundador se afasta tanto tempo de uma empresa que está começando? Realmente, sob a óptica de negócio, não era a hora. Mas esse não é o centro da minha vida. Sob a óptica de paternidade, fazia total sentido. Não joguei esse fardo para minha sócia, eu era o responsável. Se a empresa não conseguisse prosperar, saberia que ela tinha dado o melhor dela e eu era o responsável. Sou muito grato pelo que ela me proporcionou ao topar este desafio.
Eu oscilava entre a angústia de ficar longe, a ansiedade de não saber se a empresa sobreviveria, a culpa de ficar longe de minha sócia em um momento tão importante da empresa.Diariamente precisava retomar meu foco para o centro que escolhi. A paternidade. Relembrar o porquê estava fazendo aquilo.
“Mas eu vou ficar 6 meses só cuidando dos meus filhos?” – Essa era a pergunta que eu me fazia. E fui entender que não era “só”. Era o trabalho a ser feito, o mais importante deles. O ordinário, o dia-a-dia.
A experiência foi tão imersiva, que pouco antes de voltar fiz mais uma escolha. Ouvi minha voz interior, e ela pediu para eu ser coerente com o centro que escolhi para minha vida.
Mesmo sendo um apaixonado pelo desenvolvimento humano, decidi iniciar um novo ciclo também profissional. Eu manteria minha carga de trabalho reduzida, aproximadamente 20h semanais, e dedicaria este tempo também ao tema paternidade. Para encorajar mais homens a se entregarem a este processo, a colocar este papel no centro de suas vidas. A fazer escolhas difíceis de vida e de trabalho, em prol de sua presença junto a seus filhos.
Assim nasceu o @caminhosdepai.
Minha passagem pela educação básica, minha jornada imersiva no desenvolvimento humano e minha experiência intensa na paternidade me trouxeram até este lugar. Hoje estou em busca de convergir tudo isso que a vida me permitiu viver a serviço de outros homens.
Que eu consiga encorajar e apoiar estes Caminhos de Pai. Sim, caminhos. Minha história é apenas mais uma, com os meus próprios limites — mas também marcada por todos os privilégios sociais e raciais que reconheço. Tenho plena consciência de que, em um país tão desigual como o Brasil, muitas experiências de paternidade são atravessadas pela violência, pela ausência, pelo desemprego e pela pobreza. Isso me faz valorizar ainda mais o lugar de escuta e responsabilidade que preciso ocupar.
O que a paternidade fez na minha vida?
Eu sou uma pessoa melhor
Quando escolhi centrar minha vida na paternidade, eu me tornei uma pessoa melhor. Eu evoluí, me tornei mais consciente. Sabe aquela sensação de “não farei nada que não teria coragem de contar para meus filhos”? Então. Isso nos faz mais virtuosos. Nossa integridade aflora, nossa generosidade se manifesta, o cuidador que mora em nós tem mais espaço. E quando erro (e erro muito), me tornei mais humilde para reconhecer e aprender. O erro não me torna um pai pior, ele me torna um ser humano melhor.
Minha relação como casal evoluiu
Estar ao lado da minha esposa nesta jornada nos levou a um nível de conexão muito forte. Entendemos juntos que a vida muda sim quando temos filhos, que não vamos voltar a ter a vida a dois como era antes. Agora nossa vida seria a 4, e aprendemos que isso é transcendental. Revisamos juntos nossos valores, prioridades. Nos esforçamos juntos diariamente para criar filhos saudáveis e equilibrados. A relação é mais profunda, e isso nos trás paz e segurança mesmo diante das adversidades do dia-a-dia.
Minha esposa se manteve saudável
Para a mulher, lidar com o puerpério e os meses seguintes ao parto é um grande desafio. É um período de convalescência, e tendo que manter as rotinas da casa, do filho mais velho e preocupada com o trabalho. Não tenho dúvida que minha presença deixa as coisas mais leves e equilibradas. Equilíbrio não é estabilidade nem ausência de problemas, mas termos sanidade e serenidade para lidar com eles de maneira mais saudável. O bem-estar das mães passa diretamente pela presença do pai com os filhos. A Família se equilibra quando o sistema está completo.

Meus filhos estão e serão mais saudáveis
Nossas dezenas de escolhas em prol de nossos filhos se refletem diariamente no comportamento deles, e principalmente, se manifestarão na fase adulta. Nossa missão é torná-los adultos gentis, corajosos e afetuosos.
Para finalizar, foram muitas escolhas ao longo deste caminho. Caminho este que não tem fim, ele continua. Não tenho um lugar para chegar, tenho um lugar para viver e ser. E é o lugar de Pai, todos os dias, onde o ordinário se torna extraordinário. Onde mora a plenitude, a serenidade, a paz no coração. Mesmo diante do caos, da bagunça dos choros, dos gritos, das birras, paz no coração.
Termino agradecendo ao Instituto PDH pelo convite. Honrado em contribuir com um projeto tão impactante e transformador. Seguimos juntos na missão!
Com carinho,
Roberto Publio
Intagram @caminhosdepai
Youtube www.youtube.com/@caminhosdepai
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