Toda vez que piso numa agência de publicidade, recebo um briefing (breve apresentação do trabalho a ser feito) falando sobre como é o homem hoje. Raramente me perguntam se acho que o que eles dizem faz sentido.

 

Foto por Christian Gaul
Foto por Christian Gaul

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Cabra macho dá quatro sem tirar, solta o primeiro soco, não leva desaforo pra casa.

Só sossega quando os outros pedem arrego. Bebe a maior dose, fecha o bar.

Peita qualquer problema. Mete bronca, mostra quem manda, não titubeia, não pisca, não respira, vence, conquista, supera, resiste, devora, arrasta, arremata, avança, destroça, resolve. Sem pestanejar, sem frescura, sem firula, sem moleza.

Esse não abaixa a guarda, caminha com um .38 aos calcanhares, uma peixeira escondida nas costas, um canivete no bolso lateral, nunca se sabe quando vem a peleja.

Anda de jipe, calça botina e viaja pro mato.

Quer dizer, parece que os tempos mudaram.

O novo homem chora.

Aceita perder, sorri, erra, se emociona, perde o controle, abaixa a guarda.

É mente aberta, camarada, reconhece que não é o melhor, apoia o amigo, goza o amigo, tem inveja do amigo, ama o amigo.

Peita ser vulnerável, assume o lado mulherzinha, amarga mostrar os sentimentos, tem orgulho de ser imperfeito, vai atrás do que quer, larga tudo, quer tudo. Passa creme, passa pomada, passa roupa, lava louça, cozinha como o Atala.

Sai com a namorada e o filho do outro relacionamento a tiracolo, adora cachorros, adora crianças, adora ajudar, adora gourmet, adora tendências, adora o espelho, se adora.

Anda de SUV (vai de ciclofaixa no fim de semana), usa calça colorida e tira um sabático na Índia.

Opa, parece que chegou a vez do homem-homem.

Esse faz o que deve ser feito, come de tudo, gosta de celulite, chama as pequenas de meu bem, saber ser cafajeste (mas não é um), tem coração (mas sabe ser duro), transa gostoso (e faz amorzinho), vai no swing (brocha e não liga), se veste com garbo (é cool sem querer ser), cozinha (o que aprendeu com o avô), bebe (a cerveja que ele mesmo faz), joga bola (com os amigos de sempre), mete gol, viaja, é do mundo, é cult, é rústico, busca a filhota na escola, trai, é traído, perdoa, ama, amolece, endurece.

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Anda no carro que for, veste o que gosta e se importa mais com a companhia do que com o destino.

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Foto por Ismael dos Anjos
Foto por Ismael dos Anjos

Enquanto isso, lá em João Pinheiro, interiorzão de Minas, o seu Zé segue preocupado com o tempo seco e as mandiocas. Parece que amanhã vai chover.

O Almeida colocou a filha pra dormir em seu apartamento, vai no banco amanhã checar se a ex-mulher depositou a pensão desse mês. As contas estão apertadas.

Carlos sai com os amigos na dúvida se hoje vai ficar com um rapaz ou uma garota. E se vai deixar os amigos verem o que ele escolher.

João Vitor não gosta de ninguém, finge cultivar amizades e segue surpreso com o quão reconhecido é como um tremendo executivo. Sonha em ser presidente da empresa nos próximos cinco anos.

Marcos ama cozinhar e queria ter um restaurante, tem medo de admitir isso para o pai que espera que ele tome conta da fazenda da família.

Beto passa creme anti-rugas escondido, é o goleiro da pelada, ótimo pai de duas meninas e tem uma amante 15 anos mais velha do que sua esposa.

E eu aqui, pensando neles e em todos que não são os novos, nem os velhos, nem homem-homens, nem jurubebas, nem jujubinhas. Fico me perguntando se ainda terá espaço no briefing pro homem qualquer.

Ele quer ser feliz e faz o que pode.

Guilherme Nascimento Valadares

Fundador do PDH e diretor de pesquisa no Instituo PDH.