O Projeto de Lei n. 518/09, que altera os casos de inelegibilidade e dá outras providências, ou, como todos nós conhecemos, Projeto Ficha Limpa, é assunto recorrente na imprensa, afinal não é pequeno impacto que ele pode gerar em nosso país.
Se você é um cidadão bem esclarecido e já leu muitas opiniões sobre o projeto, pode pular os dois primeiros tópicos. Se não saberia falar 5 minutos sobre o tema, então siga lendo. 😉
Estamos começando a entender o que é democracia
Tudo começou em abril de 2008 quando o Movimento de Combate à Corrupção Nacional iniciou o Movimento Ficha Limpa, com o objetivo de, por meio de iniciativa popular, apresentar um PL (Projeto de Lei) que alterasse a atual Lei que regula as hipóteses de inelegibilidade.
Apresentar um Projeto de Lei de iniciativa popular à Câmara dos Deputados não é tarefa fácil, já que é necessário juntar assinaturas de 1% do eleitorado nacional, distribuído por pelo menos 5 Estados, com o mínimo de 0,3% dos eleitores de cada um deles; além de outros requisitos quase impossíveis.
Apesar da dificuldade, um ano e meio depois, conseguiu-se recolher mais de 1.300.000 assinaturas em papel (fora as mais de duas milhões online), possibilitando então a apresentação do Projeto de Lei Ficha Limpa.
Exatamente o que esse PL pretende mudar?
A atual lei que traz os impedimentos de elegibilidade é muito falha por diversos motivos, resultando diretamente na impunidade que circunda nossos políticos. Hoje, mesmo aqueles que são condenados a diversos crimes graves, como racismo ou até mesmo homicídio, não são impedidos de se candidatar e muitas vezes conseguem se eleger.
Outra falha, e possivelmente a mais grave, é que o candidato só se torna inelegível quando todas as possibilidades de recurso no Judiciário estão esgotadas. Quem acompanha de perto o andamento dos processos no Judiciário sabe que um processo que vai até a última instância recursal pode demorar mais de dez anos para ser concluído. Resultado? O bonitão comete o crime, é eleito, é reeleito, faz o filho ser eleito, faz o filho ser reeleito, morre, vira pó e só aí seu processo é concluído.
Aí é que entra o Projeto Ficha Limpa.
Em seu texto original, além de aumentar o número de crimes que impedem a elegibilidade, como homicídio doloso, crimes contra o meio ambiente e utilização de trabalho escravo, ele traz uma celeridade muito maior ao procedimento que torna o candidato “ficha-suja”, pois aceita que a mera procedência da representação no TRE (Tribunal Regional Eleitoral), recebimento da denúncia (oferecida pelo Ministério Publico) ou condenação em primeira instância já impeça o candidato de se eleger.
Esta possível inovação da lei trouxe algumas polêmicas. Não há o risco de membros do judiciário (leia-se aqui, Ministério Público e Juízes) atuarem com fortes motivações políticas?
Claro que este risco existe. É impossível afirmar que 100% dos membros do Poder Judiciário agem com imparcialidade. Porém, diferentemente do que ocorre com os políticos, os membros do Judiciário tem suas atitudes muito controladas internamente. Não é tão incomum ver um juiz ou promotor sendo afastado por ter praticado condutas que ferem a ética de sua profissão.
Como eu já disse, não há como afirmar que o sistema será a prova de falhas, mas, entre ver algumas decisões com motivações políticas (e que podem ser facilmente corrigidas em instâncias superiores do Judiciário) e ter políticos criminosos decidindo o futuro de nosso país, acredito que a primeira opção é a melhor.
E como está o projeto agora?
O Projeto é basicamente uma revolução no nosso sistema eleitoral e sua aprovação interessaria a todo o povo brasileiro. Mas, obviamente, interessa a pouquíssimos políticos e, como não poderia deixar de ser, este projeto está nas mãos deles.
O projeto foi apresentado no Plenário da Câmara, pelo Deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ) em 29/09/2009.
Daí em diante, após muita enrolação, algumas emendas foram propostas e finalmente votadas no dia 19/05/2010, com a aprovação de algumas delas. A principal mudança é que só se tornará inelegível aquele que for condenado por um órgão colegiado, o que, na prática, significa órgãos de segunda instância. A coisa toda não será tão rápida quanto se esperava, mas já tornará o processo bem mais rápido do que é hoje.
Houve muita polêmica sobre uma alteração, de cunho semântico, proposta pelo Senador Francisco Dornelles (PP-RJ), pois se suspeitava que ele pretendia livrar a cara de Paulo Maluf, do mesmo partido, com a mudança. Ele trocou o termo “tenham sido” por “os que forem”. Claro, parece pouca coisa, mas argumenta-se que isso muda a lei no tocante aos processos em andamento, já que, se o processo ainda está em andamento e o candidato já foi condenado em um órgão colegiado ele faz parte do “tenham sido” (condenados) e, portanto, não seria possível aplicar a esta Lei nestes casos.
Os líderes das organizações ligadas ao projeto afirmaram que este jogo de palavras não trará nenhuma mudança na prática.
Só falta o OK do presidente…
Estamos perto, bem perto, agora só falta o Presidente da República sancionar o projeto.
O mais interessante para o Brasil seria que este projeto fosse sancionado até o dia 5 de Julho, prazo para registro das candidaturas, pois assim, apesar de ainda haver alguma discórdia entre os juristas, a Lei poderia ser aplicada ainda nessas eleições.
Com a sanção desse projeto, pode-se dizer que o Brasil deu um grande passo, ao menos simbólico, para uma política mais ética e justa. Não é o paraíso, não é a solução para nossos problemas, mas representa a indignação de todas as pessoas honestas que perambulam por nosso país e que resolveram lutar pelo que entendem ser o certo.
Se tiver interesse, acompanhe o andamento no Twitter @fichalimpa e faça sua parte divulgando essas informações para o maior número de pessoas possíveis. É possível também se cadastrar no Portal Câmara e ser notificado das mudanças.
Referências e leituras
• PDF do texto na íntegra mais atualizado do projeto
• “Ficha Limpa: Vamos ler e criticar o projeto atual?”
• “Ficha suja e elegibilidade”
• Primeiro texto sobre o Ficha Limpa aqui no PdH
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.