O baque. A porrada. A desilusão. A lista de definições de uma transformação de caráter e/ou determinação de crescimento é do tamanho de sua força. São fatos e passagens que, de modo bastante sutil e subjetivo, exemplificam aquele escondido ritual obrigatório que transforma nosso mundo, ao mesmo tempo que apresenta-nos um novo.
No Brasil e com seu derivado, o brasileiro, isso aconteceu para uma gigante parcela de uma maneira deveras brasileira: pelo futebol.
O esporte amadureceu depois desses fatos (especificamente, as copas de 1950 e 1982). Já os brasileiros, tanto torcedores quanto meros espectadoes, creio eu, incorporaram isso à própria realidade de um modo que servisse de referência. Isso porque o homem precisa de referências. Um dia, uma data, um acontecimento, casos que, quando relatamos nossas mudanças de percepções e caráter, são citados com um entusiasmo que só a dor pode causar.
Duas gerações, dois tapas na cara.
1950

Um dos mais puros e singelos pensamentos de uma criança é a confiança. Aquela barreira invisível que o protege do desconhecido, seja devido ao cobertor da cama ou a presença do pai no cômodo, garante algo que vai além do bem estar: a segurança. A ideia de que tudo está correto, encaminhado e nada mais pode dar errado. Foi assim, com a inocência de um menino, que a torcida e a Seleção Brasileira se prepararam para a Copa do Mundo de 1950.
Tratar o fator casa como vantagem foi o primeiro dos equívocos. O visitante, também aqui visto como inimigo, fortaleceu-se com aquilo que o Brasil preparou para intimida-lo: o Maracanã. A construção do maior estádio do Mundo serviu como motivação para toda e qualquer Seleção. Desde as Europeias, claramente enfraquecidas pela Segunda Guerra, até as Sul-Americanas – mesmo sem a Argentina. O nosso “estufar o peito” e chamar para a briga foi uma atitude irresponsável, até tola. Digna de uma seleção jovem.
Um dia antes da final, a fatídica e tão discutida final, os jornais estampavam “Ganharemos do Uruguai”. Ora, não era à toa. O Brasil jogava em casa, os times Europeus já estavam de volta para o velho continente reconstruindo seus países e havia – ainda(!) – o temido Maracanã. Isso, para um ser inocente, é mais seguro que uma boa noite de sono dormindo entre os pais.
Mas não foi.
Foi um enorme pesadelo.

Esqueçam os choros, as análises que se estendem até hoje e as 4 ou 5 pessoas que morreram no Maracanã durante o jogo. A derrota serviu para algo. Foi a partir de 1950 que o futebol brasileiro iniciou um processo de profissionalização que transformou-se em referência mundial e o deixou ainda mais popular que o remo – esporte mais tradicional do país no início do século.
Foi preciso perder uma Copa do Mundo em casa para ganharmos três das cinco seguintes – fato inédito até hoje.
1982
Primeira Lei de Newton. Inércia.
Um corpo não submetido à ação de forças não sofre variação de velocidade. Isto significa que, se está parado, permanece parado, e se está em movimento, permanece em movimento em linha reta e a sua velocidade se mantém constante.
Eis uma lei da física que não se aplica ao futebol. E o Brasil caiu nessa armadilha da inércia. Nosso movimento não se manteve na mesma direção.
Pelo contrário: regredimos.

A Copa do Mundo de 1982 deveria servir como do futebol brasileiro. É bastante claro: perdemos 50, ganhamos 58, nos consagramos em 70 e faríamos mais história do que nunca em 82. Curiosamente, tudo voltou-se para isso. A geração de jogadores e comissão técnica era a melhor desde a época de Pelé – e não tinha influência da Ditadura na escalação, como no anos anteriores.
A Copa do Mundo agora era do outro lado do oceano. Porém, o vírus daquele clima e festa de 1950 foi junto no avião até Sevilha. E por mais que isso fosse claro e admitido – tanto por imprensa como para torcedores – parecia haver argumentos para acreditar. A Seleção desfilava em campo e atropelava quem aparecesse pela frente. Demorou pouco para que a confiança se transformasse em soberba.
“O meu é melhor que o seu e vai te arrebentar”, diziam os torcedores menos céticos. Assim, a maioridade ética adquirida com o vexame de 1950 foi engolida pela ganância.
A Seleção Brasileira se tocou para a frente. Venceu a Argentina da Maradona e tomou-se de orgulho. Eis que surgiu a Itália. Somente um empate, um simples empate contra aquela seleção decadente que ainda não havia vencido no Mundial garantia o Brasil na final.
Veio Paolo Rossi.
Veio até o empate num golação de Falcão.
Mas veio um Telê Santana, possivelmente o melhor treinador de futebol que o país já teve, jogando o time para o ataque e buscando a classificação com vitória, não empate.
E aí veio mais um gol de Paolo Rossi.
A Itália foi para a final. A Itália foi campeã do Mundo. O Brasil ficou tal como sua postura naquele jogo indicaria: chupando o dedo.

Essa derrota de toda uma geração tem nova importância na construção do futebol brasileiro. A partir da metade dos anos 80 e inicio dos anos 90, descobrimos que era preciso, sim, continuar jogando como Brasil. Mas tinha muita gente boa jogando na Europa. O futebol vistoso descobriu que nada se ganha sem construção tática – até mesmo uma retrancada competição de tiro curto, como as Copas.
É óbvio que ninguém quer perder. Mas a idealização da derrota precisa ir além da vitória do adversário. O mero fato de admiti-la demonstra enfraquecimento de orgulho, uma postura adulta. O jogo, seja ele qual for ou qualquer resultado render, é vitorioso. Ou como escreveu Nelson Rodrigues após a final da Copa do Mundo de 1950 sintetizando com maestria o fracasso:
“Explode o silêncio.”
Perde-se, silencia-se, aprende-se. Continuamos crescendo.
Mecenas: Schweppes
Não tem nada a ver com idade: um menino se torna um homem quando começa a ter atitude de um.
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