PL prevê que mães possam incluir pai no registro dos filhos sem a presença do homem

O projeto de lei visa reduzir o abandono paterno já que mais de 5,5 milhões de brasileiros não têm o nome dos pais registrados em suas certidões de nascimento.

Mais de 5,5 milhões de brasileiros não têm o nome dos pais registrados em suas certidões de nascimento. Este dado é de 2013 e sabemos que o número vem crescendo nos últimos 10 anos. Só em 2021 foram cerca de 100 mil crianças registradas apenas sob o nome da mãe. 

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O abandono paterno é um problema imenso e que não se resolve apenas incluindo o nome do pai na certidão de nascimento. Os milhões de brasileiros que não tiveram o pai presente na rotina de cuidado ultrapassa em muito a casa dos 5. No entanto, ter o nome do pai no registro é uma segurança que permite responsabilizações legais. 

No ato de registrar uma criança, o pai pode ir sozinho, com os documentos da mãe, e fazer o registro, no entanto a mãe não pode fazer o mesmo. Caso o pai não compareça no cartório, o nome dele não constará no registro. Para incluir esse responsável, a mãe precisa entrar com um processo judicial de reconhecimento de paternidade.

Dois projetos de leis - 2655/2021 de autoria da Erika Kokay (PT/DF) e o 4069/2021 proposto por Carlos Bezerra (MDB/MT) - propõe que as mães possam declarar no registro, quem é o pai, ainda que este não compareça no cartório. Caso este homem não reconheça a paternidade, cabe a ele entrar com um processo judicial e provar que não é pai. 

As três formas de registro atuais:

[Estas três formas se referem a registros de filhos biológicos nascidos de arranjos heterossexuais. Registros de famílias em outra configurações, sejam elas LGBTQIAP+,  ou estejam em processos de adoção, podem ser enquadrados em outros procedimentos]

1- Registro em conjunto:  

Os responsáveis pela criança vão juntos registrar – indicando o nome de ambos. A genitora carrega um documento do hospital confirmando a filiação e o pai atesta em palavra ser o responsável pela criança.

2- Registro feito somente pelo pai: O pai vai sozinho registrar o filho – indicando o nome da mãe e o seu. Nesse momento, o pai carrega um documento do hospital confirmando a identidade da mãe e atesta em palavra sua paternidade. 

3- Registro feito somente pela mãe:

Nesse caso a mãe não carrega nenhum documento público que ateste quem é o pai. Então a certidão é feita registrando o nome da mãe e sem o nome do pai. 

A mudança abriria uma nova possibilidade para esse terceiro caso:

3.0 - Registro feito somente pela mãe:

Nesse caso a mãe informaria os seus dados e os dados do pai, ainda que não tivesse um documento público de comprovação da paternidade. No registro passa a constar ambos os nomes e, caso o homem indicado não reconheça a paternidade, cabe a ele entrar judicialmente com pedido de retificação.

A lógica aqui é inverter o ônus da prova.

Hoje, em caso de ausência paterna, a exigência de comprovação recai sobre a mãe, sendo mais uma sobrecarga para além do abandono da responsabilidade. 

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Vale considerar que quando o pai não consta no registro, o pedido de reconhecimento recai sobre alguém que a princípio está desatrelado judicialmente da família requerente. Diante do abandono parental, quando não é do interesse desse homem "desatrelado" reconhecer o filho, são frequentes os movimentos para adiar o processo de reconhecimento,

Ao inverter o ônus da prova, o pai já está atrelado judicialmente a esta família e, caso não reconheça, passa então a ser do seu interesse fazer a prova de paternidade, que pode desobrigá-lo ou confirmar seu vínculo. 

Mas é possível atestar apenas pela palavra da mãe? Qual a base jurídica para isso? 

A base jurídica, segundo a autora do projeto, é a igualdade de direitos garantida pela constituição: se a palavra do pai tem peso jurídico para declarar paternidade, a da mãe também deve ter. 

“Quando as leis civis determinam que apenas o homem pode declarar a paternidade [...] estão incorrendo em evidente inconstitucionalidade, porque à palavra do homem é dado peso jurídico absoluto, enquanto à da mulher é dado peso praticamente nenhum. 

Certamente a maternidade é uma realidade biológica de muito mais evidente comprovação do que a paternidade, mas em um mundo onde a tecnologia de análise DNA já é bem avançada não mais se justificam essas diferenciações. Tratando-se, pois, de uma mera averiguação laboratorial, porque impedir o registro do(a) filho(a) com a simples declaração da mulher? 

É evidente que pode haver tentativas de atribuição de paternidade falsas ou abusivas, mas a tecnologia do DNA garante que, se este for o caso, responda a mulher criminalmente pela falsidade da declaração. Logo, havendo já solução legal para possíveis fraudes, por que continuar deixando a criança sem nome do pai no registro de nascimento até o final de uma longuíssima ação de investigação de paternidade, sujeita a todas as demoras típicas do judiciário? “  

Se quiser manifestar apoio a essa lei, assine a petição pelo Avaaz.

Da obrigação judicial a responsabilização genuína:

Esta proposta de mudança é uma alternativa que busca resolver questões legais. Com o aumento dos reconhecimentos de paternidade, fica mais fácil cobrar obrigações financeiras, como o pagamento de pensão alimentícia. No entanto sabe-se que o auxílio financeiro muitas vezes fica aquém dos gastos da criança, não supre a ausência do pai nas atividades de cuidado e no desenvolvimento do laço afetivo com as crianças.

Para mudar a realidade da presença paterna no dia a dia precisamos revolucionar a cultura sobre o que é ser pai e sobre masculinidades responsáveis.

O que acham sobre essa possível mudança?


publicado em 22 de Março de 2022, 11:29
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Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro "Amulherar-se" . Atualmente também sou mestranda da ECA USP, pesquisando a comunicação da sexualidade nas redes e curso segunda graduação, em psicologia.


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