Trata-se de um pequeno universo incrustado dentro do nosso. A Prisão de San Pedro é a maior em La Paz, Bolívia, habitada por cerca de 1.500 presos. Até aí, seria tudo igual, se não fossem os detalhes em especial. Diferentemente da maioria dos presídios de todo o mundo, este lugar é uma comunidade auto-organizada com suas próprias bancas de comida e produtos, restaurantes, cabeleireiros e possui, dentro dela, até um hotel.

Ah, e sem guardas.

Por lá, todo mundo anda livremente. Inclusive mulheres e crianças

Em San Pedro, uma espécie de cidade prisão se criou, onde os prisioneiros são livres para viver com suas famílias e comprar o que quiser sem medo da repressão dos guardas. Na verdade, não há vigilantes dentro da grande prisão, nem barras nas janelas ou bloqueadores de celular. Com isso, os presos têm a relativa liberdade de ir para onde quiserem. A polícia não interfere nos assuntos dos presos, que são esperados para resolver seus próprios problemas, com a ajuda de representantes eleitos democraticamente.

A cadeia é dividida em oito alas que sobem em qualidade e, claro, preço – do mais pobre ao mais luxuoso. Na área mais “popular”, a maioria dos detentos vivem aglomerados em única sala dividida em células. Já no setor “La Posta”, os presos que podem pagar para viver em grandes células confortáveis ​​com casa de banho privativa, uma cozinha, TV a cabo e até mesmo jacuzzi. Mas custa entre US $ 1.000 e 1.500 para comprar um desse por toda a sentença.

Embora as autoridades deem uma relativa liberdade, há um pequeno porém: os detentos têm que pagar por suas celas, não importa o quão pequeno ou sujo seja. Assim, a fim de pagar o aluguel ou comprar as celas, a maioria deles tem que trabalhar como pessoas normais fazem no exterior de San Pedro.

Alguns vendem mantimentos, outros trabalham em barracas de comida ou como carpinteiros e cabeleireiros.Durante o dia, a prisão parece um bairro pobre comum, com os homens indo e vindo de suas rotinas diárias, crianças correndo pelas ruas e as mulheres cuidando das famílias. Sim, há crianças na cadeia, mas os pais afirmam que é melhor dentro de San Pedro que nas ruas de La Paz, onde elas seriam discriminadas.

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Como haveria de ser, nem tudo são flores em San Pedro. Se por um lado, existe uma liberdade para que os detentos se organizem, trabalhem, cresçam como pessoas, a falta de guardas acaba transformando o local numa espécie de quarentena, num simulacro de Ensaio sobre a Cegueiraque acaba por se tornar, muitas vezes, bem danoso.

As autoridades não costumam intervir na ambientação criada pelos internos, a menos que haja um grande tumulto e o sistema de leis e regras é criadas pelos próprios presos. Com isso, aquele que sai fora da linha é severamente punido pelos outros presos, alguns até mortos. Ainda assim, à noite, a prisão da Bolívia não é exatamente o lugar mais seguro do mundo.

Link YouTube | Um dos vídeos gravados dentro da cadeia de San Pedro

Os presos roubam um do outro e lutam com facas sem temer uma intervenção externa. Há muitas mortes naturais e “acidentais” registradas a cada mês, mas isso não parece incomodar ninguém muito, nem aos presos e menos ainda as autoridades. Fora o fator das drogas que são produzidas lá dentro e traficadas como das mais puras da Bolívia. Esse assunto chegou a chamar a atenção (finalmente) das autoridades, que deram fim a um crescente “turismo” que figurava no local. Pessoas conseguiam, pagando aproximadamente 250 pesos bolivianos, fazer um tour pela prisão.

Como boatos começaram a correr rapidamente, alguns dos “curiosos” visitavam San Pedro apenas pra consumir a cocaína poderosa oriunda do lugar. Daí a coisa ficou feia pro lado dos guardas e a palhaçada toda foi cortada. Ao menos em teoria. Bem provável que ainda haja muitas, infinitas maneiras de se visitar e conhecer um mundo apartado do nosso, mas que funciona – em menor escala – como o nosso. Pelo menos os detentos de lá são menos alienados e anestesiados que os nossos.

Mas ambos continuam sendo agrupados para se aperfeiçoar em crimes, malandragem, deterioração e higienização social.

Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados