Por que o aumento de caracteres do Twitter pode representar um caminho sem volta para a web?

Cada vez mais o conteúdo fica hospedado sob domínio de alguns poucos grandes da rede e seus algoritmos

Corre o boato de que o Twitter planeja aumentar para 10.000 o limite de caracteres de um tweet.

O número assusta, principalmente se comparado aos atuais 140, mas a rede não é mais a mesma e alguns fatores podem nos ajudar a entender essa possível decisão.

As ações da companhia continuam caindo e seu valor de mercado é metade do que era há um ano. O Twitter também passa por dificuldade para aumentar sua base de usuários e teve diversas mudanças estruturais, com Jack Dorsey, co-fundador da rede, assumindo o posto de CEO e a saída de quatro alto executivos há poucos dias.

Aos 39 anos, Dorsey tem seu patrimônio avaliado em US$2.2 bilhões

Mudanças recentes, como o lançamento do Moments, ainda não bastaram para aumentar a base de usuários em velocidade suficiente para apaziguar os ânimos dos investidores, o que torna o aumento para 10 mil caracteres uma possível solução.

Se esse aumento de caracteres se concretizar, será a maior mudança que o Twitter já sofreu em sua história. E mudará não só a rede social, mas a web como um todo.

Duas perguntas ficam: Por que agora? E o que isso muda?

O Beyond140  e a justificativa do CEO

Segundo os rumores, o projeto que estuda e planeja essa mudança é chamado internamente de Beyond140 (Além dos 140, em tradução livre) e é visto com bons olhos pelo CEO.

Já estariam sendo testadas maneiras pra que essa mudança seja adotada sem afetar o tempo de engajamento do usuário. É provável que os tweets de 140 caracteres continuem aparecendo na timeline e, quando você clicar em determinado tweet, ele deve ser expandido e mostrado completo.

A justificativa do CEO Jack Dorsey é que as pessoas na verdade já fazem uso de mais de 140 caracteres, mas escrevendo seus textos em um editor e subindo para a rede como uma imagem. Ele mesmo usou a técnica para esta explicação.

A empresa acredita que, permitindo a publicação direta de textos maiores, eles poderiam ser pesquisados e, além disso, todo o processo se tornaria mais ágil. Um motivo plausível, mas é difícil crer que seja o único para uma mudança dessa magnitude.

Uma resposta ao Instant Articles?

O Facebook anunciou, em meados do último ano, uma nova ferramenta: o Instant Articles. Ela permite que jornais e veículos produtores de conteúdo publiquem suas matérias e reportagens diretamente na rede social.

A promessa do Facebook é de mais agilidade e alcance para os veículos, e com o uso cada vez maior da rede social e consumo de informação através dela, empresas como o Times, BBC e Buzzfeed já começaram a usar o Instant Articles.

Mas a ferramenta deu início a um forte debate sobre quais serão suas consequências para a imprensa e produtores de conteúdo em geral, e quão perigoso e nocivo é deixar o Facebook como o publisher e controlador de todo esse conteúdo.

O aumento de caracteres do Twitter parece seguir a mesma filosofia da ferramenta da rede de Mark Zuckerberg, o que mudaria o papel que o Twitter sempre teve (mais que outros espaços, como o próprio Facebook) de muitas vezes apenas ser um meio de chegar no conteúdo armazenado em outros domínios, para se tornar uma rede na qual o conteúdo é cada vez mais armazenado em seu próprio domínio.

E isso pode ser perigoso para todos que usam a internet.

Os muros aumentam, nossa navegação passa por mais filtros

A internet está mudando.

O lugar repleto de domínios e hiperlinks que foi o motivo da necessidade de buscadores está se transformando em uma rede na qual acessamos poucas páginas que se utilizam de diversas técnicas para prender nossa atenção o máximo de tempo possível.

Não passamos mais nosso tempo navegando entre diversos domínios em busca de conteúdo como antigamente.

Hoje, na maioria das vezes,  acessamos um número escasso de espaços que funcionam também como curadores da web. Curadoria essa feita por algoritmos desconhecidos que analisam nossos gostos e hábitos de uso, pensando em como nos manter o máximo de tempo conectados à rede.

Isso forma verdadeiras bolhas, que acabam por não nos mostrar conteúdo diferente do que já nos interessa.

E o futuro aponta para que esse cenário se torne cada vez mais comum. Alguns usuários do Facebook já não fazem ideia que estão usando a internet quando estão na rede. De certa forma, não estão errados.

A internet está se tornando um local repleto de espaços que não conversam entre si. E dos quais poucos são donos.

Caso o aumento de caracteres do Twitter aconteça, outra rede adota medidas para manter ainda mais seus usuários pelo maior tempo possível em seus próprios domínios, em seu cercado repleto de altos muros.

É algo que, de certa forma, muda a web. Porque representa a última grande rede social que contribuía para uma internet aberta se tornando um local mais fechado, que busca que mais conteúdo esteja em seu próprio ambiente.

Instagram e Snapchat são, por natureza, assim. O Facebook busca isso com o Instant Articles, e dá preferência a conteúdos hospedados na rede através de seus algorítimos. E o Twitter, com seus 10 mil caracteres, agora se alinha a essas redes.

Isso traz outras consequências.

A partir do momento em que todos os dados estão reunidos em um único lugar, quem o controla é responsável por todas as decisões e, não se engane, elas serão sempre voltadas ao benefício próprio.

Com algoritmos cada vez mais especializados, nossas informações também estão nessa equação. Hoje o Facebook consegue saber, com poucas centenas de curtidas, mais sobre nós do que qualquer pessoa. Quão seguro é deixar uma companhia com todo esse poder?

Isso não é benéfico para nenhum de nós, usuários. É comum centralizar o debate em como isso afeta a mídia, mas a verdade é que afeta todos que usam a web.

Cabe a reflexão para quando você fizer seu primeiro tweet de 10 mil caracteres ou ler a primeira notícia no Instant Articles: sua melhor experiência de uso compensa uma internet controlada e definida por poucos?

Para ler mais sobre as mudanças da web

A Web que temos que salvar, por Hossein Derakhshan

Twitter Isn’t Raising the Character Limit. It’s Becoming a Walled Garden, por Will Oremus

Millions of Facebook users have no idea they’re using the internet, do Quartz

The birth of philanthrocapitalism, do Economist

How India Pierced Facebook’s Free Internet Program, por Lauren Smiley

Twitter perde US$ 521 milhões em 2015 e não aumenta nº de usuários, do G1 [atualizado em 11/02/2016]

Twitter heard you: The 140-character limit is here to stay
, do Washington Post [atualizado em 28/03/2016]


publicado em 07 de Fevereiro de 2016, 00:05
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Bruno Pinho

Estagiário do PapodeHomem e estudante de jornalismo.


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