Por que procrastinamos? (e um exercício sugerido)

Procrastinar pode ser o gatilho para uma espiral negativa, mas um estudo recente sugere que ser carinhoso consigo mesmo pode ajudar a atingir seus objetivos

Muitas vezes, porque temos receio de falhar na tarefa e pavor de todas as autoavaliações negativas que poderiam resultar de um fracasso. 

Inconscientemente, sentir-se bem consigo se torna mais importante do que atingir alguma meta.

"Já vou, já vou... só preciso de um segundo..."

Mas a procrastinação, certamente, dispara outros sentimentos negativos sobre nós mesmos – recriminações e ruminações por “fracassar” ao tomar uma atitude.

Em vinte anos trabalhando como psicoterapeuta, testemunhei por tantas vezes como a paralisia frente a uma tarefa ou problema pode levar a níveis cada vez mais altos de autocrítica e autodepreciação, uma espiral negativa descendente que se autoperpetua.

A maioria das técnicas de combate à procrastinação foca em maneiras de mudar o comportamento de uma pessoa: apenas comece, tome uma atitude, qualquer tipo de atitude. 

Mas um estudo recente sugere uma abordagem diferente: seja gentil consigo.

Baixa autocompaixão, alto índice de estresse

Fuschia M. Sirois, da Universidade de Bishop, no Canadá, examinou se a autocompaixão – gentileza e compreensão consigo em resposta a uma dor ou erro – poderia estar relacionada a procrastinação e estresse e ao sofrimento que a procrastinação causa.

O estudo, publicado em Self and Identity, pediu a mais de 750 participantes para completar um questionário que mede os níveis de autocompaixão e seus componentes: gentileza consigo em resposta a um erro ao invés de se julgar severamente, reconhecendo que compartilha as mesmas lutas com procrastinação com muitas outras pessoas ao invés de se sentir isolado ou a única pessoa a passar por isso, percebendo de forma ampla sua situação difícil ao invés de se identificar com autoavaliações negativas. 

Os participantes também reportaram os seus níveis de procrastinação e estresse.

Sirois encontrou que as pessoas inclinadas à procrastinação tinham menores níveis de autocompaixão e maiores níveis de estresse. 

Uma análise mais detalhada revelou que procrastinação pode aumentar o nível de estresse – particularmente entre as pessoas que apresentam baixa autocompaixão.

De fato, os seus resultados sugerem que a autocompaixão pode cumprir um papel importante na explicação do porquê a procrastinação pode gerar tanto estresse para as pessoas: “Autojulgamentos negativos e sensação de isolamento quando se está procrastinando pode ser uma experiência estressante”, ela escreve, “que compromete o bem-estar daqueles que apresentam um comportamento crônico de procrastinação”.

Sirois sugere que intervenções que focam em aumentar a autocompaixão podem ser particularmente benéficas para reduzir o estresse associado a procrastinação porque a autocompaixão permite que a pessoa reconheça as desvantagens da procrastinação sem se identificar com emoções negativas, ruminações negativas e uma relação negativa consigo. 

As pessoas mantêm uma sensação interior de bem-estar que as permite o risco de falhar e tomar uma atitude.

“A autocompaixão é uma prática adaptativa que pode… fornecer um amortecedor contra as reações negativas de eventos relevantes para a pessoa”, escreve a autora. 

A implicação é que através da interrupção do elo entre procrastinação e autoimagem negativa, a autocompaixão pode nos ajudar a evitar o estresse associado com a procrastinação, libertando-nos daquela espiral descendente, e nos ajudando a melhorar o nosso comportamento.

O estudo de Sirois não prova que a falta de autocompaixão causa diretamente a procrastinação ou que a baixa autocompaixão é o que faz com que a procrastinação seja tão estressante. Enquanto esse estudo revela associações interessantes, estudos mais específicos precisam ser realizados para relacionar autocompaixão, procrastinação e estresse. Esse foi o primeiro estudo realizado para examinar o papel da autocompaixão nessa equação entre procrastinação-estresse.

Em um estudo relacionado, outros pesquisadores descobriram que pessoas que se julgam menos por suas experiências de erro ou fracasso experienciaram menos procrastinação posterior. 

Sirois argumenta que porque a autocompaixão é uma postura mais global em direção aos próprios erros do que específica com relação a um único fato, isso pode ser ainda mais útil no tratamento da procrastinação.

Um exercício sugerido: se dar um tempo autocompassivo

“O curioso paradoxo é que somente quando eu me aceito, eu posso me transformar.” – Carl Rogers

As demonstrações de Sirois ressoam com estratégias que ofereci aos clientes na minha prática psicoterápica.

Eu ensino clientes a dar um tempo autocompassivo toda vez que eles se apresentam tomados por uma sensação de dor ou fracasso, seja causada pela própria pessoa ou por eventos fora de seu controle. 

Baseado nos exercícios de Kristin Neff no livro Self-Compassion, o tempo autocompassivo permite a pessoa desenvolver a compreensão de que o autojulgamento é uma resposta muito humana para as várias experiências humanas, evitando assim as ações que podem disparar ainda mais o autojulgamento.

Sugiro que os clientes adotem esse tempo autocompassivo quantas vezes eles puderem, assim que se encontrarem nesses estados de mente e de pensamentos negativos automáticos que a procrastinação pode disparar, para que esse tempo se torne um recurso positivo e automático.

Que tal se tratar com mais carinho, pra variar?

Abaixo, seguem os cinco passos de como praticar:

1. Algumas vezes no dia, pare o que estiver fazendo e se pergunte: 

“O que eu estou experienciando nesse momento exato? Há algum diálogo interno negativo, culpa ou vergonha acontecendo?”

2. Ao invés de seguir com o diálogo negativo ou tentar corrigir isso interrompendo esse diálogo, simplesmente pare, coloque as mãos no centro do seu coração e diga a si mesmo(a) palavras de gentileza, como “Está tudo bem, querido(a). Isso é difícil mesmo…”. 

Esse simples gesto de gentileza e cuidado consigo pode ativar o sistema fisiológico de cuidado (ao invés de ativá-lo com o a voz autocrítica), o que começa a provocar um relaxamento e a abrir seu coração e sua mente para a autoaceitação, para assim se abrir a escolhas e possibilidades.

3. Seja gentil consigo se a intenção de começar o exercício de autocompaixão como esse dispara mais autojulgamento e procrastinação. Você também pode dizer a si: 

“Que eu me sinta seguro(a) nesse momento. Que eu me liberte do medo, do estresse, da ansiedade. Que eu me aceite exatamente como sou, aqui e agora. Que eu saiba que eu posso ser habilidoso(a) nessa tarefa”.

4. Então, mergulhe em um momento de tranquilidade, dando suporte a si mesmo e essa experiência, com atenção e autoaceitação, respirando em uma sensação de conforto, calma e paz interior.

5. Então, escolha fazer algo que te ajudará a sentir uma sensação de movimento em uma direção positiva. Não precisa necessariamente ser sobre a tarefa ou projeto que você vem procrastinando. 

Redirecione sua atenção para algo agradável, confortante, significativo e recompensador; tire alguns momentos para expressar gratidão por aspectos positivos na sua vida antes de seguir com as tarefas do dia; converse com um bom amigo ou colega; perceba se você está construindo uma sensação de bem-estar e melhor enfrentamento com o que quer que você vá fazer a seguir.

* * *

Por fim, aguardo as percepções e experiências de vocês nos comentários. 

* * *

Leituras de aprofundamento sugeridas:


Nota editorial: texto traduzido por Carol Bertolino, que recentemente conduziu o encontro "Autocompaixão", pel'o lugar.


publicado em 17 de Julho de 2015, 22:51
Linda graham

Linda Graham

Experiente psicoterapeuta, mora em San Francisco. Em seu trabalho e nos workshops que ministra pelos EUA, integra neurociência, práticas de mindfullness e psicologia relacional.


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