Antes de responder ao leitor, quero registrar a minha satisfação ao receber esta pergunta, pois o leitor identificou-se como sendo cidadão angolano (talvez por isso tenha escrito SIDA e não AIDS). É a Papo de Homem na era da globalização.

Poderia responder com uma simples frase: Porque o mosquito não pica.

mosquito
Mosquito varão de verdade não pica, ele só descansa em cima de você pra tirar onda.

Quem o faz é a mosquita. Sim, pois o mosquito passa a vida sem se alimentar, só a fêmea o faz, para nutrir seus ovos. A única função do mosquito é reprodutiva e ele vive apenas para isso (Viver só para se reproduzir? Dá até uma certa inveja).

Tá, mas e se a fêmea me picar?

Gracinhas à parte, muitas pessoas apresentam tal questionamento, afinal, se a AIDS é transmitida pelo sangue, e o mosquito pica uma pessoa infectada, possivelmente poderia transmitir tal doença.

Afinal, é assim com inúmeras outras, como a malária, dengue, filariose, etc. Mas não é bem assim que a banda toca. Fato é que o mosquito não transmite o HIV.

Imunidade Inata

É necessário aplicar aqui o conceito de imunidade inata. Quando falamos em parasitoses ou infecções, existem certas espécies que são, digamos, incompatíveis.

Por exemplo, é impossível o vírus da cinomose canina infectar um ser humano. Ou então uma Taenia solium (tênia) infectar um cavalo. Outros agentes conseguem infectar ou parasitar múltiplas espécies, como a já citada tênia (que infecta porcos e seres humanos), o vírus da raiva e os supracitados agentes transmitidos pelo mosquito.

cavalo
Fudeu, aquele pirralho que me cavalgou ontem passou lombriga pra mim, droga!

Resumindo, quando um agente é imcompatível com um hospedeiro, chamamos isto de imunidade inata, ou seja, o “hospedeiro” é naturalmente imune a tal agente. E o mosquito apresenta imunidade inata ao HIV.

Adicionalmente, o mecanismo de transmissão de agentes como a malária e a dengue depende da capacidade destes de driblar o sistema digestivo do mosquito, se reproduzir, e infectar as glândulas salivares do inseto, assim na próxima picada, ele sai junto com a saliva. Coisa que o HIV não faz. Em resumo, o HIV é digerido pelo mosquito.

Mas e se…

Ainda assim, poderia surgir um questionamento: Mas e se o mosquito picar uma pessoa e logo após picar outra, não pode transmitir?

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Para responder tal dúvida, passemos breve informação sobre os hábitos alimentares do pobre inseto. Na imensa maioria das vezes, o mosquito pica uma pessoa só. Isso porque ele precisa digerir o volume “degustado”, o que leva tempo. Nesse tempo, os eventuais vírus presentes no mosquito morrem.

Aham, entendido. Mas e se…

Mas digamos que um destes picou uma pessoa com AIDS e foi espantado, e ainda com fome, partiu para cima de um humano soronegativo. O HIV é um vírus que apresenta quantidade circulante muito baixa no sangue humano.

Pela média circulante e pelo volume parcialmente aspirado pelo mosquito, estudos calcularam que nessa hipótese, uma pessoa precisaria ser picada por 10 milhões de mosquitos que acabaram de picar um HIV positivo, e isso para receber UM mísero vírus.

Mesmo que a pessoa esmague o mosquito e o sangue dentro deste seja esfregado na ferida, a quantidade é mínima. É fato comprovado que a infecção pelo HIV é dependente da quantidade de vírus inoculado. Sendo assim, uma cópia do HIV, se injetada em pessoa normal, não é capaz de desenvolver a doença.

Pra encerrar com os paranóicos de plantão

protegido-contra-mosquito
“Agora sim, estou seguro!”

Por fim, cito outro fato sobre a anatomia do mosquito. A probóscide (por onde o mosquito pica e suga o sangue) não é igual a uma agulha hipodérmica.

Em uma agulha, existe só uma luz (canal), por onde ocorre o fluxo, bidirecional. O mosquito regurgita saliva ao picar (por isso transmite as doenças cujos agentes proliferam nas glândulas salivares destes), mas a probóscide apresenta DOIS canais diferentes.

Um é apenas para sugar o sangue, e o outro para depositar a saliva. Sendo assim, os vírus que entram no mosquito não têm como sair, pois o fluxo é unidirecional.

E assim, podemos economizar Baygon e Autan.

Dr Health, que não é um dos “Médicos sem Fronteiras”, mas conseguiu levar um pouco de ajuda à África.

Mauricio Garcia

Flamenguista ortodoxo, toca bateria e ama cerveja e mulher (nessa ordem). Nas horas vagas, é médico e o nosso grande Dr. Health.