Somos instáveis.
Nossa instabilidade surge também na maneira como tratamos nossos recursos. É bastante interessante a maneira como utilizamos diferentes parâmetros para medir o que é caro e o que é barato, no que vale a pena gastar dinheiro e no que não vale. Não seria improvável uma pessoa sair brava de uma loja, dizendo que gastar R$200 em uma calça é um absurdo e, em seguida, entrar em um restaurante e gastar R$100 em um prato. No final de semana seguinte, é capaz que essa mesma pessoa compre uma calça de R$300 e em seguida coma um prato de R$14,99 – sem sobremesa, para economizar.
Na maior parte do tempo, somos movidos por impulso. Nos cabe assumir, aparar uma aresta ou outra e aprender a conviver. O curioso é que geralmente o processo é consciente. Nós identificamos o impulso surgindo, mas não temos potência (ou vontade) de freá-lo. E seguimos.
Tem uma postura matadora – e mentirosa – que distorce todos esses traços, que se coloca acima de tudo isso, adicionando camadas de confusão a essa história toda.
É quando a gente enche a boca e diz:
"Eu não ligo para dinheiro."
Não se relacionar é uma relação
É uma alucinação achar que temos a opção de não nos relacionarmos com algo. Podemos optar por uma relação distante, desapegada, que não analisa e nem contesta, mas é sempre uma relação.
Fazendo um paralelo com o mundo da moda, é comum escutarmos que "nossa imagem diz bastante sobre quem somos". Se eu saio pela rua largado, com uma camiseta suja do café da manhã e uma barba afegã, achando que estou sendo subversivo e contrariando o sistema, estou me enganando. Não estou contradizendo a afirmação anterior. Minha imagem continua berrando. E berrando palavrões, diga-se de passagem. Negar relação com a própria imagem já é uma maneira de se relacionar com ela.
O mesmo ocorre com o dinheiro, só que de maneira bem mais intensa, já que é uma relação sempre muito presente, que afeta todas as outras.
Nossa imaturidade emocional bate forte quando o assunto é dinheiro.
Mas comigo é de verdade, eu não ligo mesmo
Escuto muita gente dizendo isso, mas poucas vezes percebo alguma sinceridade. Em geral, dizer que não ligamos para o dinheiro é um mecanismo bem rebuscado de auto-sabotagem.
De certa forma, maquiamos nosso sentimento de impotência, de preguiça ou de completo descontrole sob a forma de um charmoso desdém. É como se por trás do "eu não ligo para dinheiro" existisse um "eu não faço ideia de como lidar com os desdobramentos disso, então prefiro dizer que não ligo".
É uma total inabilidade, não é uma opção.
Ou seja, se não tenho estrutura emocional para me controlar frente à um bombardeio de ofertas, digo que não ligo para o dinheiro e automaticamente me isento da culpa de ter cedido e comprado mais do que podia. Com isso, o máximo que eu vou escutar é um “ah, ele não liga para dinheiro”, bem mais confortável do que um “ele não tem a mínima maturidade para administrar os próprios recursos, é um moleque”.
Se eu convivo diariamente com um sentimento de rejeição e não faço ideia de como me livrar disso, digo que não ligo para o dinheiro e pago a conta do happy hour inteiro. Depois, é só engolir o nó na garganta e fingir que não sei que na verdade paguei a conta porque preciso me sentir parte daquela movimentação, de me incluir, feito adolescente em período rebelde.
Deixa sangrar, deixa doer
O problema desse posicionamento é que ele não se sustenta. Se atravessamos grande parte da vida e das situações com o discurso do “não me importo”, perdemos a chance de criar casca, não ganhamos traquejo. Hora ou outra a falta de preparo emocional e financeiro cobra a conta, e geralmente é bem cara.
A imprevisibilidade da vida trata de criar situações em que não conseguimos nos safar com um discurso de isento, de quem não liga. Certas situações exigem maturidade financeira. Como morar sozinho sem um mínimo de zelo com o dinheiro que entra e que sai? Como planejar um casamento? Como planejar uma viagem?
Sem esse cuidado, acabamos virando eternos reféns das circunstâncias, torcendo para que o próximo capítulo caiba no nosso bolso e aceite nosso desprezo como resposta.
Não que o sofrimento e a privação necessariamente ensinem alguma coisa, mas flertar com a possibilidade de aguentar trancos é fundamental.
Não dá pra viver enrolado em plástico bolha.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.