Quem ri por último pouco importa

"Brasil em crescimento" é o que diz a interpretação de analistas sobre os números altos que recheiam as páginas de jornais em todo o mundo. Essa comoção gerada pela expectativa parece deixar as pessoas mais satisfeitas com suas profissões, mais honradas, mais dignas, mais crentes de suas escolhas e mais apegadas à segurança proporcionadas pela moral contemporânia. Este filme já foi visto nos EUA; visto, criticado, plagiado, discutido, esmiuçado até às últimas consequências.

Tirinha da Turma da Mônica com piada sobre deficiente físico. A piada anda sem graça ou nós não temos mais espaço para o humor ácido?

De repente, a necessidade de segurança infecta o humor de tal forma que a piada também só é possível sob seu véu: a piada que antes de tudo assegura que não irá lhe tirar o sono em questionamentos é a válida, a que funciona, é a comédia inteligente! A vida é levada ao pé da letra.

Se eu pretendesse dizer aqui qual o formato da comédia aprovada isto seria uma piada para o futuro. Experimente visitar um arquivo de imprensa ou assistir o que já foi considerado fora de tom. A proximidade e redundância dos valores que vivemos diariamente comumente nos ofusca a perspectiva; condenar os que censuram a comédia vigente soa tão efetivo quanto punir alguém por não conseguir identificar um objeto trazido muito próximo à vista.

Quando finalmente o stand-up brasileiro parecia dar uma "meia-lua A+B" em seu desenvolvimento rumo a novos horizontes, quando, por um breve momento, damos sinais de que podemos alcançar a algo diferente, repentino, empolgante, em vista de nossos empregos, nossa família (a instituição mais impune que já existiu) e nossa ambição, fazemos mais um aborto além do omelete do café da manhã.

"De uma só vez desrespeitou valores sagrados, agrediu mães no seu sublime sentimento de maternidade e pais que tem como missão cuidarem e preservarem seus esperados e indefesos bebês. Perdeu a dignidade, a compostura para não perder a piada infame e de mau gosto (...)como telespectador foi um prazer não ver um cretino continuar se utilizando de um veículo de massa para satisfazer seu próprio ego. Os trapezistas não podem acreditar que voam e os criminosos têm que ser colocados à margem da sociedade (...) você não está nem aí, mas nós estamos aqui!"
trecho de carta publicada por Americo  Buaiz Filho sobre comediante brasileiro em seu próprio jornal, Folha de Vitória.

O comediante tem que se desculpar cedo por sua perspectiva. Num mundo de adultos, quanto mais cruel for a visão que lhe ocorrer comunicar a alguém, mais intensa tem de ser a redenção. O comediante é uma figura que não demonstra se importar com o que chamamos de vida, valores, limites, excessos, ele não está nem aí. Ele experimenta através do discurso, brinca com o possível, reduz a consideração de nossos traumas, e isso parece incomodar bastante os que declaram: estamos aqui!

"Acho absurdo usarem o argumento da liberdade de expressão como justificativa para esse tipo de piada. Não foi para isso que pessoas morreram pela democracia”, diz o escritor, dramaturgo e jornalista Marcelo Rubens Paiva. “Grosseria não é um elemento de humor, é uma questão equivocada de ignorância histórica, de não saber os limites do que é engraçado.”

Rafinha Bastos: um "bobo"

O humorista Marcelo Madureira, do “Casseta & Planeta”, reforça: “Quando você ofende alguém, é porque não houve graça, falhou. O que acho curioso no Rafinha Bastos é que ele tem um tipo de gracejo adolescente. É bobo.” Veja São Paulo - 05/10/11

Sabemos que o incomodo da mudança prejudica os negócios. A incerteza sobre o futuro prejudica os negócios. Para manter o mundo que inventamos em detrimento da insegurança somos capazes de mentir em lençóis de seda. O ego parece ser mais abalado por um questionamento radical do que reafirmado pela pretensão de definir os limites do que é engraçado.

Quem há de definir os limites do humor? Como o sentimento de ofensa frequentemente vincula uma associação do presente a um momento passado, é impossível categorizar seus limites. Se alguém diz que uma piada só é engraçada quando não ofende, o que isto sugere? Que uma piada só é realmente engraçada quando não ofende, ou que ele mesmo deseja moldar o que é engraçado?

A diferença entre um palhaço e um comediante no Brasil é que o primeiro lida com o improviso, o espontâneo, o vivido, a felicidade tendenciosa da leveza, em vez de contratos de patrocínio e reprimendas públicas.

E vocês, caros leitores, do que se permitem dar risada?


publicado em 17 de Outubro de 2011, 11:14
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Danilo Barba

Repórter do Portal AreaH. Há 25 anos na mesma pergunta: o que está acontecendo? Lembra-se diariamente da morte para sair da cama. No Twitter, @criancasqueijo


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