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Evitando a armadilha do burnout

Você sabia que não se tem burnout apenas por excesso de trabalho? Isso aconteceu comigo e foi difícil de aprender

Demorou para que eu percebesse que o que se passava comigo era burnout.

Estava trabalhando no meu emprego dos sonhos (Basecamp!), e programando em minha linguagem favorita (Ruby!). Estava todos os dias aprendendo a resolver problemas desafiadores e divertidos, em conjunto com gente brilhante, amigável, encorajadora, acolhedora, apoiadora e que realmente estava muito por dentro, e que, além disso, não media esforços para fazer do ambiente de trabalho um lugar em que todos viessem a crescer e prosperar.

Raramente começava meu dia antes das 8h ou 9h da manhã, ou encerrava o expediente depois das 17h. Os fins de semana eram sagrados. Durante o verão, até fazíamos folga de sexta-feira. Nunca me encontrava com mais trabalho a fazer do que eu considerasse possível terminar em alguns dias, questão de uma semana no máximo.

Eu não estava trabalhando demais, e não era só o caso de que eu estava achando que não estava trabalhando demais, ou de alguma forma me enganando quanto a achar razoável a carga de trabalho – era de fato realmente bem no ponto. O trabalho era ótimo. Ideal. Na medida certa.

E isso era a armadilha.

Quando as pessoas falam sobre o burnout, quase sempre se referem à carga de trabalho. Muitas horas por dia, fins de semana trabalhando, pilhas de demandas, prazos mordendo os calcanhares. Chefes dependendo de você, temperamentos explosivos, colegas de trabalho olhando por cima do seu ombro esperando você terminar algo. Só sei que, quando considerava o burnout, era isso que eu visualizava – e minha situação era totalmente diferente.

Eu não estava trabalhando demais. Mas estava cansado. E achava difícil realmente me importar com o trabalho. De uma hora para outra comecei a ter pavio curto. Não conseguia me concentrar em nada. Qualquer coisa – literalmente – me distraía. Nada era chato, se me ajudasse a me desviar de minhas obrigações. Eu não gostava mais de programar. Minha produtividade despencou.

Porém, quando comecei a ter problemas com essa parálise profissional e emocional – sintomas clássicos do burnout – achei que tinha que ser outra coisa. Talvez eu apenas não soubesse gerenciar bem meu tempo. Talvez eu estivesse cansado, ou ficando doente. Mas as semanas passaram, viraram meses, e os meses se tornaram anos – e enfim comecei a perceber que o problema era mais profundo.

Tarde demais, pelo visto. E, embora eu, num dado ponto, tenha percebido que o que estava se passando comigo era – de alguma forma! – o burnout, só muito depois de superar essa situação foi que descobri leituras sobre o assunto, que me mostraram que trabalhar demais raramente é sua única causa – ou mesmo sua causa mais traumática.

Os pesquisadores Christina Maslach e Michael P. Leiter focaram muito o burnout ocupacional. Eles descreveram seis “desconexões” entre os empregados e seus trabalhos, que levam ao burnout. Como esperado, um deles de fato é “trabalho em excesso”. Mas o que me chamou mais a atenção foi o item “falta de controle”.

Escrevi minha história com o burnout em detalhes em “To Smile Again”  – mas basicamente o que vivenciei foi um trauma emocional ligado a algum software que criei. O trauma ocorreu principalmente devido a expectativas equivocadas, mas ao refletir sobre a experiência em retrospecto, comparando-a com a ideia de “falta de controle”, comecei a compreender que meu burnout podia ser ligado a essa ocorrência.

Maslach e Leiter descrevem a “falta de controle” em termos de organizações rígidas que atropelam a solução criativa de problemas e impedem os funcionários de experimentar novas formas de lidar com desafios. Essa não foi minha experiência. Porém, aquela experiência particular me fez perceber que eu não estava em controle total sobre o projeto, e foi essa percepção, e não a realidade toda da situação que coloriu minhas experiências subsequentes com o desenvolvimento de software.

Coisas engraçada, a psique humana.

“Falta de controle” também, mas num contexto diferente do descrito. Vou então esclarecer um pouco como minha própria percepção atingiu incorretamente minha interação com o trabalho.

Basecamp (o programa) era nosso feijão com arroz, sendo a principal fonte de renda da empresa. E ainda assim, Jason e David começaram a conversar sobre uma versão nova do aplicativo, a ser lançada como um produto separado, o Basecamp 2.

Para mim (e para outros colegas de trabalho), soava loucura. Reescrever do zero nosso produto mais bem-sucedido? Competir com nós mesmos? Isto simplesmente não faz sentido. Tivemos muitos debates internos quanto a isso, inclusive questionando se deveríamos ou não renomear o produto, como lidar com a compatibilidade da API e assim por diante.

Eu tinha algumas opiniões bem fortes. Achava que dar esse passo era tolice. Temia que destruíssemos nosso principal produto. Jason e David, por sua vez, ouviram todas as opiniões com o maior respeito, responderam os pontos a que sentiam poder contribuir algo e finalmente tomaram a decisão de seguir em frente e criar o produto novo.

Mesmo com minhas profundas dúvidas sobre a decisão, fiz meu trabalho, ajudei a concluir o software e a lançá-lo. E, adivinha? Foi um enorme sucesso. O produto principal não afundou e, ao contrário do que eu esperava, foi o início de muitos outros produtos bem-sucedidos.

Jason e David lidaram com a situação internamente com grande delicadeza e sensibilidade, mas no fim eles precisavam tomar a decisão e eu fiquei do lado perdedor. Naquele momento eu já estava no limiar do burnout, então não é nenhuma surpresa que novamente tenha sentido a tal “falta de controle” (embora eu não soubesse usar essa expressão naquele momento). Será que eles poderiam ter lidado com a situação diferentemente? Acho que não. Acho que fizeram tudo certo – mas minha percepção da situação aumentou essa sensação das coisas saindo do meu controle.

Se apenas eu tivesse sido capaz de identificar o que sentia naquele momento como burnout – se eu soubesse que não é apenas causado por sobrecarga de trabalho – as coisas talvez teriam se dado de outra forma. Talvez eu tivesse aprendido a encarar o problema e o resolver mais cedo. Hoje as coisas teriam sido diferentes, sem dúvida.

Ainda assim, pode ser que não seja tarde de mais para você. Talvez, como eu, você não esteja se sentido particularmente sobrecarregado no trabalho. Mas sente irritação, cansaço e apatia perante o que precisa fazer. Ou tem dificuldade em se concentrar para completar tarefas simples.

Então talvez o que você esteja sentindo também seja burnout. Nesse caso, não fique sozinho.

Fale com outros sobre seus problemas. Compartilhe o que está sentindo com o chefe, os colegas, amigos, família. Reconheça o burnout e tente descobrir o que o causou. Daí em diante você pode começar a seguir na direção de eliminar o problema pela raiz.

Sim, o burnout é um momento escuro de nossas vidas. Mas não precisa durar para sempre!

***

Burnout é algo sério, e precisamos falar mais sobre ele. Descrevi minha própria jornada do início ao fim do problema em “To Smile Again”, e adoraria ouvir suas próprias experiências. Você já teve problemas com isso? Já o venceu, ou ainda está lidando com ele? Partilhe sua jornada!

***

Nota da tradução: esse texto foi originalmente publicado em inglês no site Medium do autor e traduzido com sua autorização.


publicado em 24 de Abril de 2016, 23:09
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Jamisbuck

Jamis Buck

Autor descompromissado, programador no Basecamp e eterno aprendiz da vida. Pode ser encontrado no Medium, no Twitter ou no Facebook.


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