“Olá,
Já faz um ano e meio que minha conta bancária só fica positiva durante os quatro primeiros dias do mês.
Recebo R$4000 de salário no dia 01, já com a conta 2000 reais negativos, e a maior parte dos 2000 reais que “sobram” duram até dia 05, quando pago meu aluguel, meu cartão e as contas da casa. A coisa segue e no dia 01 do mês seguinte já estou devendo cerca de 2000 reais para o banco de novo. A cada mês parece que chego no dia do meu salário devendo um pouquinho a mais.
Não sei o que fazer para regularizar a situação. Não é nada grave perto das histórias que escuto por aí, não acho que eu precise de um empréstimo, mas sinto que deveria ser mais responsável. A ideia de mostrar meu extrato bancário para alguém (para alugar uma outra casa, por exemplo), me assusta.
Se puder dar um conselho, agradeço.
Rafael”
* * *
Rafael, na verdade a situação não parece tão grave simplesmente porque você compra, todo mês, um dos produtos mais caros que o banco possui: o cheque especial. Não fosse um produto tão disponível (e agressivo), ficaria mais fácil enxergar a situação real.
Faltaria dinheiro até pro supermercado.
Produtos analgésicos
O banco é uma empresa que conta com um portfólio grande de produtos financeiros e é através da venda desses produtos que ele sobrevive e dá aos seus acionistas lucros enormes.
O cheque especial é um desses produtos. Ele não resolve a situação, mas ameniza a dor. É muito utilizado porque não necessita de contratação. Ele está lá, tinindo, misturado com as linhas do extrato. É o famoso “limite” pré-aprovado.
Prático e popular, ele mantém o jogo rodando, mas cobra caro.
Nosso medo de encarar a realidade
É comum permanecermos no cheque especial por muito tempo, pagando taxas absurdas, ao invés de pedirmos um empréstimo. Isso acontece por conta de dois motivos principais:
- ao pedir um empréstimo nos colocamos oficialmente na posição de endividado. Não tem mais desculpa, não tem mais “mês que vem eu ajeito”, é fato: temos uma dívida;
- pedir um empréstimo implica em olhar cuidadosamente para a situação. Requer ir ao banco, decidir quanto pedir, decidir em quantas vezes pagar. É um compromisso (bem dolorido) que vai se estender, provavelmente, por alguns anos.
O problema é que essa medida temporária confortável é muito cara. Enquanto o cheque especial cobra taxas de juros de até 10% ao mês, o empréstimo pessoal pode ser obtido por taxas próximas de 3%.
Longe de ser uma pechincha, mas muito mais vantajoso. O cheque especial é um produto de emergência, utilizá-lo regularmente é rasgar dinheiro.
Como fazer, na prática?
É necessário, primeiro, estimar qual o valor seria necessário para colocar as coisas no eixo. Para isso, uma análise bem simples resolve. Pode ser até mesmo por tentativa e erro: com 7 mil o que aconteceria nos próximos 3 meses? Com 5 mil? Com 3 mil? E assim por diante.
Com o montante determinado, a melhor coisa a fazer é ir ao banco pessoalmente e negociar com o gerente a melhor taxa possível (a maioria oferece contratação através do internet banking, mas geralmente é uma péssima opção!). Bons bancos conseguem, dependendo da situação, taxas entre 2 e 3%.
É comum a gente se enganar dizendo que não cabe uma parcela de empréstimo no orçamento, mas a verdade é que essa parcela de empréstimo vai substituir a pancada de juros que estava sendo paga todos os meses por conta do cheque especial. Essa, inclusive, é uma boa maneira de estimar quando poderíamos pagar todo mês, e pode ser utilizada para determinar a quantidade de parcelas que iremos assumir.
Técnica de guerra
Feito o empréstimo, a melhor coisa a fazer é cortar o limite do cheque especial. Sem dó.
Ser orgulhoso e dizer que não vai cortar porque quer exercitar o auto-controle é igual ser alcoólatra e se recusar a, durante certo período da vida, jogar fora todas as garrafas de casa e evitar as tentações. Ideia bem ruim.
O perigo do alívio
Como o cheque especial é muito popular, ele não oferece a sensação de fundo de poço e, portanto, nos priva da oportunidade de experimentar o caos. É ruim, mas seria muito útil para evitar uma possível recaída.
Quando o dinheiro do empréstimo chega, somos assolados por uma sensação agradável de recomeço. Nossa auto-confiança retorna, temos vontade de começar direitinho — é igual comprar caderno novo e caprichar na letra nas primeiras folhas.
É a melhor hora para começarmos fazendo diferente. Se não fizermos algo diferente, em poucos meses estaremos na mesma situação desconfortável de antes.
A ideia, claro, não é virar alguém obcecado. Mudanças extremamente drásticas não funcionam, mas dá para aproveitar o respiro para colocar algum direcionamento e um mínimo de planejamento.
Para quem quer dicas de como começar a colocar a casa em ordem, sugiro esse percurso:
- "Um começo para quem não sabe por onde começar"
- "O que todo mundo sabe ou pensa que sabe"
- "Quatro atitudes para serem tomadas hoje"
Para quem já tomou coragem para fazer a transição de “cheque especial constante” para empréstimo, como foi?
Que outras dicas tem para quem ainda está em cima do muro?
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