Quando eu era criança, minha mãe trabalhava como professora de ensino infantil e me cobrava bastante a respeito dos estudos. Certa vez, numa tarde de preguiça, aleguei que não estudaria porque não tinha o caderno que havíamos combinado de comprar. Desculpa esfarrapada.

Minha casa era uma casa de professora, tínhamos papel e cadernos usados em todos os cantos. Poderia pegar qualquer um e utilizar as folhas em branco. Eu estava me enganando. Nas palavras dela, se eu quisesse mesmo estudar, o faria escrevendo no rolo de papel higiênico.

Rebato com esse raciocínio sempre que alguém diz que não começa a poupar porque não sabe onde investir, ou que não se organiza porque não sabe utilizar o Excel, ou ainda que está esperando receber um salário maior antes de começar a pensar em um planejamento mínimo. Auto-sabotagem.

Acredito muito em um viés mais prático, mão na massa. Faz, analisa, refina, faz de novo. Então, transpondo o raciocínio para as questões financeiras, não faz sentido esperar.

Então, o que eu faço para me organizar agora?

Seguindo a mesma linha: comece. A partir do momento que enxergamos dinheiro como energia, torna-se extremamente necessário entendermos de que maneira empregá-lo hoje para que tenhamos chances de direcioná-lo da maneira que desejamos.

Um ótimo primeiro exercício pode ser pegar uma folha em branco e rabiscar em que o último salário foi gasto.

Neste momento não é necessário planilha, calculadora, ábaco, nada. Papel e caneta. Tente ser o mais preciso possível, mas não deixe de fazer o exercício por não ter os dados. É só uma primeira versão.

Deve surgir daí uma necessidade bem latente de informações. Se não tivermos dedo no pulso para identificar como as coisas estão caminhando, não vai adiantar jurar de pé junto que mês que vem economizaremos, que a partir do próximo salário vai ser diferente. Escancare sua vida financeira, entenda para onde o dinheiro está indo.

Anotações podem ajudar bastante. Evolua o exercício. Na mesma folha em branco, registre seus gastos. Todo dia. Preze pela simplicidade, mas seja pragmático. Data, valor e descrição do gasto.

Duas semanas de acompanhamento já proporcionam uma visão muito melhorada do cenário. Como o mês tem quatro delas, já dá para arriscar uma estimativa de quanto você gasta por mês. É um passo imenso.

Mantenha a simplicidade

Por experiência própria e das pessoas que acompanho, não custa lembrar: o processo vai falhar. Por alguns dias vamos esquecer que estávamos anotando, chegaremos em casa exaustos, sem vontade de sentar por alguns minutos e repassar os gastos do dia. Retome, sem culpa.

Existem muitas ferramentas que auxiliam no monitoramento dos gastos e na previsão de custos, algumas delas muito bem construídas, com um grande foco em usabilidade. Elas fazem o trabalho sujo por você. São muito úteis, mas por enquanto, mantenha tudo o mais simples possível. Quanto mais simples o ritual, menor a chance de abandonar.

É o hábito que vai se adequar a sua rotina e não o contrário. Nenhuma ferramenta é mais adaptável do que um papel em branco. As técnicas de monitoramento e estudo vão evoluir junto com a consciência financeira.

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Se estamos num carro, a toda velocidade, indo em direção a um abismo, o que nos ajudaria mais: um botão simples, escrito “freio”, ou um painel de avião gigante e cheio comandos e alavancas? A mesma lógica vale para o método a ser utilizado.

O que fazer com o registro dos gastos?

Todas as roupas que estavam socadas no armário estão ali, expostas. Algumas realmente têm valor e servem bem, mas outras estão ocupando espaço e impedindo que você armazene peças que você realmente gostaria de ter.

Analise com calma cada um dos registros e categorize o gasto entre fixo – que ocorrem regularmente, todos os meses – e variável.

Não se apegue a uma análise extremamente minuciosa. A princípio, a ideia é identificar ralos. Só pelo fato de estarmos mantendo um monitoramento, tendemos a manter os olhos mais abertos para despesas inúteis. Pouco a pouco vamos nos flagrando. Parece que a vontade de gastar ameniza quando sabemos que não vai dar para esconder debaixo do tapete.

Tenha paciência, pegue leve

Muito comum surgir uma urgência em reduzir todos os gastos abruptamente, sem nem tentar lembrar por que eles estão lá. O café da tarde com os colegas de trabalho não é inútil. Parcimônia nos gastos é necessária, mas não é cortando todos os gastos que conseguiremos colocar nosso dinheiro para trabalhar por nós. Não é assim que ele nos ajuda a girar as rodas certas.

Antes de pensar em cortar os gastos, pense em entendê-los. Tenha a situação na mão.

Estratégias do tipo “Economize em todos os lugares possíveis” são empolgantes, mas não duram. Logo você lembra que o café da tarde estava lá para te dar fôlego para encarar o restante do dia e que uma noitada com uma boa companhia é um motivo justíssimo para um gasto maior, desde que não seja desenfreado.

A partir de uma consciência financeira mais aguçada, desdobram-se várias frentes a serem trabalhadas. Os próximos textos partirão daqui, desse detalhamento da posição financeira atual.

Aos que já tentaram utilizar planilhas/softwares e desejam fazer um teste com papel e caneta, utilizando um método mais simples e adaptável: fiquem à vontade para postar relatos nos comentários deste texto. Ficarei bem feliz em acompanhar.

Nota do Editor: Para saber de onde está vindo este texto, leia "Dinheiro: um outro modo de usar", também do Eduardo Amuri.

Eduardo Amuri

Autor do livro <a>Dinheiro Sem Medo</a>. Se interessa por nossa relação com o dinheiro e busca entender como a inteligência financeira pode ser utilizada para transformar nossas vidas. Além dos projetos relacionados à finanças