Pelo (meu) direito de estar conectado

Antes de mais nada, um resumo sobre mim: sou introvertido e, por isso, falo pouco. Sou gago e, por isso, falo menos ainda. Morei no Japão durante 15 anos, tenho celular desde os 14 e tive meu primeiro celular com câmera aos 15. Pago a conta deles desde os meus 16 e, naquela época, mandava de 200 a 300 SMS por dia. Pode-se considerar um uso bem intensivo.

Há muito tempo escuto a conversa de que "redes sociais estão nos deixando cada vez mais distantes". Pra mim, é tudo besteira. Tenho a impressão de que essas pessoas não sabem usar as redes ou não sabem aproveitar seus amigos.

Então, pra expor o meu ponto de vista, vou abordar 3 situações, que ao meu ver, mostram como as redes me ajudam a interagir ou tornar o contato com os outros mais leve.

Amigos que eu vi depois de 10 anos

Ainda nos tempos de "pré-redes sociais" existia algo chamado "ICQ Chat", onde reuníamos amigos pra ficar conversando em grupo pela internet. Diferente do bate-papo, era mais privado.

Um dia, navegando em sites de mangá/anime, vi que a galera de lá se organizava todas as noites em um desses chats. Foi lá que conheci o Marcelo. Eu tinha uns 12/13 anos na época. Passamos pelo ICQ/MSN/Gtalk/Orkut/Facebook e finalmente o conheci, com 23 anos. Toda uma década pela internet nos fez amigos.

Dessa mesma época ainda tem a Priscila, com quem eu trocava emails diários falando sobre a vida. Depois de 10 anos, vim pro Brasil, mas ela estava na Espanha. Um dia ela voltou e bebemos uma cerveja na Paulista.

"Redes sociais deixam quem está perto mais longe e quem está longe mais perto."

Mentira. Você mantém perto quem você quer. Dadas as proporções e feitas as devidas ressalvas, se você não se esforça, é porque talvez não queira tanto assim.

"Ah, mas em São Paulo é difícil arranjar tempo!"

Não necessariamente. Se você consegue postar fotos de gatos no Facebook, consegue ver os amigos também. É importante saber alocar o tempo e definir as prioridades. O problema é que as redes sociais podem ser usadas como desculpa para nossa preguiça.

adultos
"nossa, terça-feira é dia de beber?"

Eu, morando em São Paulo, vejo meus amigos quase toda terça-feira e ainda ouço coisas como 

Não. É dia de rever os amigos e, quando o faço, normalmente bebemos.

Tenho dois ou três amigos que conheci pela internet, moram em São Paulo, mas nunca se esforçaram pra me ver. Mas ficam online todos os dias.

Tenho mais um que conheci no Japão mesmo, voltei pra São Paulo e tentei encontrá-lo 3 vezes. Ele furou as 3, por isso, acabei assumindo que ele não queria me encontrar.

Se você acha que suas amizades se distanciaram por causa das redes sociais, se pergunte: eu tomei alguma iniciativa quando se afastaram?

Para os momentos em que o rolezinho está chato

"Odeio quando estou na mesa e as pessoas ficam mexendo no celular."

As pessoas que mexem no celular podem estar falando com amigos, interagindo com eles, assim como estão contigo. A diferença é que usam o telefone como meio para isso, ao invés de fazê-lo diretamente.

Às vezes, estou em um bar com uns publicitários e eles começam a falar de coisas que eu não entendo. Pesquisas, marketshare, engajamento e cool hunting — acho que inventei algumas dessas, mas enfim, eu não vou me intrometer no assunto porque não entendo. Diante disso, pego meu celular, vejo os status das pessoas e, se tiver alguém online, as convido para vir ao bar também.

Não há necessidade de criar uma ansiedade para que todos falem o tempo todo. Em um grupo com cinco pessoas, por exemplo, nem sempre todas conversam entre si. Ao pegar o celular, eu apenas fiz a escolha de conversar com alguém que não está na mesa.

Lembro que, quando criança, via meus pais assistindo Faustão no domingo. Ninguém conversava. Até que chegava um parente/amigo/vizinho, era bem recebido, sentava no sofá. A cada 15 minutos alguém comenta uma besteira do Faustão. Depois de 3 horas a visita se levanta e diz:

— Foi bom visitar vocês, mas vou embora.

Minha mãe dizia:

— Já vai? Está cedo! É sempre bom quando você nos visita.

Deu pra perceber? O cacoete de se afastar da conversa usando eletrônicos não é algo exclusivo dos celulares. Por ele, pelo menos interajo com pessoas de verdade, não apenas com imagens em uma tela que se comunicam em via única.

Standing Room Only

"Quer dizer que é normal todo mundo usar celular na mesa?"

Talvez não, mas cabe a você decidir e avaliar.

Esses dias, fui à despedida de um amigo, sentei com 2 conhecidos e outras 3 pessoas que eu nunca tinha visto. Em 3 minutos de conversa entramos em um impasse:  quando foi lançado o desenho do Bambi?

Demorei apenas 2 minutos para abrir a Wikipédia. Por causa disso, passamos a noite toda falando sobre animações, guerras e fazendo piadas politicamente incorretas. Poderia ter parado na pergunta, se não houvesse celulares. Ou não. A diferença é: nós queríamos conversar e conversamos.

Quando alguém mergulha na tela do aparelho, talvez signifique apenas que essa pessoa não está se divertindo. Já pensou nisso?

Um jeito mais fácil de se aproximar das pessoas

— Mano, onde você tá?

— Eu estou no Starbucks, cola aí!

— Em qual deles?

Depois de 5 minutos sem resposta no SMS, liguei o Foursquare e vi o check in desse amigo no Starbucks da Haddock Lobo, em São Paulo. Fui lá e o encontrei.

Durante as férias, em Recife,  não conhecia nada na região. Liguei o Foursquare e fui num bar, onde conheci algumas pessoas. Eu poderia ter passado o dia todo andando pela região e descoberto outros lugares, mas com o Foursquare foi mais fácil.

No Japão, eu saia de casa, pegava o ônibus e postava no Twitter: "Alguém pelo centro?"

Em 15 minutos já tinha algo pra fazer e amigos pra encontrar.

E vocês ainda insistem que redes sociais só atrapalham a vida social das pessoas? Eu gosto de me sentir à vontade com meus amigos. Como eu vou me sentir à vontade se, ao sentar à mesa, eles me obrigam a fazer algo, mesmo que seja desligar o celular?

Redes sociais podem se tornar um vício, mas só atrapalham se você não souber aproveitar a ferramenta. Simples assim.

Como todo vício, é o excesso e a falta de autonomia e bom senso que realmente fazem mal.

Nota: Esse texto foi originalmente publicado na página do Medium do autor. Fizemos algumas adaptações e trouxemos para cá.


publicado em 21 de Março de 2014, 14:02
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Daniel Oshiro

Mochileiro, maloqueiro, ga-ga-ga-gago.


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