#PrimeiroAssédio: não dá pra esquecer

Mulheres relatam as primeiras vezes que foram assediadas, ainda crianças

Eu tinha sete anos.

Como uma menina comum, também tinha uma melhor amiga e a gente gostava de brincar juntas. Em meados dos anos 2000, a internet surgia como uma ferramenta pra nós. Passávamos um bocado de tempo cuidando dos nossos neopets online. Jogando tic-tac-toe no MSN. Navegando no site da Turma da Mônica.

A página tinha um chat. Combinaríamos nicknames iguais para que nos localizássemos na rede se não estivéssemos juntas na casa dela naquele dia. Numa conversa banal, no bate-papo da Turma da Mônica, trocamos MSN com outra criança com quem jogaríamos online.

Webcam ligada. “Vocês são tão bonitinhas. Põe um shorts pra eu ver?”

Não fosse a supervisão da avó da minha amiga, que interrompeu o abuso de imediato, qual seria o próximo passo? Aos sessenta anos, Dona Maria não sabia ligar um computador, mas reconheceu um assédio de longe, como qualquer mulher poderia.

O meu #PrimeiroAssédio não foi o último. Nunca é. Ainda lembro de quando um homem parou um carro no meio da avenida pra que eu, adolescente na época, entrasse. O barulho das buzinas atrás dele ainda ressoa aqui no ouvido. Me recordo também de quando, na balada do mês passado, um cara segurou minha mão e me puxou tão forte que me impediu de continuar meu caminho. De quando eu, uma menina sempre quieta e reservada, fui parabenizada por ser uma mulher exemplar – “Viu? Essa aí é das boas! Quase não abre a boca, não fala nada, silenciosa”.

Pois agora eu vou falar. Junto de todas as minhas irmãs que estão botando a boca no trombone desde ontem, incentivadas pela hashtag #PrimeiroAbuso que o Think Olga criou frente à violência que a irmã Valentina está sofrendo.

A participante do Masterchef Júnior tem doze anos e está sendo alvo de pedofilia. O debate sobre a cultura do estupro veio com tudo, junto das piadas de mau gosto. E é por isso que seguimos lutando. É por isso que não me calo mais e compro a briga seja com quem for.

E me escuta, porque eu tô falando com você. É seu dever impedir que a violência contra a mulher aconteça ao seu redor. É sua obrigação convencer o seu pai de que aquela piada que degrada tua mãe e tua irmã na mesa do almoço de domingo deve ser abolida. É sua responsabilidade coibir o teu amigo que está usando de coerção pra enquadrar uma mulher na parede até que ela o beije. Cabe a você refrear teu vizinho que bate na esposa.

A gente não vai parar de gritar.

 


publicado em 23 de Outubro de 2015, 11:52
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Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.


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