Em algum momento no fim do ano passado descobri uma janela aberta na minha agenda de trabalho. Minha filha tinha pouco mais de dois anos de idade e percebi que estava mais esperta em sua observação do mundo. Sempre aspirei passar minha experiência e conhecimento para ela, e a melhor forma, na minha opinião, não seria falando, mas lhe mostrando o mundo.
Então reparei esse bloco de oito dias disponíveis logo adiante, e imediatamente comprei passagens de avião para o dia seguinte, uma véspera de natal.
Não levamos a mamãe conosco porque ela precisava trabalhar, e isso se tornou uma ótima desculpa para uma miniaventura de pai e filha.
As regras eram simples.
-
Eu queria que a sensação fosse de um evento casual, não muito planejado e bem pé-no-chão. Só reservei quartos com um dia de antecedência, de forma a manter o itinerário espontâneo e fluído.
-
Eu queria ficar longe de cidades grandes, já que queria passar tempo a sós com minha filha, e não só fazer uma rota turística.
-
Fiz o compromisso de manter a mente aberta, e também de permitir que a pequenina tivesse voz sobre como a viagem se daria.
Em resumo, acho que foi uma das melhores viagens que já fiz na vida, e sem dúvida uma memória com minha filha que guardarei para sempre.
Acabamos andando de bicicleta na costa leste de Taiwan, passamos um tempo com filhotes de vários animais numa fazenda, navegamos em barcos de pescador, corremos atrás de trens, subimos colinas e nos abrigamos de uma tempestade – e juntos vivemos mais risadas do que birras.
Isso foi o que aprendi:
-
Crianças pequenas têm modos sofisticados de comunicação. Elas são muito mais espertas, empáticas e entendedoras do ambiente do que pensei inicialmente. Descobri que era muito mais fácil me comunicar com ela usando linguagem e raciocínios adultos. Estávamos juntos em uma terra estranha, e isso nos deixou os dois fora de nossas zonas de conforto. Tão logo percebíamos ser um time de iguais, precisando um do outro para apoio moral e decisão, prontamente qualquer situação melhorava.
-
A maior parte dos medos é infundada. Quando mencionei essa viagem para amigos e família pela primeira vez, as perguntas (e presunções) mais comuns foram, “como é que ela vai tirar a soneca da tarde?”, “A criança precisa de sua mãe!”, “Isso não é uma rotina normal para ela. Ela pode fazer algo assim quando for bem mais velha!”. Acho que são pontos válidos, mas também é o caso que cada vez mais nos protegemos de tudo, com garfos e bordas de mesa até o chão especialmente desenhados para segurança de crianças, e vendidos bem caro via campanhas de marketing que se aproveitam do medo dos pais. Compreendo que os pais, inclusive eu, queiramos sempre a maior segurança possível, mas o problema é que precisamos confiar um pouco que as coisas darão certo para ter experiências interessantes na vida. Precisamos aceitar certo risco, sem dúvida com supervisão de adultos. E com sensibilidade de adultos.
-
É melhor para o mundo que ele esteja centrado nos pais, e não nas crianças. Na Ásia, onde vivo, há uma tendência de dar a seu filho tudo que você pode. Isso é esperado, e também é algo enraizado no confucionismo. Porém em Pequim, onde vivo, vejo muitos pais fazendo sacrifícios por seus filhos enquanto as crianças acabam mimadas muito cedo. Não tolero ver crianças de 3 ou 5 anos dando tapas em seus pais e avós em público, e certamente não quero que minha própria filha se porte desse modo. Ao fazê-la vivenciar diversos ambientes e conhecer as várias facetas de Taiwan, ela rapidamente aprendeu a se adaptar ao nosso mundo.
-
É uma experiência incrível para o pai. Realmente. Eu não passei pela experiência de passar nove meses e meio com ela em minha barriga, e sempre me senti meio como um líder de torcida ao lado da mãe – sempre me pareceu que fiquei de fora da experiência toda. Naturalmente, minha filha é mais próxima à mãe, e o pai é sempre uma segunda opção, ou terceira. Nesta viagem dedicada a passar tempo com minha pequena com poucas distrações, finalmente tive a oportunidade de me ver totalmente no papel de pai, em igualdade com a mãe. Sim, eu tenho que trocar as fraldas, dar o leite, botar para dormir, mas tudo isso é bem fácil. O melhor de tudo é que consegui ser um pai para ela e lhe dar todo suporte necessário.
Sim, a experiência faz você reconhecer bem mais o valor da mãe ou de seu cônjuge. Ainda não sei bem como elas fazem, mas agora tenho muito mais reconhecimento pelo que as mães realizam. Esposas e mamães, se vocês desejam que seus parceiros compreendam como é ser uma de vocês, convençam-nos a fazer uma viagem com os pequenos, sem vocês. Repentinamente ficamos cientes de cada pequena coisa. Os dois sinais que vem logo antes dela fazer birra. Quando um sim fraquinho quer dizer na verdade um não. E esses são os tipos de coisas que os homens (ok, talvez seja só eu) não captam numa criança pequena, bem como o que já disse, que suas personalidades já são extremamente sofisticadas mesmo nessa tenra idade.
-
Estabelece uma amizade duradoura. Antes da viagem sempre tive um relacionamento saudável com ela, mas a viagem realmente nos fez apreciar mais um ao outro. Desde que viajamos juntos, me parece que conseguimos nos conectar através de memórias e experiências compartilhadas, e isso realmente nos aproximou. A mamãe concorda, então parece ser uma boa coisa.
***
Nota da tradução: O artigo foi originalmente publicado em inglês no Medium do autor.
publicado em 10 de Abril de 2016, 00:05