Festa da democracia. Grande momento eleitoral. Exercício de cidadania.
Link Youtube | Você sabe como fazer uma campanha eleitoral?
Nada disso tocou o frio coração de milhões de brasileiros neste último dia 7 de outubro. E, por mais detestável que pareça ser, anular o voto é sim exercer o papel de cidadão.
Ao contrário do que parece, uma boa razão que leva as pessoas a anular o voto é um protesto contra o voto obrigatório e não a esperança que seja convocada uma nova eleição na qual os candidatos do primeiro pleito não poderão concorrer.
Mesmo porque é fácil saber o que acontece quando uma eleição é anulada. Basta ver onde isso já aconteceu:
“O município de Novo Hamburgo (RS) fará nova eleição para a Prefeitura no dia 6 de março de 2005. Até lá, assume o posto de prefeito o futuro presidente da Câmara de Vereadores, que será escolhido no dia 1º de janeiro. (…) Tanto Jair Foscarini (PMDB) quanto Tarcísio Zimmermann (PT), respectivamente primeiro e segundo colocados na eleição de 3 de outubro, tiveram suas candidaturas cassadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por terem participado da inauguração de uma obra pública durante a campanha.”
(Fonte: Terra)
Ambos os candidatos poderiam se “recandidatar”. Apenas Foscarini o fez e foi eleito com mais de 2/3 dos votos.

A história do voto nulo
Este artigo muito bom da Super Interessante joga um pouco de luz sobre essa ideia de anular o voto:
“Na história, o voto nulo já foi uma bandeira ideológica.
Era uma ideia básica dos anarquistas, um dos movimentos utópicos que nasceram no século 19 e fizeram sucesso no começo do século 20. Para eles, votar nulo era uma condição para manter a própria liberdade, se recusando a entregá-la na mão de um líder.
Anarquistas como o filósofo francês Pierre-Josef Proudhon não viam grande diferença entre reis tiranos que oprimiam seus súditos e presidentes eleitos pela maioria. ‘Não mais partidos, não mais autoridade, liberdade absoluta do homem e do cidadão’, pregava Proudhon.
O sonho dos anarquistas era uma sociedade organizada pelas próprias pessoas, sem funcionários, sem autoridades e sem líderes.”
No Brasil, tivemos alguns casos bem famosos de votos nulos. Como em 1958, quando um rinoceronte foi o vereador mais votado em São Paulo.
“O jornalista Itaboraí Martins brincou com isso, lançando a candidatura de Cacareco ao cargo de vereador. (…)
Naquela época, a eleição era na base do papel e do envelope. O eleitor recebia um envelope das mãos do mesário e, dentro dele, botava a cédula do seu candidato, fosse ele quem fosse. Houve uma adesão gigantesca à candidatura de Cacareco e várias gráficas, de brincadeira, imprimiram cédulas com o nome do bicho. Muita gente achou legal ir pra rua e fazer campanha em nome do rinoceronte.”
Protestar é coisa de hipster
Protestar é bacana e tal. É bonito, até. Mas precisa abdicar de escolher um candidato? Faz sentido deixar na mão dos outros uma escolha que inevitavelmente vai influenciar sua vida? Fazer sentido não faz. A não ser que você não concorde com nenhum dos candidatos.
Digamos que numa eleição majoritária qualquer você precisa escolher entre um ladrão e um assassino. Ou um político autoritário e um corrupto. Ou um incompetente e um ficha suja. Ou apenas candidatos de esquerda/direita e você é de direita/esquerda.
Vai sentar e chorar a falta de opção?

Uma analogia é muito eficaz para ajudar a entender a situação. Você quer fazer churrasco de costela, mas no açougue do supermercado só tem carne de frango e linguiça. Você escolhe o frango? Ou a linguiça? Por que você escolhe algo que não lhe satisfaz?
Porque você é obrigado por lei a ir escolher frango ou linguiça, mesmo que queira costela. Aí vai e escolhe uma coxinha qualquer apenas para não perder a viagem. Viagem que você foi obrigado a fazer.
Voto obrigatório? Não, o voto é gratuito!
No Brasil, somos obrigados a votar. Tá certo que é fácil justificar o voto, mas mesmo assim é preciso se locomover até uma seção eleitoral, que pode ficar um pouco longe da sua casa, eventualmente entrar em fila e só então votar.
Caso queira justificar o voto o processo é parecido. Também se precisa ir na seçao, preencher um formulário e passar por uma burocracia. Quem não justifica é multado em R$ 3,50.
Ou seja, como somos obrigados a votar, “exercer a cidadania” é grátis. Quem não exerce que deve pagar. Assim, milhões de brasileiros vão desmotivados e desinteressados às urnas para participar da “festa da democracia” a tempo de ver o Domingão do Faustão. Que por sinal também é grátis.
O impacto do voto desinteressado é que qualquer número serve. Se é assim, por que não votar no sujeito da minha igreja, do meu bairro ou aquela moça bonita que fala “e aí, beleza?”.
O profundo desinteresse eleitoral aparece refletido nas campanhas dos nossos representantes. Mesmo candidatos a posições majoritárias se esquivam de ter ideias claras. Todo mundo é a favor de mais segurança, escola e saúde.
Para se diferenciar, um candidato da minha cidade decidiu colocar parte de sua plataforma nas suas peças de campanha. A frase dizia “mais dinheiro para os pobres, menos impostos para os ricos”.
“O importante é lembrar o número do candidato”
Existem várias categorias de produtos de consumo que se percebe uma comunicação tão ampla, com uma grotesca falta de distinção entre si. Nesses casos, a publicidade se limita a fazer com que os consumidores se lembrem da marca, pois as pessoas terão de comprá-los de qualquer forma. Gasolina, cerveja ruim, cigarros, a lista segue.
Sim, as campanhas eleitorais são tão carentes de sentido quanto as propagandas de cerveja ruim. Assim como eram as propagandas de cigarro. Isso porque é a presença na mente do cliente que fará com que um produto similar a todos os outros seja o escolhido, ao invés de um outro qualquer.
Esta mesma lógica é aplicada nas campanhas políticas, principalmente para os cargos não-majoritários. Os candidatos não têm espaço para falar sobre si. Aliás, isso não importa, porque o que eles querem é que você se lembre do número dele.
Quanto menos você souber dele, melhor.
Mas por que anular o voto?
Anula-se o voto porque não tem nenhum candidato cuja experiência, plataforma ou proposta interessa. A própria eleição não interessa. Não vai mudar nada – e geralmente é melhor que não mude mesmo. Quem anula o voto provavelmente ficaria de fora da eleição se não fosse obrigado a votar.
Mas o problema não são os votos anulados. São os votos válidos feitos por pessoas tão desinteressadas quanto aos anuladores que precisaram escolher um candidato e decidiram pelo “menos pior”.
Afinal, se não tem costela, que se leve a linguiça para casa.
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