Permita-me perguntar uma coisa para começarmos este artigo: você é a favor da liberdade?

Da liberdade individual, de escolha, de mercado, de expressão, de cátedra, você é a favor das diversas formas de liberdade?

Se você respondeu que 'não', cara, você precisa repensar seus conceitos, tem algo de muito errado com você.

Se você respondeu que 'sim', talvez eu tenha uma má notícia pra você hoje: esta não é a resposta certa.

Se você respondeu 'depende' vamos ver se foi pelo mesmo motivo e quem sabe possamos aumentar este grupo juntos.

Dilema da praça de alimentação

Quando vou numa praça de alimentação com minha namorada já sei que vou ter problemas. Antes mesmo de chegarmos, ela já decidiu o que vai comer e se dirige diretamente para a fila e faz o pedido. Enquanto isso, por mais que eu me antecipe e comece a pensar no que vou comer muito antes, demoro muito para me decidir.

No fim das contas, o prato dela chega muito antes e eu acabo experimentando algo que ela pediu (felizmente já perdemos aquela mania de esperar o outro para começar a comer). Por mais que eu coma rápido, minha demora para escolher é tão grande que em 99% das vezes ela termina antes de mim e tem que ficar, agora sim, me esperando.

Somado a isso, já perdi a conta das vezes que senti como se a escolha dela tivesse sido melhor do que a minha. Ou até mesmo que a escolha que demorei tanto pra fazer acabou não sendo a melhor.

Vale dizer que essa situação não ocorre só quando uma promoção nova aparece, um restaurante é inaugurado ou o cardápio de um deles muda. Quase sempre as opções são rigorosamente as mesmas da última vez e mesmo assim fico naquela dúvida entre repetir o que já pedi e experimentar algo novo. 

My hell!

Até outro dia, acreditava que essa indecisão toda era coisa de família, sintoma de alguma doença não-diagnosticada ou até que era culpa do meu signo. Sei lá. A gente inventa as coisas mais malucas para justificar outras maluquices. Mas descobri que parte desse problema simplesmente não é culpa minha e espero que minha namorada me perdoe depois desse texto.

Cada escolha uma renúncia

Que cada escolha implica numa renúncia, nós já sabemos, mas talvez eu tenha que revelar que talvez essa frase esteja um pouco defasada para os dias atuais. É aí que o paradoxo das escolhas entra na história.

Esse conceito elaborado pelo psicólogo e professor de Teoria e Ação Social da Faculdade Swarthmore, na Filadélfia, Barry Schwartz, basicamente veio para nos provar que, ao contrário do que imaginamos, um leque muito grande de opções nem sempre é melhor do que um leque pequeno.

Falando assim, não parece tão surpreendente, mas aos poucos Barry desenvolve esse conceito em seu livro e nos mostra como todas as macrodecisões que vêm sendo tomadas pelas sociedades industriais ocidentais como a nossa estão baseadas nessa premissa falsa. Eu explico.

Muitos de nós acreditamos que algo tão bom quanto a liberdade não pode e nem deve ter limites, mas a verdade não é bem assim. Mais do que estabelecer como limite da sua liberdade, a minha liberdade, precisamos reduzir as nossas opções de escolha para o nosso próprio bem.

Voltemos ao fenômeno da praça de alimentação. Antes, tínhamos não mais do que um ou dois restaurantes para ir e estes apresentavam uma variedade muito pequena de pratos que poderiam ser servidos. Sem imaginar a quantidade de outras coisas que você hipoteticamente poderia escolher, aceitávamos as opções disponíveis, comparávamos seus atributos e rapidamente tomávamos uma decisão capaz de nos produzir um nível de satisfação razoável.

Mas em algum momento, alguém achou que ficar razoavelmente satisfeito não era suficiente e se perguntou: se já podemos, por que não aumentar as opções disponíveis?

Essa pessoa (seja ela quem for) certamente foi considerada um gênio no começo e deve ter ganhando muito dinheiro por isso, mas ela acabou dando o pontapé inicial para um cenário onde a disponibilidade quase infinita de opções para determinadas escolhas nos provoca duas reações: insatisfação ou paralisia.

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Nós: paralisados e tristes.

A ignorância era uma benção

A diferença para que nossa reação diante da escolha seja insatisfação ou paralisia depende da urgência de nossa necessidade. No caso da praça de alimentação, na maioria das vezes você não tem outra opção que não seja comer. Nesse caso, você é forçado a, de um jeito ou de outro, optar por algo.

Como acontece comigo, por mais ponderada que seja minha decisão eu dificilmente vou ter certeza de que ela foi a melhor possível. Sendo assim, toda vez que o resultado da minha escolha não for o imaginado (melhor possível) vou ser levado a olhar em retrospecto e repensar se minha decisão foi a correta. Essa carga de expectativa faz com que as decisões que antes precisavam ser apenas boas, passem a precisar ser perfeitas. Caso contrário, o nível de satisfação que vou obter com esse número de opções é menor do que quando minhas opções eram mais restritas e, portanto, a comparação era menor.

Porém, se minha necessidade não for tão urgente, talvez eu escolha adiá-la, readiá-la e adiá-la novamente até que eu simplesmente desista ou minha necessidade aumente. Por exemplo, pretendo aplicar o dinheiro que tenho guardado para que ele gere algum rendimento. Nesse exato momento, um leque de opções se apresenta: temos a poupança, o tesouro direto, ações, fundos privados, banco A, banco B, banco C, corretoras e até títulos de capitalização. As opções são tantas que eu nem sei por onde começar. Como minha necessidade não é urgente, opto por deixar como está até que haja alguma alteração no cenário.

Agora multiplique esses sintomas pela quantidade de decisões que tomamos diariamente. Some a isso a quantidade de decisões que também tomamos coletivamente. Considere que os níveis de ansiedade variam de acordo com decisões pequenas como 'levantar da cama ou dormir mais cinco minutos', até decisões como: 'vou me casar ou comprar um apartamento?'

Pois é, houve um momento onde a quantidade de decisões que precisávamos tomar era muito menor do que hoje. Naquele momento nós éramos mais ignorantes, mas também éramos mais felizes.

O que fazer com essa tal liberdade?

A essa altura, porém, você já deve estar se perguntando: Pera aí, esse cara está defendendo o fim da liberdade? E todos os benefícios que ela nos trás? Por acaso ser prisioneiro faz de alguém uma pessoa melhor?

Como eu disse no começo do texto: depende. O gráfico abaixo resume a questão.

Verticalmente temos o eixo do nosso estado subjetivo, ou seja, da sensação boa ou ruim que temos. Horizontalmente, temos o eixo do número de escolhas. A curva nos mostra que a nossa satisfação aumenta até determinado momento e depois começa a cair.

Isso significa que existe um número desconhecido de escolhas disponíveis que corresponde à satisfação máxima possível. Justamente a partir deste ponto, a curva se inverte e começamos a perder desempenho até o momento em que mais opções de escolha passa a ser pior do que menos.

Obviamente, o gráfico não tem valores numéricos porque a curva se desloca pelo eixos x e y de acordo com cada situação e cada pessoa.

Portanto, percebemos que estamos errados quando procuramos aumentar nossas opções a todo custo. Essa busca nos levará invariavelmente à frustração. O segredo para encontrar a felicidade, é descobrir o ponto máximo, ou seja, a dose certa de liberdade que queremos.

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Nota da edição: ainda está confuso? No vídeo abaixo, o próprio Barry Schwartz explica o conceito e encerra com a excelente metáfora do pai e do filho peixe.

 

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Tecla SAP é uma série de autoria de Breno França publicada quinzenalmente às quintas-feiras que se propõem a explicar ou traduzir conceitos complexos que estão presentes nas nossas vidas, mas não sabemos ou reconhecemos.

Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a <a>Jornalismo Júnior</a>