Podemos mudar o nome das ruas, mas não devemos enterrar a memória da ditadura

O relatório da Comissão Nacional da Verdade foi divulgado. O que fazemos agora?

No último dia 16 de dezembro, a cidadezinha gaúcha de Taquari ganhou as manchetes dos principais jornais do Brasil. Local de nascimento do marechal e ex-presidente Arthur da Costa e Silva (1967-69), o município de 27 mil habitantes tinha, na principal praça da cidade, um busto que homenageava o militar. Tinha, no passado. Com a inclusão de Costa e Silva no relatório da Comissão Nacional da Verdade que reúne 377 nomes de agentes do Estado que foram responsáveis por crimes durante a ditadura militar, o prefeito da cidade, Emanuel Hassen, mandou derrubar a peça. 

O busto foi removido para o museu que funciona na antiga casa de Costa e Silva, e será exibido junto com o relatório da Comissão

Há quatro meses, em agosto, foi a Câmara de Vereadores de Porto Alegre que alterou o nome da "Avenida Presidente Castelo Branco" para "Avenida da Legalidade e da Democracia". Em Salvador, o governo do Estado já mudou oficialmente – a pedido de alunos, ex-alunos, professores e responsáveis pela instituição – o nome do Colégio Estadual Presidente Emílio Garrastazu Médici para Carlos Mariguella. 


Medidas similares já aconteceram no Chile e na Argentina, e mais decisões como essa devem acontecer nos próximos meses. Em São Paulo, que tem vias como o Elevado Presidente Arthur da Costa e Silva (Minhocão) e Humberto Castelo branco (Marginal Tietê), o prefeito Fernando Haddad promulgou lei que prevê a troca de denominações referentes “à autoridade que tenha cometido crime de lesa-humanidade ou graves violações de direitos humanos”. 


Atos simbólicos como esses são importantes. Só que, tendo em mente a reaparição de correntes favoráveis a uma nova intervenção militar no Brasil, penso que deveriam funcionar apenas como um chamado para a enorme necessidade que ainda temos de nos debruçar sobre o período mais repressivo da história do País. 


Precisamos conversar sobre os desaparecidos. Precisamos conhecer os desdobramentos da tortura. Precisamos reconhecer que as práticas do regime ditatorial ainda ecoam naquelas que são empregadas nossa Polícia Militar. Precisamos ensinar aos nossos filhos que borracha ou Lei de Anistia alguma apaga o sangue derramado na luta pela democracia. 


Devemos seguir em frente. Mas também não podemos esquecer. 


“O progresso, longe de consistir em mudança, depende da capacidade de retenção. Quando a mudança é absoluta, não permanece coisa alguma a ser melhorada e nenhuma direção é estabelecida para um possível aperfeiçoamento; e quando a experiência não é retida, como acontece entre os selvagens, a infância é perpétua. Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”. 
George Santayana 

Nota do Autor: um muito obrigado ao Fred Fagundes por pautar essa discussão na minha cabeça e relembrar a última frase do parágrafo acima em uma postagem no Facebook.


publicado em 26 de Dezembro de 2014, 02:07
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Ismael dos Anjos

Ismael dos Anjos é mineiro, jornalista e fotógrafo. Acredita que uma boa história, não importa o formato escolhido, tem o poder de fomentar diálogos, humanizar, provocar empatia, educar, inspirar e fazer das pessoas protagonistas de suas próprias narrativas. Siga-o no Instagram.


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