Nota da edição: Este artigo foi publicado originalmente aqui, mas sua republicação foi autorizada pelo autor. Ele é o primeiro de 3 em uma série sobre Curadoria de Conteúdo.

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O universo digital segue crescendo exponencialmente, sem sinais de desacelerar. Para completar, informações são cada vez mais fragmentadas, dificultando a compreensão integral dos acontecimentos. Nessa série, vamos entender qual o papel a curadoria desempenha no futuro da internet e aprender a não se deixar sufocar pelo volume monumental.

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“Você é o que você come”. 

A máxima do nutricionista Victor Lindlahr, declarada em 1923, procurava explicar que a alimentação tem grande influência sobre a saúde. De fato, hábitos alimentares podem dizer muito sobre nosso estilo de vida, mas não só eles. Somos seres complexos, formados por gostos e experiências distintos. O meio como um todo possui parte característica na construção da nossa personalidade. Dessa forma, seria mais cabível dizer “você é o que você consome”, da comida ingerida à notícia lida.

Numa comparação interessante entre a industrialização de alimentos e da informação, Clay Johnson sugere em seu livro A Dieta da Informação que, da mesma forma que o excesso de alimentos pouco saudáveis pode resultar na obesidade, muita informação sem relevância e mal construída pode nos tornar ignorantes. Alguns especialistas de comunicação costumam usar “excesso de informação” para descrever o que ocorre quando somos expostos a um extenso volume de conteúdo, mas Johnson revela que a expressão engana, porque ninguém morre de excesso de conhecimento. Nosso cérebro não possui limite de armazenamento como discos rígidos. No entanto, o contato sem propósito com esse acúmulo de informação pode provocar ansiedade e perda de tempo.

Por falar nisso, uma porção enorme de conteúdo continua sendo produzida. O número de páginas indexadas pelo Google passou de 1 trilhão para 30 trilhões nos últimos 7 anos. Razões consideráveis indicam que não há o menor sinal desse crescimento ser desacelerado. Entre elas, a adoção de estratégias de high volume (The Washington Post publica cerca de 1.200 posts por dia), o aumento de conteúdo automatizado e de nicho, a cultura do vídeo e a expansão do acesso à internet pelo mundo. E é aqui que os algoritmos entram na história.

 

A força invisível que cerca o conteúdo online

Em recente pesquisa feita pela Pew Research Center a respeito do consumo de notícias nos dias atuais, a maioria dos usuários se mantém informada sobre o que acontece no mundo por redes sociais. Tal hábito evidencia o famoso “filtro bolha” (termo cunhado por Eli Pariser).

Criados para solucionar problemas ou completar tarefas, os algoritmos seguem evoluindo para níveis capazes de emular a mente humana. Na tentativa de refinar a pesquisa e a organização dos dados, os filtros gerados pelos algoritmos selecionam e apresentam as publicações de acordo com os interesses de cada usuário.

Se de um lado tornam a navegação na rede mais fácil, do outro reduzem a diversidade ideológica, fragmentam informações importantes para compreensão completa dos fatos, e inserem pessoas em nichos de pensamentos semelhantes. Essa força invisível, que gere todo conteúdo online, tem capacidade de moldar decisões e emoções dos usuários sem que eles percebam, conferindo aos que a controlam uma injusta posição de poder. Mas será que os algoritmos são os únicos culpados?

FONTE: PEW RESEARCH CENTER

O valor do acaso e da oposição

Num episódio do podcast This American LifeAndy Woolworth, responsável pelo desenvolvimento de novos produtos numa das maiores fabricantes de ratoeiras do mundo, confessa que o seu próprio cargo não tem tanta relevância para o setor. O modelo tradicional de ratoeira desempenha o trabalho de modo exemplar, matando ratos 90% das vezes. O motivo é simples: ratos percorrem a mesma rota várias vezes por dia, bastando colocar uma armadilha em qualquer parte dela para eles serem pegos.

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Para complementar, um relatório realizado pela Fundação Mozilla, ainda em versão preliminar e focado na saúde da internet, revela um dado alarmante: 55% dos brasileiros acham que a internet se resume ao Facebook. Em outras palavras, a culpa pela existência da bolha não é só dos algoritmos. Nossas escolhas contribuem diretamente para a centralização do poder em grandes corporações.

Na cultura de excesso e de fácil reverberação de mentiras, a responsabilidade individual nunca foi tão vital para a saúde intelectual da sociedade.

O objetivo principal de um editor é dar às pessoas o que elas querem ver e o que elas precisam saber. O papel de um curador se equipara ao de um editor, recebendo uma nova camada: a de identificar e separar o essencial do superficial.

Um bom trabalho de curadoria pode certamente ajudar a evitar que nos tornemos ratos. Precisamos variar nossa rotina online, em vez de acessar os mesmos sites todos os dias, cedendo vez ou outra ao acaso. E devemos nos dar o desconfortável luxo de mudar de opinião. Tanto um quanto outro não apenas emergem como hábitos fundamentais nesta era, como também proporcionam o prazer de experimentar novas perspectivas.

 
Foto: Austin Kleon

É hora de levar curadoria a sério

Já deu para perceber que a curadoria de conteúdo desempenha função crucial em nossas vidas e no futuro da internet. Mas, para os mais céticos, vale listar alguns valores reais que ela acrescenta ao âmbito profissional:

1) Ajuda a estabelecer a pessoa, a marca ou o negócio como fonte confiável de informações de qualidade sobre o tema escolhido ou indústria.

2) Oferece a oportunidade de interagir com frequência com o público.

3) Fornece insights de novas pautas para blogs, newsletters, posts em redes sociais, etc.

4) Aumenta as chances de citações espontâneas pelos usuários.

5) Mantém o foco em você e na sua marca.

Na esfera pessoal, os valores são ainda mais gratificantes. Eles também servem como resumo de tudo o que falamos nesse primeiro artigo e se mostram como boas práticas de transformação para serem adotadas:

1) Melhorar a percepção sobre a qualidade e relevância do que se consome.

2) Solucionar a ansiedade causada pelo FOMO (Fear of Missing Out), soltando o controle sobre o que não dá para ser controlado.

3) Identificar e não impulsionar visões limitadas.

4) Contribuir para a saúde da internet, disseminando conhecimento, empatia e compaixão.

 

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Nos próximos artigos, vamos mostrar como realizar o trabalho de curadoria, fazer as informações trabalharem a nosso favor e como aproveitar melhor o que se consome. 

O segundo vai ao ar aqui no PdH dia 14/04!

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Danilo Novais

Jornalista e curador de conteúdo. Faminto por novas ideias e boas conversas. Seleciona e entrega pequenas doses de referências essenciais numa bonita newsletter a cada 15 dias, chamada Elemental.