Nosso Supremo Tribunal Federal vai começar a discutir, amanhã, a constitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas que criminaliza porte e uso pessoais de entorpecentes no Brasil:

Lei nº 11.343/Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

O debate foi posto em pauta pelo defensor público Leandro Castro Gomes – o advogado defendeu Francisco Benedito de Souza, detento que assumiu a posse de três gramas de maconha achadas por agentes que inspecionavam um marmitex. A defesa de Leandro, em 2009, foi baseada na inconstitucionalidade da acusação, já que, em suas palavras, “ninguém poderia ser punido por uma decisão pessoal, que não interferia e não lesionava os direitos alheios”.

Hoje, se a gente anda com um baseado no bolso, não temos como saber se somos usuários ou traficantes: ainda não há quantidade definida de uma certa substância que a caracterize para uso próprio – isso é, a diferenciação entre porte pessoal e tráfico fica nas mãos do jurista responsável, caso a caso.

Das diversas ideias que escuto sobre a regulamentação, há quem argumente a favor, apontando consequências socialmente benéficas como redução da população carcerária brasileira, respeito às liberdades individuais, desmistificação do uso e uma possível diminuição da demanda do tráfico, em razão da produção própria e consequente desoneração do estado em políticas de guerra às drogas, que matam muitos civis e militares todos os anos, além de propulsionar esquemas de corrupção nessas dinâmicas.

Mas não dá pra deslegitimar opiniões adversas, que dizem que a medida poderia impulsionar o consumo de entorpecentes e consequente número de dependentes químicos, impactar a saúde individual e pública – o uso de uma das drogas ilegais mais leves, a maconha, pode interferir no desenvolvimento corporal e social de um adolescente -, onerando o sistema público de saúde, e até facilitar o mercado de drogas, justamente porque autoriza a produção caseira – quem de nós vai ser o próximo Walter White?

Façam suas apostas

Mas alguns dos argumentos – favoráveis ou não à descriminalização – podem ser melhor esclarecidos.

A redução da população carcerária brasileira que poderia vir em consequência da mudança seria relativa à quantidade de droga caracterizada como uso próprio. Nos mares navegáveis da internet, me deparei hoje com uma publicação bem interessante da Folha de S.Paulo com uma estimativa gráfica dos dados – Portugal, por exemplo, considera para fins de uso próprio até 25 gramas de maconha. Se esse mesmo número fosse aplicado ao Brasil, haveriam 29% menos pessoas presas sob o crime de tráfico. Já o México estipula para uso próprio o limite de 5 gramas. Se o número adotado fosse similar a este, a população carcerária relativa ao tráfico de drogas seria só 9% menor.

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Por outro lado, experiências de outros países estão mostrando que a descriminalização de uma droga não necessariamente implica em aumento no número de usuários – na Holanda, onde o uso da maconha é regulamentado e existem mais de 1500 bares vendedores da erva, só 5% da população é usuária, enquanto nos EUA, onde a substância é rigorosamente proibida na maioria dos estados (por enquanto), esse índice fecha em 9%. Além disso, havia na louca Amsterdã, em 1980, dez mil usuários de heroína – esse número caiu para a metade depois da regulamentação da maconha, que é considerada uma droga mais leve que a primeira.

Café diferente esse aí

E quem não lembra de quando o Uruguai adotou política semelhante no ano passado? O secretário nacional de drogas do país chegou a reconhecer que a medida poderia resultar num aumento do número de usuários, mas também declarou que, depois da regularização, as mortes por tráfico no país chegaram a zero.

O debate que vai tomar o STF a partir de amanhã deve focar nos limiares da constitucionalidade da Lei Antidrogas – se ela é ou não violação da vida privada, baseados no artigo 5º da Constituição. Ainda assim, não acho que a conversa sobre os múltiplos efeitos que a medida pode gerar não deve se restringir ao campo legislativo da coisa – precisamos discutir sobre como anda a nossa maturidade para lidar com entorpecentes e os impactos que diferentes medidas podem gerar na saúde geral da população, e também refletir sobre a nossa própria relação com as drogas que, lícitas ou ilícitas, suprimem e estimulam sensações, sofrimentos e experiências estéticas naturais.

Vamos botar esse papo mais pra frente? Me chama aqui nos comentários com outros links relacionados à regulamentação de drogas. Vale, principalmente, experiências e pontos de vista que venham a somar numa visão mais ampla sobre isso.

Pra complementar a leitura

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  3. Um pequeno case sobre o comércio ilegal de maconha
  4. Cracolândia: desespero de quem?
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  6. Pesquisa analisa efeitos do uso da maconha por adolescentes ao longo da vida

Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.